Por Pepe Escobar.
LOS ANGELES – Prazo apertado. Terrivelmente apertado. Mas, bem longe do surto de pesquisitemaníaco-obsessiva que se constata em cada rua, avenida, beco e fundo de beco desse circo multibilionário das eleições nos EUA – combinado à Máquina de Fazer Doidos, a televisão, cuja vomitação de monstros apavorantes e muito-loucos nunca pára – eis aqui alguns fatos nus e crus.
Para tornar-se presidente dos EUA [ing. President of the United States, POTUS], Mitt Romney tem de vencer nos estados de Ohio, Flórida, Colorado, Virginia e Arizona.
No pé em que estão as coisas nesse instante, horas antes do debate sobre política exterior, nessa 2ª-feira, em Boca Raton, Flórida, Barack Obama mantém pequena vantagem, de 3 a 2 (Ohio, Colorado e Arizona versus Virginia e Flórida onde, até há pouco tempo, Obama também liderava. Agora, segundo as estimativas de Nate Silver, há 66% de probabilidades de Romney vencer na Flórida).
Obama continua à frente em Iowa (66%), New Hampshire (63%), Nevada (73%), Pennsylvania (89%) e Wisconsin (80%).
A queda de Obama tem sido ininterrupta, constante, desde o primeiro debate; nos três últimos dias parece que, afinal, voltou a subir. Mesmo assim, Romney deve vencer em todos esses estados indecisos, mesmo que não consiga abalar Ohio que, hoje, tende a Obama (70%).
Mitt “Pastas cheias de mulheres” [1] Romney aparecerá armado até os dentes (armas líbias!) no último debate, porque não pode perder em nenhum dos estados indecisos. Em outras palavras: se não atrair aquelas senhoras indecisas de Ohio, elas voarão, como enxame de bruxas, contra ele.
Ouvir o quê, numa hora dessas? Pode ser qualquer coisa, de The Star Spangled Banner [Hino dos EUA] (na versão de Jimi Hendrix [2]) – a We Shall Overcome [3]. Bom… aqui na Califórnia está mais para Time Is Tight [tempo apertado] com Booker T & os MG’s [4]. Já está adotada como tema oficial do telefone celular desse seu colunista errante nômade – que viaja a bordo de um Mustang cinza feito na Detroit noir (apoiando quem garante emprego para norte-americanos [5]) cruzando e recruzando o sul da Califórnia à procura de alguma pista, de algum fóssil, de qualquer remanescente do sonho americano.
Los Angeles, La noir
Los Angeles, LA, Hollywood, chame como preferir, é cidade que fez da mentira meio de vida – e não é má metáfora tanto para o governo dos EUA como para Mitt “Pastas cheias de mulheres”. Chegue com trilha sonora adequada, design caprichado de cenários e figurinos e algumas linhas de fala que não comprometam – o roteiro, de fato, pode ser qualquer um e, até, nenhum – e Hollywood mentirá sem parar a seu favor até morrer ou, melhor dizendo, enquanto continuar sobrevivendo a incontáveis cálices de Tequila Sunrise.
O jornal LA Weekly organizou um concurso para eleger o melhor romance sobre LA de todos os tempos, que tem de ser obra-prima noir. [6]
Esse seu colunista nômade e errante – ex-habitante de Hollywood e fanático perene da literatura não se envolverá. Votaria em qualquer coisa, do psicodélico Vício inerente de Thomas Pynchon [São Paulo: Companhia das Letras] a O sono eterno [Porto Alegre: L&PM] de Raymond Chandler (mais noir, nem o inferno), passando por O último magnata [Porto Alegre: L&PM] de Scott Fitzgerald, e qualquer coisa de James Ellroy, especialmente A dália negra [Lisboa: Editorial Presença].
Claro que sempre se pode interpretar Obama X Mitt como saga noir de amor de perdição, traição e crime (financeiro, militar, imperial dentre outras modalidades). Deixemos para roteiro de filme-catástrofe ainda não concluído.
De volta ao mundo real. Parafraseando o grande Ginsberg, vi as melhores e as piores cabeças de gerações passadas, famintas, silenciosas, praticamente despidas – ou, mesmo, bem respeitavelmente trajadas – vagando pelos becos e ruelas de LA, à noite, não à procura de drogas, mas de uma cozinha e um prato de sopa.
Para verificar como anda o fundo do saco dos 47%, bastou dirigir à noite pelo centro de LA, até o fim da rua Los Angeles, e dali seguir as nuvens escuras que descem sobre o rio Los Angeles.
