Enfrentar o problema do aborto e desmascarar os hipócritas. Por Jair de Souza.

Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Por Jair de Souza.

Estou plenamente convencido de que, qualquer que seja a ideologia de uma mulher, o aborto sempre lhe representará um sério trauma a ser enfrentado. E isto não se deve meramente a um posicionamento de cunho religioso ou moral. Existem inúmeras evidências clínicas que indicam que a consumação de um processo abortivo tende a deixar na mulher que o sofreu fortes sequelas de caráter biológico e também mental. É que o corpo e a mente da mulher não se formaram de modo a aceitar com naturalidade a interrupção abrupta do processo de gestação.

Parto do princípio de que o desejável é que o número de abortos efetuados seja reduzido ao mínimo possível. Portanto, com isto em mente, podemos avançar na tentativa de desvendar alguns dos pontos cruciais desta problemática. A primeira indagação a nos fazer é: A quem pode interessar a manutenção do atual estado de coisas em relação com o aborto? Em outras palavras, quem se beneficia com isto?

Embora possa soar surpreendente, as evidências constatadas nos demonstram que os principais beneficiários com a continuidade do problema em escala tão elevada são aqueles que mais abertamente se autoclassificam como inveteradamente contrários ao aborto. Dentre estes, devemos destacar os ditos fundamentalistas cristãos, os quais não têm absolutamente nada a ver com Jesus, a não ser a descarada manipulação de seu nome como forma de atrair incautos.

Vou repetir para que não fique nenhuma dúvida a respeito deste ponto, os tais fundamentalistas cristãos são inimigos viscerais de tudo o que os ensinamentos de Jesus representam para a humanidade. Se o legado de Jesus está inteiramente associado com a defesa da vida, da dignidade, da solidariedade e da opção preferencial pelos mais necessitados, esses inescrupulosos comerciantes da fé que se dizem cristãos fundamentalistas se esmeram por colocar suas empresas religiosas a serviço da acumulação de riquezas privadas, da injustiça, do egoísmo e da preferência exclusiva pelos ricos e abastados. Não à toa, em nosso país, os proprietários dessas máquinas de arrecadar dinheiro de fiéis ludibriados são todos bolsonaristas.

Portanto, o que menos esse pessoal deseja é que o aborto deixe de ter a expressão numérica que atualmente tem em nossa sociedade. Se as mulheres e todo nosso povo recebessem educação sexual desde a idade escolar, o número de abortos tenderia a sofrer uma redução significativa, pois as mulheres, e também os homens, estariam melhor preparados para evitar uma gravidez indesejada. Em vista disto, os empresários que lucram com a exploração da fé veriam seu poder de influência decair, assim como também seus lucros pecuniários. A verdade é que, se o aborto deixar de representar uma calamidade social, haverá menos possibilidades de continuar explorando os temores dos seguidores de seus estabelecimentos e, em consequência, menos recursos em dinheiro para as arcas dessas empresas falsamente cristãs.

O tema da descriminalização do aborto joga um papel semelhante ao que se dá com relação aos usuários de drogas. É sabido que os grandes cartéis de traficantes são os que mais se opõem à descriminalização do uso das drogas, pois isso inviabilizaria os grandes lucros que as atividades do comércio ilícito geram para essas máfias. Da mesma maneira, se a questão do aborto viesse a ser tratada como um assunto de saúde pública, haveria uma significativa redução de pessoas envolvidas em processos de interrupção de gravidez não desejada.

Contudo, aquelas mulheres que, por uma razão ou outra, não conseguissem evitá-la, não seriam obrigadas a colocar sua vida em risco por se submeter a processos abortivos precários e pouco seguros. É claro que os empresários donos das empresas falsamente cristãs não se preocupam nada com isto, visto que, quando algum de seus familiares está diante deste problema, eles não hesitam em fazer uso de sofisticadas clínicas especializadas, com baixíssimo nível de risco. Em outras palavras, para as mulheres pobres, tudo de ruim, para os hipócritas, todos os direitos que o dinheiro pode conseguir.

Como havia dito ao começo, não se trata de uma disjuntiva religiosa ou moral. Qualquer mulher ou homem de boa índole, com propósitos realmente humanitários, é capaz de entender que a melhor maneira de reduzir significativamente o número de abortos é através da eliminação das causas que provocam a gravidez indesejada. Assim, ficou plenamente justificado o gigantesco clamor de indignação em razão da posta em pauta no Congresso daquilo que tornou-se popularmente conhecido como “PL do Estuprador”. Como sabemos, mulheres de todos os perfis sociais e religiosos participaram intensamente dos protestos. Estiveram juntas na luta evangélicas, católicas, budistas, seguidoras de religiões afrobrasileiras, etc., assim como outras que não professam nenhuma crença religiosa.

É que, afora a monstruosidade intrínseca na determinação de obrigar uma vítima de estupro a ter de conceber um ser originado por meio de um horripilante ato de agressão, a tentativa de penalizar a mulher violada que abortou com até mais rigor do que a própria pena aplicada ao estuprador serviu para deixar patente e irrefutável que tal proposta só poderia ter sido engendrada por mentes satânicas, por gente inerentemente inimiga de tudo o que Jesus sempre significou para os cristãos de boa fé.

Neste caso, para todos os que desejam agir em conformidade com os exemplos que o próprio Jesus nos deu, é preciso deixar que seja seu espírito de bondade e justiça o que nos oriente e guie, e não as diretrizes dos hipócritas de sempre. Não nos esqueçamos jamais de que Jesus foi preso, condenado e executado a mando de certos líderes religiosos que, naquele momento, também alegavam estar falando em nome de Deus e das sagradas escrituras. Os tempos e as circunstâncias de agora são outros, mas os hipócritas e aproveitadores continuam sendo muito semelhantes.

 

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