Jovens mais libertas e ousadas, que discutem abertamente questões como aborto, igualdade de direitos e salários e o modelo de sociedade em que vivemos. Mulheres e meninas que marcham no Dia Internacional da Mulher pedindo “Fora Temer”; retirada da Reforma da Previdência; fim de todas as formas de violência e o fim do machismo.
Para a advogada e militante Tânia Slongo, da Marcha Mundial de Mulheres e do Movimento Nacional de Direitos Humanos de Santa Catarina, “esse empoderamento que questiona o patriarcado e o capitalismo incomoda e provoca a reação da direita e do sistema. Tânia afirma que perseguição e violência individual é a estratégia que está inserindo elementos retrógrados em questões consideradas superadas. O caso da professora Marlene De Fáveri é um exemplo emblemático.
Esse encontro de Tânia Slongo e Marlene De Fáveri aconteceu durante a gravação do programa de RádioWeb do Portal Desacato, Informativo Paralelo, no dia 5 de junho, que discutiu o papel das mulheres na resistência diante da conjuntura da Golpe. Nesse dia elas foram entrevistadas por Raul Fitipaldi, Caroline Dall’Agnol e Janaína Machado.
O empoderamento provoca desconfortos
A historiadora e professora da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Marlene de Fáveri, está sendo processada na Justiça por uma ex-aluna de mestrado que alega perseguição religiosa e ideológica por parte da professora, desqualificando a área de conhecimento e as teorias feministas e de gênero, com argumentos de teor sexista, homofóbico, transfóbico e racista. Para Marlene, o processo faz parte da “onda de delações que visam silenciar professores. O que é uma lástima e um retrocesso em relação ao que conquistamos a duras penas”.
“Foi o movimento feminista, nas décadas de 60 e 70, que começou a denunciar as diferentes formas de violência contra a mulher. Esses temas não ganharam visibilidade tranquilamente. Concordo com o grande historiar, Eric Hobsbawm, que o feminismo foi o movimento mais importante do século XX, oportunizando o empoderamento das mulheres”. Marlene explica que o tema gênero se torna uma categoria de análise após a década de 90, “com o feminismo e o aporte teórico foi possível pesquisar mais, denunciar mais e fazer com que projetos fossem aprovados, provocando o desconforto de quem não queria o empoderamento feminino”.
A visibilidade conquistada
Tânia conta que o movimento das mulheres agricultoras discutia o feminismo sem saber o que era o feminismo. “As mulheres não podiam sequer filiar-se ao sindicato. Eu vim da roça, sei o que é o trabalho de uma agricultora. Você trabalha dentro da casa, em torno da casa e vai pra roça. É a tripla jornada. Primeiro lutamos para sermos reconhecidas enquanto agricultoras, depois para ter direito ao documento de identidade e à conta bancária. É muito recente a conquista do direito à aposentadoria da mulher agricultora”.
“As mulheres sempre estiveram à frente das lutas na América Latina. E a maioria não se entendia enquanto feminista e era mais feminista que muitas intelectuais de classe média que não enxergavam a dor, a luta contra a carestia das donas de casa e a luta por diretas já”. Para Tânia, hoje uma menina de 10 anos já tem contato com o feminismo. São esses avanços que “eles precisam desconstruir”, alerta Marlene. Nos últimos anos, nós conseguimos trazer a público a luta das mulheres, e tomamos a frente da resistência. Isso incomodou. Agora os fascistas estão respondendo aos avanços conquistados, avalia a professora.
Marlene nos representa
Para a jornalista Adriane Canaan, a escola é um lugar de expressão, de destruição de estereótipos e paradigmas conservadores. “Estamos sentindo uma energia contrária à liberdade de expressão, o caso da Marlene é exemplar, penso que ela representa toda as mulheres neste momento. Todas as mulheres que desejam uma escola livre, que propõe a reflexão e o debate e não a mordaça. Nós mulheres, com todos os papéis que temos neste mundo, refutamos o conservadorismo, o discurso misógino e agressivo e lutamos pela liberdade e pela democracia.” O projeto da Escola Sem Partido avilta o direito à livre expressão e tem a intenção de homogeneizar as diferenças, afirma Marlene De Fáveri. “Ele não aceita que haja o diferente e propõe, nos processos que estão tramitando, uma escola sem a possibilidade da discussão e do debate. E tenta homogeneizar para impor outro partido. É tirar uma coisa e colocar outra”.
Ousadia punida
Marlene lembra que, em 2010 e 2011, o feminismo estava confortável na academia e nos movimentos sociais mas, com a emergência do movimento fascista, as mulheres passam a ser alvo dessa disputa que vai redundar no impeachment da presidenta Dilma Rousseff. “É uma lástima que eu não aceito. Mostra um retrocesso absurdo. Castigaram Dilma por ter alcançado o mais alto grau da esfera de poder. Outras mulheres estão sendo castigadas, violentadas e mortas pelo sistema, por terem ousado.” Marlene De Fáveri considera fundamental retornar com mais força aos movimentos sociais e às bases, aos diferentes grupos da sociedade civil, à educação de meninos e meninas para construirmos uma sociedade diferente. “O projeto da Escola Sem Partido quer abolir qualquer forma de emancipação na educação e isso é um retrocesso. Precisamos educar meninos e meninas para a diferença, a equidade e o respeito às mulheres. É na educação crítica que as crianças passam a ver-se enquanto sujeitos da história e podem construir-se não violentos”.
8M materializa a potência
O Dia Internacional da Mulher, em 8 de março, foi construído de forma mais horizontal, com as mulheres indígenas e as mulheres negras, foi muito plural e surpreendeu, avaliou Tania Slongo. “Foi a greve geral das mulheres e dialogou diretamente: vocês são importantes na luta econômica e social e de resistência ao golpe. Se vocês pararem o mundo pode parar.” Para Marlene o 8M foi espetacular. “Ver essa juventude engajada se posicionando, isso foi esperançoso”.
Marlene de Fáveri considera fundamental retornar com mais força aos movimentos sociais e às bases, aos diferentes grupos da sociedade civil, à educação de meninos e meninas para construirmos uma sociedade diferente. “O projeto da Escola Sem Partido quer abolir qualquer forma de emancipação na educação e isso é um retrocesso. Precisamos educar meninos e meninas para diferença, a equidade e o respeito às mulheres. É na educação crítica que as crianças passam a ver-se enquanto sujeitos da história e podem construir-se não violentos”.
O que é o Escola Sem Partido?
O Projeto Escola Sem Partido (PLS 193/2016, PL 1411/2015 e PL 867/2015) contraria o princípio constitucional do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, assim como o da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar. A proposta foi considerada inconstitucional pelo Ministério Público Federal, pela Advocacia-Geral da União e pela Procuradoria-Geral da República. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e outras associações e instituições ligadas à educação e à ciência afirmam que o Escola sem Partido é uma grave ameaça às ciências, à educação, ao Estado laico e à liberdade de expressão no Brasil.
Escute aqui o Informativo Paralelo com a participação de Marlene de Fáveri e Tânia Slongo.