Teria sido impossível não ver um veterano da Força Aérea, 55 anos, vestido com decência, mendigando perto da Universidade da Califórnia em Los Angeles, subindo na direção de Brentwood. Ajudei-o como pude, perguntei “por quê?”, ele respondeu “pergunte ao governo dos EUA”. Os prédios fulgurantes do complexo industrial militar – da Boeing à Lockheed Martin – não ficam muito longe daqui, contornando por LAX.
No mundo de Mitt Romney, esse veterano da Força Aérea dos EUA não paga impostos suficientes, faz-se de vítima e não assume responsabilidade pessoal sobre a própria vida. Por falar nisso: no mundo de Mitt, aquele veterano é acompanhado pelos soldados dos EUA em missões de combate, bombeiros, metalúrgicos, agentes de segurança, oficiais de polícia e, sim, sim, professores do segundo grau – que ganham em média salários mensais de 4,5 mil dólares, quase sempre a única fonte de renda para manterem famílias de quatro ou cinco dependentes.
Também andei pela trilha do surfe, de Laguna Beach a Dana Point e San Clemente – onde pequenas empresas ainda vendem roupas de praia, produtos de primeira categoria made-in-USA, que me despacharam de volta aos anos da minha adolescência, quando todos os adolescentes sonhavam com uma barco Hobie cat, um skate Gordon & Smith ou uma prancha Dewey Weber de surfe.
Parei para comprar camisetas. Comprei camisetas americanas – James Perse, empresa de roupas nova, chique, loja sofisticada em LA, que está competindo com sucesso com os monstros deslocalizados para cá. Foi quase um choque encontrar ali a etiqueta Made in USA, em vez de, claro, é inevitável – Made in China.
LA, é claro, vive tanto na Ásia quanto nos EUA. A lavanderia que uso é cantonesa; a padaria que uso, em Brentwood, é coreana; o restaurante onde como comida tailandesa ainda está ali, na Tailândia. Ali se encontra 1/10 do 1% da Ásia, o que prova que a Califórnia ainda é a Terra Prometida, graças, essencialmente, ao Vale do Silício e a Hollywood.
E foi quando o vi em pessoa, Mr. 1% da China, na Rodeo Drive, fotografando alegremente um espetacular Bugatti Veyron 16.4 amarelo e preto, cercado por toda a sua família estendida.
Era um comerciante bem-sucedido de Xiamen, com boné de beisebol de Hollywood, carregando uma sacola Chanel de couro de crocodilo negro, que custa, aproximadamente, todo o PIB do norte da Síria (a qual, já que falamos dela, tem despachado para a Califórnia número sempre crescente de refugiados políticos potenciais).
Perguntei a Mr. 1% da China sobre o que disse Mitt, que declarou guerra comercial e monetária ao Império do Meio. A gargalhada dele ribombou pela calçada, avançou pelos canyons e mergulhou fundo, gozosa, no Pacífico.
Rodeo, Beverly e Canon Drive são provas vivas de que o 1/10 superior dos 1% estão nadando em dinheiro. Estão de volta à posse de 25% do total dos impostos dos EUA. Entre eles, sim, há porção considerável de Teerângeles – a diáspora iraniana que vive nos EUA.
Os impostos para o 1/10 dos 1% são hoje os menores de todos os tempos; então… é festejar… como se estivéssemos em 2007. Pelo menos na Califórnia, a amplíssima maioria – fazendo o que Hollywood mandou fazer – vota em Obama. Traduzindo, como diz meu garçom tailandês: igual, igual, mas diferente.
Tempo de jogar “como pivô”
Atravessando o sul da Califórnia, começa-se a desconfiar que Mitt Romney bem pode ter contratado uma prostituta hollywoodiana secreta como assessora clandestina. Afinal, Mitt paga seu plano de cortar $5 trilhões de impostos, com cartão platinum. Parece aqueles projetos hollywoodianos eternamente “em desenvolvimento”.
Estudo do Centro de Política Tributária [orig. Tax Policy Center (TPC) [7] ] não partidário revelou que o modo de Romney conseguir que seu plano de corte de impostos 20% abaixo do plano de cortes da era George W Bush seja “neutro para a arrecadação” (limitar as deduções a $17 mil dólares) – só arrecadará $1,7 trilhão por dez anos. O TPC viu-se obrigado a desculpar-se, porque a absoluta falta de especificações e de objetividade, marca registrada de Mitt em tudo que tenha a ver com o tal plano, viciou toda a análise e gerou resultados imperfeitos.
Depois que Asia Times Online comentou 5ª-feira [8], o New York Times e outros websites nos EUA [9] acordaram e começaram a olhar na direção de Glenn Hubbard, pau-mandado/assessor/capanga de Mitt para questões econômicas.
