Por Breno Altman.
Do sectarismo eleitoreiro do PSOL ao cretinismo parlamentar que contamina PT e PCdoB, o que assistimos ontem na Câmara dos Deputados foi a liquefação do campo antigolpista, abrindo caminho para a substituição do centro fisiológico pela direita orgânica no comando do parlamento.
Era razoável o objetivo tático de construir uma candidatura que unificasse todos os que votaram contra o golpe parlamentar em 17 de abril, uns 140 deputados.
Aliás, a soma dos votos de Marcelo Castro, Luiza Erundina e Orlando Silva teria colocado um nome dessa coalizão para disputar o comando da casa contra Rodrigo Maia (DEM-RJ), suplantando a colheita eleitoral de Rogério Rosso na primeira volta (108 contra 106 votos).
Mas parte da bancada do PCdoB e do PT se atirou nos braços de Rodrigo Maia em troca de migalhas e promessas corporativas, virando de costas para as ruas e abandonando a centralidade da luta contra o golpe às vésperas do julgamento definitivo da presidente Dilma Rousseff pelo Senado.
Os agradecimentos do candidato vitorioso a Orlando Silva (PCdoB-SP) não foram imerecidos e deveriam ser estendidos a muitos deputados do PT, apesar da posição em contrário de sua direção e vários integrantes da bancada.
O fato é que importantes operadores foram empurrados para a órbita do conservadorismo mais ideológico e classista, por conta da associação entre interesses corporativos, redução da política ao jogo parlamentar e derrotismo após o colapso da estratégia de conciliação vigente durante os governos petistas.
O PSOL, por sua vez, inventou a tática da anticanditatura com os olhos postos nas eleições de São Paulo e no desgaste do PT, pouco se lixando para a luta contra o governo golpista, que lhe serve apenas de trampolim para ter um discurso sensível aos eleitores tradicionais do PT.
A confusão no campo progressista, alimentada por oportunismo de direita e de esquerda, terminou por limar qualquer capacidade de atração do centro democrático, formado pelos parlamentares que votaram contra o impeachment.
O resultado não poderia ser outro: somente os candidatos golpistas passaram ao segundo turno, ambos abençoados por Michel Temer, que pode se livrar da incomoda presença de Cunha sem colocar em risco seu sistema de governabilidade.
A esquerda nem sequer teve a dignidade e o tirocínio de se retirar do plenário, de forma unitária, deixando claro que se recusava a votar em qualquer candidato que tivesse apoiado o impeachment. Apenas o PSOL e parte dos deputados petistas, além da combativa Jandira Feghalli (PCdoB-RJ), tiveram essa lucidez política.
No mais, a vitória de Rodrigo Maia sela uma nova etapa na reorganização das forças conservadoras: com a recondução da direita neoliberal ao núcleo de poder, a agenda do retrocesso tende a ganhar mais credibilidade, vigor e unidade.
Grande vitorioso na sucessão da Câmara, Michel Temer reformatou a aliança oligárquico-burguesa que comanda o golpe, reduzindo vulnerabilidade diante das reivindicações varejistas e fisiológicas.
Não restam dúvidas que lhe é mais favorável ter o centrão sob a batuta da direita orgânica do que o revés, especialmente quando a pressão do mercado e a imparável Operação Lava Jato ameaçam sua estabilidade entre as classes dominantes.
Essa vitória acachapante, no entanto, não eram favas contadas. Mesmo que fossem eventualmente derrotadas, como seria o mais provável, as forças progressistas poderiam ter construído um bloco de resistência que fosse ao segundo turno e passasse um bom sinal ao asfalto.
Mas a maioria da esquerda parlamentar, no dia em que o DEM voltou ao comando da Câmara dos Deputados, capitulou às suas próprias perdições e preferiu a infâmia ao bom combate.
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Fonte: Opera Mundi.