Por Fabricio Longo.
“Saí do armário” para os meus amigos em Novembro de 2001. Naquela época, apesar de ter crescido com poucos referenciais positivos sobre a homossexualidade eu já podia contar com alguns portais de internet voltados para o segmento, com boates gay, com a revista G Magazine – que eu comprava escondido em uma banca longe de casa – e até com o seriado Queer as Folkcolocando a sexualidade como assunto principal. Não era fácil, mas tive esses privilégios – tanto por questões de classe quanto de idade, já que a situação dos que vieram antes de mim era muito diferente. A dos que vieram depois então, nem se fala!
Dizer que “hoje em dia é mais fácil” não faz sentido porque ninguém está disputando miséria. É evidente que qualquer avanço de hoje é resultado do ativismo de ontem, da mesma forma que se espera que as questões discutidas atualmente estejam resolvidas no futuro. Se alguma coisa está mais fácil é porque estamos tendo sucesso, mas a verdade é que essa “facilidade” ainda é bastante relativa…
O entendimento moderno de sexualidade é bastante recente e em termos históricos a articulação política LGBT ainda está engatinhando. Não é de espantar que o Brasil tenha apenas um parlamentar assumidamente gay no congresso e poucos apoiadores da causa na política. Essa escassez de representação se repete em todos os governos democráticos do mundo e sinaliza que ainda falta um longo caminho para que o senso de identidade LGBT consiga produzir uma comunidade, pelo menos nos sentidos mais amplos da palavra.
Defendo a teoria de que grande parte da identidade gay é afirmada estrategicamente pelo consumo, e obviamente que isso é legítimo. No sistema capitalista, faz sentido que grupos sociais se apresentem como possíveis nichos de mercado, da mesma forma que a lógica empresarial vai criando e moldando esses recortes de público e consequentemente interferindo nessas identidades. A problemática, é claro, está no fato de que a produção de tipos ideais sempre é excludente, fazendo que a suposta unidade multicor da bandeira da diversidade seja fragmentada entre os que podem se incluir em certos parâmetros e os que ficam de fora. E com a valorização da individualidade e o debate das identidades hoje em dia, é de se esperar que mais e mais bandeiras e demandas apareçam – o que é bom e ruim.
Embora as “tretas” e zoeiras da internet cansem qualquer um, é positivo que virtualmente qualquer pessoa possa ter acesso ao mundo inteiro e falar sobre suas questões. Mesmo os pensadores mais empáticos não seriam capazes de conhecer todas as demandas de todos os grupos, então essa avalanche de vozes acaba por conquistar a representatividade “na marra”, alimentando as discussões sociais e transformando ideias. O preço que se paga é a fragmentação, mas como a política social é uma coisa viva e não existem indicativos de que isso vá mudar tão cedo, provavelmente estamos participando de um momento de transição, de reformulação de estratégias em torno de causas comuns em diálogo com clamores específicos
A tentativa de classificar as coisas é um dos pilares do pensamento humano e a oposição binária entre opostos está na base dessa lógica. É um método de construção de conhecimento sobre o mundo. No caso da sexualidade e das identidades – pessoais e de gênero – ainda partimos de conceitos básicos como “homem/mulher” e “hétero/homo” para o caleidoscópio arco-íris que transforma preferências sexuais e formas de arte em estilos de vida, colorindo nossa fauna com gays, lésbicas, bi, pan, assexuais, metrossexuais, sapiossexuais, ursos, Barbies, twinks, drags, transformistas, discretos, pintosas, fora do meio e afins, e abrindo o leque de nossa identidade para incluir as pessoas transvestigêneres, fluidas e agênero. Tem de tudo e a cada minuto aparece algo novo, o que é fabuloso!
É claro que o hoje é muito diferente do ontem. Nos primórdios desse movimento a luta era para provar que a homossexualidade é uma manifestação positiva da sexualidade humana, já que a construção social da ideia de “gay” foi baseada em uma negativação da heterossexualidade. Em alguns países a prática era proibida por lei e foi preciso lutar pela descriminalização antes da despatologização, como agora é necessário lutar pela despatologização das identidades trans. É óbvio que o movimento está mudando e hoje inclusive existe a percepção dos privilégios da identidade gay em relação às outras siglas da nossa bandeira, o que é sinal de que temos liberdade até mesmo para apontar nossas próprias feridas. E isso analisando apenas o “mundo livre” do capitalismo, já que em vários países os LGBT ainda são perseguidos com a força da lei e principalmente da violência. Aliás, a violência segue sendo o problema mais urgente mesmo no mundo “liberado” por conquistas burguesas como o direito ao casamento e pela existência de RuPaul’s Drag Race. Hoje é mais fácil, sim. Pero no mucho.
Ainda é notícia de jornal se um menino brinca de boneca ou se uma menina gosta do Homem de Ferro. Tem gente que está “saindo do armário” para família e sendo aceito, compartilhando histórias lindas, mas ainda tem muita gente levando porrada, sendo expulso de casa ou enfrentando anos de tensão porque não pode falar abertamente sobre sua sexualidade ou identidade de gênero. Caminhamos bastante mas ainda temos muito a percorrer.
Se hoje está mais fácil para alguém é porque estamos no caminho certo!
Permita-se. Seja livre. Seja fabuloso.
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Fonte: Revista Fórum