Por Caroline Oliveira e Nara Lacerda.
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a atuação do governo federal ao longo da pandemia da covid-19 tem uma lista considerável de assuntos para analisar neste segundo semestre. Mas os senadores também devem concentrar energias em tipificar as suspeitas de crimes e irregularidades que apareceram até agora.
Um grupo de juristas já atuava para construir o embasamento legal do relatório final da CPI. É a partir desse trabalho que será levantado que tipo de crime as denúncias apontam e o que a lei brasileira diz sobre a punição dos possíveis responsáveis.
O conjunto de suspeitas até agora indica fortes indícios de crime de responsabilidade. Mas há também desconfianças de prevaricação por parte do presidente Jair Bolsonaro e até mesmo a possibilidade de acusação de charlatanismo, por conta do discurso de defesa de medicamentos ineficientes contra o coronavírus.
Nesta semana, a série BdF Explica fala sobre os fatos levantados pela CPI até agora, que parecem ter ligação direta com a atuação questionável do governo federal frente à crise sanitária.
Gabinete paralelo
Desde a primeira fase de trabalhos da CPI, os senadores já tinham no horizonte a desconfiança de que Bolsonaro orientava decisões importantes a partir do aconselhamento de pessoas próximas, que não têm atuação ou experiência em virologia e epidemiologia, por exemplo. Alguns desses conselheiros não são nem mesmo da área da saúde.
O grupo é composto por figuras como a médica Nise Yamaguchi, que defende o uso da cloroquina para “tratamento precoce” da covid, embora o remédio não tenha eficácia contra a doença e possa até mesmo agravar alguns quadros.
Nessa lista está também o bilionário Carlos Wizard, que mesmo sem nenhuma experiência na área foi conselheiro do Ministério da Saúde. No ano passado, ele declarou algumas vezes que havia reunido um grupo de médicos para defender o tratamento com medicamentos ineficazes, inclusive entre governos.
Também foram ouvidas Mayra Pinheiro, conhecida como Capitã Cloroquina, ex-secretária de gestão do Ministério da Saúde e idealizadora do aplicativo TrateCov, e Osmar Terra, defensor da imunidade de rebanho. Todos negaram a existência de um gabinete paralelo.
Mas é fato que a defesa dos medicamentos ineficientes e de táticas como a imunidade de rebanho pode levar à acusação de charlatanismo. Os senadores também investigam se empresas da indústria farmacêutica foram beneficiadas com a compra desses remédios por parte do governo federal. Na próxima semana (11), os senadores escutam, por exemplo, Jailton Batista, diretor da Vitamedic indústria Farmacêutica, fabricante da ivermectina no Brasil.
Desinformação
A CPI trabalha também com a investigação sobre a disseminação de notícias falsas por parte do governo e do presidente Jair Bolsonaro. Nesse caso, os senadores ouviram o ex-chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom), Fabio Wajngarten.
A intenção é saber saber se houve uso da máquina pública para a divulgação de desinformação sobre a covid-19, o que pode pesar nas acusações de crime de responsabilidade.
Aos senadores, no entanto, Wajngarten negou que o governo e o presidente disseminaram desinformação, mesmo diante das declarações de Bolsonaro contra imunização, uso de máscaras, com dados mentirosos sobre a disseminação do vírus, mortes e isolamento social.
O foco principal desse início de trabalhos, após o recesso, deve se concentrar nas suspeitas de irregularidades e pedido de propina na compra de vacinas para o Plano Nacional de Imunização.
Negócios suspeitos
Outro ponto em que a CPI da covid tem apontado suspeitas de atuações irregulares por parte do governo é na compra de vacinas. Inicialmente, a intenção era entender o que estava por trás do atraso na compra de doses.
A investigação aponta que foi dada preferência a determinados laboratórios, enquanto outros ganharam um chá de cadeira considerável. Na lista dos imunizantes que ficaram na geladeira está a Pfizer. Com isso, o Brasil perdeu a chance de começar a imunização com 4,5 milhões de doses disponíveis a partir de dezembro de 2020.
Depoimento do ex-diretor da empresa no Brasil, Carlos Murillo, confirmou o desinteresse de meses do governo de Jair Bolsonaro em adquirir a vacina do laboratório. Ele informou que a primeira reunião realizada com o governo brasileiro ainda em maio de 2020. Três meses depois, três ofertas de imunizantes seguiam sem resposta.
O atraso em algumas negociações parece ser apenas a ponta do iceberg. Ao longo do trabalho da CPI no primeiro semestre, surgiram também suspeitas que não estavam no radar inicialmente. Uma delas é a de que Jair Bolsonaro foi avisado sobre irregularidades na negociação de vacinas, mas não tomou nenhuma atitude.
Se isso for comprovado, o presidente pode responder por prevaricação. Nome dado ao crime cometido quando alguém omite informações sobre delitos para satisfazer interesses individuais.
As denúncias são de autoria do deputado federal Luís Miranda (DEM) e do irmão dele, Luís Ricardo Fernandes Miranda, chefe da Divisão de Importação do Ministério da Saúde.
Ambos afirmaram aos senadores que o presidente foi alertado sobre um suposto esquema de fraude na negociação para a compra de 20 milhões doses do imunizante Covaxin. Além, disso, Miranda enviou mensagens a um assessor de Bolsonaro pedindo atenção ao assunto.
Dias depois dos depoimentos, novas suspeitas surgiram em outro caso. O cabo da Polícia Militar de Minas Gerais Luiz Paulo Dominghetti Pereira, representante da empresa Davati disse à CPI que recebeu pedido de propina na negociação de vacinas.
O Brasil tem hoje mais de 550 mil óbitos registrados por covid-19. O número de pessoas contaminadas desde os primeiros registros chega a quase 20 milhões. Para os senadores que atuam na comissão, fica cada vez mais fica explícito que esses números poderiam ser menores se o caminho escolhido pela gestão de Jair Bolsonaro fosse outro.