Por Alceu Luís Castilho.
O dia 17 de abri foi uma aula de Congresso. Macabra. Com Eduardo Cunha à frente (e sua eterna ironia de cantinho de boca), os deputados puderam se expor à sociedade brasileira em uma espécie de dramaturgia sincera. A hora do voto foi a mais falada, pela sucessão de falas constrangedoras. E já simbolizaria o show de horrores caso o fundo fosse neutro – pensemos num azulzinho básico. Mas não. Ao fundo, o Brasil assistiu a um painel humano extremamente representativo de certa grosseria, de uma vulgaridade atroz. Ou alguém acreditava que Felicianos e Bolsonaros eram pontos fora da curva nesta nossa bufocracia?
Aqueles papagaios de pirata não impressionaram somente pelo oportunismo, pela disputa abjeta por alguns centímetros de tela, enquanto os colegas votavam. Aos poucos eles foram se soltando, e ao painel inicial de faces irrelevantes foi se sucedendo uma sequência de fotografias de cinismo explícito, como se aqueles senhores (ao final, também duas senhoras) fizessem questão de apresentar ao país em poucos segundos – como se fossem uns Enéas das imagens – uma síntese de suas expressões mais vergonhosas, desprovidas de algum senso de ética e beleza.
A performance desses senhores diante das mulheres bastaria para mostrar o país o caráter duvidoso dessa turma. Agressiva frente a deputadas contra o impeachment (como se elas tivessem de enfrentar uma legião de Beavis & Butthead na hora do voto), asquerosa frente às deputadas de verde e amarelo, por quem despejavam sutilezas rastejantes. A Escolinha do Professor Cunha é machista até a última gota de saliva do deputado mais espasmódico. E neste domingo colocou sua brutalidade na mesa, sem censura, enquanto os oradores cantavam as glórias da família brasileira.
Ou realmente se acreditou que o Congresso brasileiro fosse um cenário impróprio para as caretas de Tiririca? São eles todos Tiriricas, sem os descontos que esse deputado específico tem pela sua profissão de palhaço. Não se trata de uma elite refinada, como apontou ontem Janio de Freitas, na Folha, e não só pela pouca familiaridade com a democracia, mas por certo expressionismo abjeto, pelas falas canastronas, pelo milagre de multiplicação de cafonices. A Escolinha do Professor Cunha pode não ser composta apenas de investigados corruptos – mas aquelas faces são corrompidas.
Que algumas dezenas de deputados tenham feito um contraponto, apresentado exemplos de dignidade (não só pelo voto, mas pela postura), não retira desse painel humano a condição de representante das torpezas diárias do país, dessa ordem-e-progresso para inglês ver. O fato de a votação ter ocorrido no dia do massacre de Eldorado dos Carajás– exatamente 20 anos depois – serviu para explicitar o escárnio do Congresso e sua condição de microcosmo de nossa violência. A Escolinha do Professor Cunha não nasceu ontem. Seus atores atuais aprenderam com seus pais e avós, eles são a nossa aristocracia cafajeste e nossos capatazes.
Ao ser chamado o aluno mais desprezível, ele não se fez de rogado. Quando Jair Bolsonaro vai ao microfone não há papagaio de pirata que apareça, pois ele desenvolveu técnicas avançadas de protagonismo obscuro. Defendeu a tortura e um torturador, defendeu um torturador – Carlos Brilhante Ustra – que chegou a ordenar uma declamação de poesias enquanto os presos eram seviciados. O comandante da tortura no Estado de São Paulo, a infâmia por trás de óculos escuros. A Escolinha do Professor Cunha tem seus Rolandos Leros e seus Bonecos. E tem seu bufão raivoso, aquele que mataria “uns 30 mil“.
Forçoso lembrar que entre aqueles que Bolsonaro já declarou que mataria estava Fernando Henrique Cardoso. Mas onde estavam, nesse domingo infame, os representantes daquele tucanato supostamente cosmopolita, que a gente imaginava com algum verniz intelectual, com alguma capacidade de articular frases um pouco mais complexas? A que eles foram reduzidos? Se o próprio FHC virou claque do presidente da Câmara, o que esperar de Vilelas e Virgíios? A Escolinha do Professor Cunha agora tem deputados plumados e com bicos longos – tão insaciáveis e fisiologistas quanto os demais.
E a Escolinha do Professor Cunha continuará suas apresentações diárias sem esse panorama do domingo, sem esse esforço de síntese. Sem essa prova mais contundente de que nosso sistema eleitoral apenas premia centenas de sujeitos desprovidos de escrúpulos. As famílias na sala de jantar que se acostumaram a eleger o Partido dos Trabalhadores como vilão (e não que o PT não tenha seus bufões) mal imaginam o que fazem esses senhores quando cai o pano. Oferecem a eles cheques em branco para decidir sobre nossas vidas e nossa democracia. E eles agradecem. Enrolados em bandeiras amarelas, eles gritam, uivam, gargalham. Mas do lado do picadeiro tem uma bilheteria.
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Fonte: Outras Palavras