Nunca será demasiado lembrar que o professor Hubbard muito se empenhou para justificar a bolha-gigante das hipotecas e derivativos que estão no coração da Grande Recessão aprovada e sancionada por Dábliu. Para não confundir, pode-se identificá-lo como “Rei dos Derivativos Tóxicos”. Consequências palpáveis diretas daquelas justificativas incluem: a depreciação astronômica, de $7 trilhões e aumentando, no valor das casas; o “resgate” de Wall Street, que embolsou mais de $700 bilhões; e o desemprego altíssimo perene, que a campanha de Romney descreve, sem corar, como serviço de Obama.
E sim: Hubbard foi o arquiteto responsável pelos cortes de impostos de Bush. Em termos de cortar em interesse próprio, não há igual; só em 2011, Hubbard embolsou belos $785 mil dólares só pelo serviço de sentar em três diretorias de empresas e assinar como consultor de Freddie Mac, Bank of America, JPMorgan Chase e Goldman Sachs.
Agora, então, imaginem Hubbard como Secretário do Tesouro de Mitt. Combinem as armas financeiras de destruição em massa com as quais ele opera, e as armas de destruição em massa que não existem no Irã…. e aí está o pretexto para a próxima guerra dos EUA no Oriente Médio, plus essa matéria bomba-atômica, de há três meses, no Los Angeles Times, [10] sobre Romney financiar sua empresa, Bain Capital, com fundos estrangeiros os mais sombrios e acumular lucros dignos de grande sindicato do crime… e aí está enredo perfeito para roteiro super noir, em Los Angeles.
Para contrabalançar tanta treva, esse colunista nômade estendeu a trilha – com escapada até Camp Pendleton onde os Marines preparam-se para mover-se feito “pivô” na direção do Pacífico Asiático – na rota que leva à cidade que abriga a quintessência do complexo industrial-militar, San Diego. Ali afinal encontrei uma alma abençoada, Tom Feeley, editor e fundador de Information Clearing House [11] – uma das raras páginas absolutamente indispensáveis em toda a internet, sobre vários negócios do Império.
A newsletter de Tom já está chegando aos 79 mil leitores diários, e crescendo, quase todos leitores norte-americanos expatriados que conhecem bem as arapucas do Império. Não é preciso ser um James Joyce para saber apreciar a conversa de um irlandês: a nossa foi inestimável. Concordamos que toda a pegada geopolítica, como se a pode ver em movimento, parece-se cada dia mais com uma peça de Beckett, exceto pela elegância hierática.
Terminei esse périplo pela Califórnia indecisa decidido a voltar para “casa” – para o Frolic Room, bar-cenário de Hollywood, de punks, tribos estranhas e filósofos de balcão de bar, todos do tipo 47%. Melhor que ler relatório da RAND Corporation.
No Frolic Room – com seu magnífico neon [12] – a verdadeira Dália Negra bebericava seus martinis nos anos 1940s, antes de partir tragicamente para o sono eterno, vítima de assassinato horrendo. Agora, nós esperamos aqui – não pela morte, que é certa, mas para ver se Obama e Mitt nos mostram, pelo menos, que seja, uma faísca, um traço, um vestígio de sonho palpável, de sonho que valha a pena. Ok, ok. Esqueçam. A única coisa que se deve esperar agora são mais mentiras à Hollywood.
Nota de rodapé
[1]Pepe Escobar: “Mitt, o empastador de mulheres”, 19/10/2012, Asia Times Online, 19/10/2012, redecastorphoto, em português. [NTs]
[2] Pode ser visto/ouvido de Woodstock, EUA,1969 a seguir:
[3] Literalmente “Venceremos”, na voz de Mahalia Jackson, nos anos60, a seguir:
E na voz de Joan Baez, em Woodstock a seguir [NTs]:
[4] Booker T. & The MG’s – Time Is Tight (Live, 1970) pode ser visto/ouvido a seguir:
[5] Agência de Empregos GloEmploy
[6] 4/10/2012, LAWeekly, Sarah Fenske, em:“Best L.A. Novel Ever: The Tournament”
[7] 17/10/2012, Tax Policy Center, Roberton Williams em: “How Much Revenue Would a Cap on Itemized Deductions Raise?”
[8] Pepe Escobar: “Mitt, o empastador de mulheres”, 19/10/2012, Asia Times Online, 19/10/2012, redecastorphoto, em português. [NTs]
[9] 18/10/2012, Thrudig, Robert Scheer em: “Meet Romney’s Economic Hit Man”
[10] 19/7/2012, Los Angeles Times, Joseph Tanfani, Melanie Mason e Matea Gold em: “Bain Capital started with help of offshore investors”
[11]Ver em “Information Clearing House” (página atualizada diariamente). [NTs]
[12] Sobre o bar Frolic Room, no Huffington Post há boa matéria com imagem do neon tradicional [NTs].