Por Patrick Granja.
Uma semana após o massacre levado a cabo pelas polícias civil e militar que deixou oito pessoas mortas na favela do Jacarezinho, moradores começaram e retomar suas vidas. Nas ruas de acesso à favela já pode ser visto o movimento frenético, comum do Jacarezinho sete dias por semana. No acesso à estação de trem, camelôs voltam à rotina, carros e motos circulam normalmente e o deserto que havia entre a Avenida Dom Helder Câmara e o Largo dos Tubas pouco a pouco vai dando lugar à feira livre de todos os dias.
No Beco da Síria, uma das partes mais afetadas pelos tiroteios, marcas de disparos de todos os calibres infestam os muros e fachadas das casas. Ainda muito assustados, comerciantes disseram à reportagem de AND que o Jacarezinho nunca havia sido atacado pelo Estado como nos dez dias em que policiais da CORE levaram a cabo consecutivas operações para vingar a morte do policial Bruno Guimarães Buhler, de 36 anos, morto dias antes em um suposto confronto com traficantes.
— Eu moro no Jacarezinho desde os 15 anos, quando minha família veio de Minas para o Rio. Hoje eu tenho 72 e nunca pensei que, depois de tanto tempo nesse lugar, fosse viver dessa forma, com medo, receio de tomar um tiro a qualquer momento. No primeiro dia de operação aqui, eu e minhas clientes ficamos mais de uma hora no chão, de mãos dadas, pedindo misericórdia para deus. Depois disso, eu não abri mais meu salão. Não queria correr o risco de abrir, atrair as pessoas e alguém se machucar dentro do salão — conta Dona Geralda Telles.
Perto dali, fica a Escola Estadual Clóvis Monteiro, uma das mais antigas da região. Mesmo protegida por muros e por uma vegetação densa, a escola tem marcas de tiros até mesmo dentro das salas de aula.
— Não sei qual a pressão maior: da rotina de violência nesse lugar, ou da secretaria de educação que sempre exige explicações para o fechamento da unidade e cobra com rigor a reposição das aulas. Claro, eles estão nos seus gabinetes e não enxergam o terror que essas crianças vivem aqui. Nos dias de tiroteio, eu tive que fechar a escola porque quem tutela pela segurança dos alunos sou eu. Nós tentamos manter a rotina de aulas, mas é complicado, pois de uma hora para outra, começam os tiros e ninguém mais consegue chegar à escola ou prestar atenção na aula. O terror produzido pelo Estado aqui é veneno para a cabeça desses adolescentes que, muitas vezes, têm o desejo de estudar, mas acabam impedidos pela violência no território— explica a diretora da unidade, Andréia Queiroz.
A 15 quilômetros dali, em Fazenda Botafogo, fica a Escola Municipal Daniel Piza, onde estudava a menina Maria Eduarda Alves da Conceição, de 13 anos. Ela foi baleada por policiais dentro da escola e não resistiu aos ferimentos. O caso aconteceu em março desse ano e gerou grande comoção popular. Na Fazenda Botafogo, onde fica a escola, um grafitti foi feito no muro do colégio em homenagem a Duda, como era conhecida Maria Eduarda. Segundo Buba Aguiar, de 26 anos, integrante do Coletivo Fala Akari, as operações nas favelas da região continuam acontecendo.
— Nós somos pobres e o Estado não liga para nós. No caso da morte da Duda, as imagens mostram que os policiais sabiam que ali era uma escola e que as crianças estavam no pátio brincando. Mesmo assim, continuaram atirando a esmo na direção do colégio. Aqui eles agem assim: atirando para todos os lados, agredindo as pessoas, invadindo casas e tocando o terror. Agora estão perseguindo lideranças comunitárias e eu sou uma delas. Já entraram na minha casa, roubaram documentos do Coletivo, fazem ameaças e, muitas vezes, nós tivemos que sair de Acari para que nada nos acontecesse. Tudo isso é feito pelo 41º BPM [antigo 9º BPM], que já tem no seu “currículo” a Chacina de Acari e de Vigário Geral — lembra Buba Aguiar.
No Complexo do Alemão, uma das maiores favelas da cidade, o quadro não é diferente. Na Rua 2, na localidade Nova Brasília, policiais tomaram casas de moradores e as transformaram em Bunkers. No local, o colorido das paredes das casas contrasta com as centenas de marcas de tiros. Desde 2010, quando o Estado iniciou o processo de militarização dos Complexos da Penha e do Alemão, são poucos os dias em que moradores não suas rotinas interrompidas por sons de tiros.
— Eles [o Estado] disseram que a UPP ia mudar nossas vidas e mudou mesmo. Transformou nosso dia-a-dia em um inferno. A gente sai para a rua rezando para não tomar um tiro ou não esbarrar com algum policial, pois eles tratam a gente que nem lixo. Agridem, esculacham, xingam e ninguém escapa. Até mulheres, idosos e crianças sofrem na mão desses covardes. Fizeram esse teleférico, gastaram milhões e ele hoje está fechado. Emperequetaram a favela toda e hoje não temos mais nada, só violência contra os moradores. Tem lugares do Complexo que viraram áreas fantasmas, onde não mora ninguém, porque o povo não está aguentando e muitos acabam deixando suas casas — conta o tatuador Vinícius Andrade, de 31 anos.
A guerra reacionária do Estado contra o povo, a cada dia é incrementada com mais tropas, armas e tecnologias militares. Somente esse ano, mais de 3 mil pessoas se feriram em supostos confrontos entre traficantes varejistas de drogas e policiais. Os cinco primeiros meses desse ano já registram um aumento de 16,8% no número de vítimas em comparação ao mesmo período do ano passado. O número de vítimas fatais também subiu assustadoramente, e já ultrapassou 521 casos em cinco meses. Um aumento de 58,9% em comparação ao mesmo período de 2016.
Ao povo resta se organizar e lutar contra esse genocídio em curso, pois somente a rebelião popular será capaz de frear a ação do Estado em conluio com as classes dominantes para militarizar favelas e bairros pobres, não importando quantas vidas terão que ser sacrificadas para tanto.
Fonte: Mídia Coletiva