Esse amor por tudo que é mais perdido

Mulher, de Viviane Berti

Por Luciane Recieri, para Desacato.info.

Luciane Recieri 26 de julho de 2016 · Não se escandalize. De escândalos sabemos muitos, se atente à paisagem que passa rápido. Jamais se lembrará duma vírgula sequer desse ir e vir até o telefone e me chocar com sua mentira. Se atente ao tanto de frio que faz, ao batom “sem boca”. Não dê IBOPE aos escândalos errados. Sou só e apenas palavras e verbos, uns adjetivos e pronomes pessoais do caso reto e oblíquo. Que meu pai não me leia.

Que minha madrinha não me leia. Que meu neto não me leia. Que meu amor não me leia. Que a ave do céu não faça pouso na tortuosa e eletrificada linha que tento descrever tão hedionda descoberta. Tão nova. Descobri hoje. Que meu anjo não esteja por perto diante de tão horrível confissão. Descobri. Sempre desconfiei de meu amor por elas. Não achava que fossem mulheres ruins enquanto todo mundo achava que. Esse amor que trago por tudo que é mais perdido, mais sem chão. Sim. Um tipo de prostituta. De papel. Ou não. Puta de ilustração. Ou não. Um tipo de, num inusitado prostíbulo de vazios e limitações de caracteres, que navega suavemente num espaço ironicamente social num mundo demoníaco e sagrado. Mais sagrada que profana. Que pousem em minhas mãos as aves. Que me falem do mundo atrás dessa cortina pesada e puída. Que me leia o meu pai. Uma heterotopia. Uma geografia. Um mapa. Bula com letras miúdas que jamais irão ler. Uma oração para se achar sapatos perdidos. Uma agulha num pardieiro. Me amarro nos pombos. Nos mais perdidos e sem vínculo e sem estrado e sem bens. Hoje descobri assustada. De papel. Sigo as orientações de meu sindicato. Se real, não abrace. Virtual, não escreva que ama.

 

Luciane RecieriLuciane Recieri é cientista social e escritora, em Jacareí /SP

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