Esta professora ensina o que é poesia e esperança para internos da Fundação Casa

Por Luiz Henrique Gurgel*.

O tom de voz era baixo e praticamente não se alterava durante essa conversa, feita em 2014, quando ela narrou sua história como educadora. Sorriso delicado, fala firme, mas dita de forma suave e pausada. Até hoje, 2016, – e isso já faz quatorze anos – a professora de língua portuguesa Maria da Penha Silva trabalha com leitura e produção de textos entre adolescentes que cumprem medidas socioeducativas na Fundação Casa, em São Paulo (SP). Mais que isso, ela ensina seus alunos a produzir poemas. Um deles, orientado por ela, foi vencedor da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro, um concurso nacional de textos para escolas públicas (as inscrições estão abertas no site).

Penha foi trabalhar com esses estudantes por um capricho da história. Ela cuidava da edição de apostilas educacionais do Senai e, antes de completar 48 anos, se aposentou. Por insistência de uma amiga, foi dar aulas numa escola estadual. Num curso de aprimoramento para professores da rede conheceu colega que lecionava para adolescentes da Fundação e, curiosa para entender uma realidade tão diferente da escola em que estava, aceitou o convite para dar aulas. O detalhe é que Penha era “revoltada com a violência urbana”, como ela mesma afirma. Motivos não faltavam, seu carro fora roubado cinco vezes por adolescentes.

Em sua primeira aula sentiu frio na barriga ao passar pelos corredores com portões de ferro e grades. Numa sala de seis metros quadrados e quatro alunos que haviam cometido infrações graves, apresentou a crônica de Rubem Braga, Meu ideal seria escrever, com uma roda de conversa sobre o texto. Teste para ela mesma. No fim da aula, um dos alunos – o mais inquieto – quis saber se ela ia voltar no dia seguinte. Sentiu que a estratégia dera certo.

As experiências foram se sucedendo e ao longo dos anos sentiu que vivia uma grande transformação pessoal, sempre se perguntando se ia sair de lá:

“Dizia para mim mesma: ‘Ainda não está no momento’. Não conseguia deixar meu trabalho. Cada vez mais fui percebendo que precisava fazer diferente, fui me modificando como professora, até fora da instituição”. Não que Penha aprovasse o rumo que aqueles meninos tinham tomado em algum momento da vida: “Não está correto, mas, conhecendo a história deles, dá para pensar na situação. É como se você jogasse uma planta na terra, sem dar água e alimento. Ela cresce conforme o vento que bate”.

Ela ainda viveu um drama familiar nesse tempo: o sobrinho foi morto num assalto por causa de um celular. A história assustou seus estudantes. “É preciso uma transformação sua para conseguir transformar o outro, para conseguir transformá-lo numa pessoa reflexiva”.

Quando a notícia de que um de seus alunos, ali da Fundação Casa, era semifinalista do concurso nacional, foi um alvoroço. Todos os outros queriam aprender a produzir textos. “É comum eles acreditarem que não terão nova oportunidade”, disse.

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Leia a íntegra do texto do aluno na página 57 da coletânea de poemas de textos finalistas das Olimpíadas

Nas oficinas de Poema e de Crônica contava com a ajuda das professoras de matemática e de filosofia. “O que a gente sente quando está sensível?”, “Como saber quando é amor?”, estavam entre as perguntas mais frequentes dos estudantes. O desejo e a necessidade de expressão de adolescentes confinados afloravam pela ação da professora. Um sonho de liberdade possível pela palavra.

O maior presente que Penha ganhou veio de um aluno que estava de saída da Fundação. “Quero que a senhora tenha muita sorte, porque a senhora não desistiu da gente, a senhora é severa, estava sempre ‘ali’, mas não desistiu da gente. Eu quero agradecer muito”.

Ela explica:

“Eu planejo todas as minhas aulas. Aviso a eles tudo o que vai ser feito e eles sabem que dou atividades todos os dias. Sou disciplinada. Eles veem que eu estudo para dar minhas aulas. Eles precisam acreditar que você sabe, que você pode passar conhecimento. Eles vêm descrentes, autoestima lá embaixo, precisam de estímulo sempre.”

A professora se orgulha da profissão. Não titubeia quando fala da educação como ação transformadora:

“Todo tempo queremos que os alunos vejam que trabalhamos com seriedade. O segredo é ser sincera. É preciso mostrar que ninguém está com eles porque tem dó. É preciso transformá-los em pessoas que reflitam sobre os próprios atos, que sabem ser responsáveis pelas escolhas. É preciso mostrar que o estudo é o único caminho que poderá mudar o futuro deles”.

Maria da Penha Silva não parece com vontade de parar. Continua percorrendo corredores e salas de unidades da Fundação Casa, espalhando poesia, textos eesperanças.

*Luiz Henrique Gurgel – Sociólogo e jornalista. Colaborador de projetos do Cenpec


Título: CEERT

Fonte: Cenpec

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