Cinco laureados com o Prémio Nobel da Literatura estão entre os 562 escritores de 81 países que subscrevem um apelo contra a vigilância digital massiva, no dia em que se celebra a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Numa declaração publicada em 30 jornais de todo o mundo, os escritores declaram: “Exigimos para todos os cidadãos o direito de determinarem até que ponto os seus dados pessoais podem ser legalmente reunidos, armazenados e processados, e por quem; de serem informados sobre onde os seus dados são armazenados e como estão a ser usados; de conseguirem a destruição dos seus dados no caso de terem sido ilegalmente recolhidos e armazenados.”
Nesse sentido, os signatários apelam às Nações Unidas para que criem uma Declaração Universal dos Direitos Digitais, a ser ratificada e respeitada por todos os governos e estados. Entre os signatários, contam-se os prémios Nobel da Literatura Orhan Pamuk, J.M. Coetzee, Elfriede Jelinek, Günter Grass e Tomas Tranströmer. E também Umberto Eco, Margaret Atwood, Don DeLillo, Arundhati Roy, Richard Ford, Javier Marias, Björk, David Grossman, Amos Oz, Angeles Mastretta, Juan Goytisolo, David Malouf, Tariq Ali, Martin Amis, Julian Barnes, John Berger, William Boyd, Kazuo Ishiguro, Ian McEwan, Hanif Kureishi, Paul Auster, Jean-Jacques Beineix, Marie Darrieussecq, Mathias Énard, Laurent Gaudé, Jonathan Littell, Catherine Millet, Alberto Manguel, Ariel Dorfman, Roddy Doyle, Colm Tóibín, Erri de Luca, Yann Martel, Héctor Abad, Leonardo Padura, Jostein Gaarder, Suad Amiry, Javier Cercas, Antonio Muñoz Molina ou Rosa Montero.
Do universo da língua portuguesa, contam-se entre os subscritores do apelo Pedro Rosa Mendes, José Eduardo Agualusa, Marçal Aquino, Bernardo Carvalho, João Paulo Cuenca ou Luiz Ruffato.
Este é o texto integral do documento: “Nos últimos meses, a extensão da vigilância massiva tornou-se do conhecimento público. Com alguns clicks do rato, o estado pode aceder aos nossos telemóveis, emails, redes sociais e pesquisas da internet. Pode seguir as nossas tendências e atividades políticas e, em conjunto com as empresas da internet, recolhe e armazena os nossos dados. Pode assim prever os nossos consumos e comportamentos. A integridade inviolável do indivíduo é o pilar básico da democracia. A integridade humana é mais do que o corpo físico. Nos seus pensamentos, no seu ambiente pessoal e nas suas comunicações, todos os seres humanos têm o direito de permanecer não observados e não incomodados. Este direito humano fundamental tornou-se nulo e vazio pelo abuso dos avanços tecnológicos pelos estados e as empresas para fins de vigilância massiva. Uma pessoa sob vigilância deixa de ser livre; uma sociedade sob vigilência deixa de ser uma democracia. Para se manterem válidos, os nossos direitos democráticos devem ser aplicados tanto no espaço virtual como no espaço real. A vigilância viola a esfera privada e compromete a liberdade de pensamento e de opinião. A vigilância massiva trata cada cidadão como um potencial suspeito. Derruba uma das nossas conquistas históricas históricos, a presunção da inocência. A vigilância torna o indivíduo transparente, enquanto o estado e as empresas operam em segredo. O abuso deste poder tem sido sistemático. A vigilância é um roubo. Estes dados não são propriedade pública: pertencem-nos. Quando são usados para prever o nosso comportamento, estão a roubar-nos algo mais: o princípio da livre vontade, crucial para a liberdade democrática. Exigimos para todos os cidadãos o direito de determinarem até que ponto os seus dados pessoais podem ser legalmente reunidos, armazenados e processados, e por quem; de serem informados sobre onde os seus dados são armazenados e como estão a ser usados; de conseguirem a destruição dos seus dados no caso de terem sido ilegalmente recolhidos e armazenados. Apelamos a todos os estados e empresas para que respeitem estes direitos. Apelamos a todos os cidadãos para que se ergam em defesa destes direitos. Apelamos às Nações Unidas para que se apercebam da importância central de defenderos direitos civis na era digital, e para que criem a Declaração Universal dos Direitos Digitais. Apelamos a todos os governos para que subscrevam e adiram a essa convenção.
Fonte: Fundação Saramago