Por José Álvaro de Lima Cardoso.
A Petrobras anunciou que irá vender sua participação de 66% no campo Carcará, no pré-sal na Bacia de Santos, à petroleira estatal norueguesa Statoil, por US$ 2,5 bilhões. A medida compõe o programa de venda de ativos, para levantar até o fim deste ano US$ 14,4 bilhões, supostamente para viabilizar o plano de investimentos da empresa. A primeira parcela do preço de transação, correspondente a 50% do valor total (US$ 1,25 bilhão), será paga no fechamento da operação. O restante do valor será pago através de parcelas ligadas a eventos subsequentes como, por exemplo, a celebração do Acordo de Individualização da Produção (chamado também unitização, acordo feito entre concessionárias de diferentes áreas, quando há casos em que as reservas de dois ou mais blocos são ligadas).
O campo de Carcará é um dos que possui reservas que extrapolam a área concedida, daí a necessidade de fazer o processo de unitização. Ao comprar os 66% de participação da Petrobrás em Carcará, a Statoil se candidata a disputar a área vizinha ao campo, quando a mesma for leiloada. Carcará, segundo estudos, pode chegar a produção superior a 35 mil barris por poço, o que possibilita um custo de extração muito baixo, talvez inferior à média de US$ 8 dólares por barril do Pré-sal, um dos menores do mundo.
O jornalista Fernando Brito, do blog Tijolaço, fez uma conta básica, mas que resume bem o que acontece. Em Carcará o custo de extração deve estar em US$ 8 dólares por barril, ou até menos, em função da estimada produção diária superior a 35 mil barris. Ao custo atual do petróleo (US$ 50 dólares), depois de pagos royalties, impostos, custos de transporte e outros, o campo irá gerar, na pior das hipóteses, lucro de US$ 5 por barril. Essa é uma conta conservadora, o lucro pode ser muito superior. Se estima que Carcará tenha, no mínimo, 2,1 bilhões de barris de óleo recuperável, ou seja, óleo que pode ser extraído (os poços do pré-sal garantem, em média, 88% de óleo recuperável sobre o total existente nas reservas, número que é de 75% na Arábia Saudita, 65% na Rússia e 55% nos EUA). Neste cálculo do jornalista, com lucro de 5 dólares por barril, o montante de lucro seria de mais de US$ 10 bilhões de dólares. É uma conta conservadora, corretamente feita por baixo. Pelo câmbio atual seriam R$ 21,5 bilhões já que a Petrobrás detém dois terços da área. O campo foi vendido por R$ 8,5 bilhões, metade a vista e metade dependente de processos de unitização.
O valor estimado pelo Ministério Público Federal dos desvios apontados pela operação Lava Jato, pode ter chegado em R$ 6,2 bilhões, conta que a direção da Petrobrás aceitou, até para viabilizar a aprovação do balanço financeiro de 2015. Esse é o verdadeiro golpe, dentro do golpe. Somente na venda de Carcará o país já perde somas que correspondem a mais duas Lava Jato. Ao invés do lucro do investimento permanecer com uma estatal nacional estamos oferecendo o mesmo numa bandeja a uma multinacional, que depois irá remeter estes lucros para o país de origem, pressionando o balanço de pagamentos do Brasil. Além, é claro, de exportar um recurso natural esgotável, com forte tendência a aumentar de preço nos próximos anos, e que responde ainda por 90% da energia que move a economia mundial.
Carcará, e todo o Pré-sal, não caíram do céu. A disponibilização de seus recursos foi fruto de décadas de altos investimentos em pesquisa, mapeamento das reservas, perfuração de poços pioneiros. Todos esses gastos foram bancados pela Petrobrás com recursos públicos e com o lucro obtido pelo próprio negócio. O geólogo Guilherme Estrella, possivelmente o melhor quadro técnico na área do petróleo que o Brasil dispõe, e que trabalhou a vida toda na Petrobrás, Parte inferior do formulário em entrevista, recente observou que “na disputa pela soberania energética das nações, não há lugar para bom mocismo nem ingenuidade. É guerra entre mastodontes, que frequentemente envolve ações típicas de pirataria, em pleno século XXI, e também pode levar a confrontos abertos. A regra é: escreveu não leu, aparecem porta aviões ou cruzadores — quando as reservas estão no mar”. É isto que está em jogo: o Pré-sal contém recursos que podem alcançar R$ 30 trilhões. O regime de Partilha, com o controle da Petrobrás, possibilita que estes recursos sejam direcionados para a saúde e educação do povo brasileiro. E as multinacionais do petróleo, secas por reservas, não querem permitir.
José Álvaro de Lima Cardoso é economista.
Imagem: www.offshoreenergytoday.com