Por Francisco Fernandes Ladeira.
No ensaio “Aparelhos Ideológicos do Estado”, o filósofo marxista francês Louis Althusser adverte que a dominação de classe exercida pela burguesia não diz respeito somente ao controle dos meios de produção. Também recorre aos aparelhos ideológicos e repressivos de Estado.
O aparato repressivo garante o domínio burguês por meio do sistema jurídico e das forças policiais (violência física). Já os aparelhos ideológicos estão ligados ao domínio das ideias, em instituições como escola, igreja e imprensa (violência simbólica).
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Enquanto escolas e mídia possuem um caráter dialético, ou seja, são campos de batalha ideológica que, a princípio, estão a serviço da burguesia, mas podem ser direcionados para os interesses das classes populares; judiciário e polícia, por outro lado, caso não passem por mudanças radicais, sempre representarão os interesses burgueses.
Nessa lógica, o direito civil serve para legitimar a ordem desigual; e o direito penal, para impedir que o pobre se rebele contra as injustiças. Portanto, quem se considera de esquerda deve, no mínimo, desconfiar dos aparelhos repressivos do Estado.
No entanto, não é o que temos visto ultimamente nos chamados “setores progressistas” da sociedade brasileira.
É surreal constatarmos o culto de parte da esquerda ao Supremo Tribunal Federal, principalmente ao ministro Alexandre de Moraes. Acreditam (ingenuamente ou não) que a corte máxima vai “salvar a democracia” no Brasil.
Ora, basta lembramos que o STF referendou o golpe de 2016. Quem não se lembra da famosa frase, do grande acordo nacional, para colocar Temer no lugar de Dilma: “com o Supremo, com tudo”.
A mesma ingenuidade (ou não!) ocorre com outra instituição fundamental para o golpe: a imprensa. Ao contrário do que muitos pensam, Globo e congêneres não vão salvar o Brasil da extrema direita. Como bons defensores do capital, o que querem, na realidade, é um “bolsonarismo moderado”.
Indo para o contexto internacional, se a esquerda brasileira tivesse lido Althusser, não estranharia as reformas que o chavismo fez nas Forças Armadas e Justiça venezuelanas (ao invés de comparar tais práticas ao anteriormente citado bolsonarismo).
Os arquitetos da Revolução Bolivariana sabiam que, para promover as mudanças sociais necessárias, era preciso comandar os aparelhos repressivos de Estado.
O mesmo foi feito em relação aos aparelhos ideológicos (por exemplo, cassando a concessão de uma rede de televisão comprometida como os interesses de Washington). Resultado: hoje há uma sociedade civil venezuelana, em geral, politicamente consciente, que se mobiliza e vai às ruas contra a extrema direita local e o imperialismo estadunidense.
Em suma, Althusser ensina para a esquerda latino-americana que não basta chegar ao poder; também é preciso democratizar as instituições. Fazer com que atendam aos anseios da classe trabalhadora, e deixem de ser instrumentos de dominação burguesa.
Caso contrário, os golpes de Estado, executados por elementos lesa-pátria sob patrocínio de Washington, serão sempre ameaças plausíveis presentes no horizonte.
Francisco Fernandes Ladeira é Licenciado em Geografia pela Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac). Especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Mestre em Geografia pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Doutorando em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).