Por Patrícia Benvenuti.
A conta de energia elétrica deverá pesar ainda mais no bolso dos brasileiros em 2014. Com o argumento de “modernizar” a estrutura tarifária, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) implementará a partir de março do próximo ano um novo tipo de cobrança, a chamada tarifa branca.
A modalidade tarifária propõe preços diferenciados de custo da eletricidade. O sistema funcionará a partir de “postos tarifários”, que determinam quais dias e horários serão mais dispendiosos para utilizar a energia.
O horário mais caro, “de ponta”, será de segunda à sexta-feira, das 18h às 21h. Uma hora antes e depois deste período (das 17h às 18h e das 22h às 23h) será o “posto intermediário”, com tarifa um pouco menor. Em ambos os intervalos, o preço da energia será maior do que o valor pago atualmente. Nos demais horários, a tarifa será mais barata do que o empregado hoje em dia, garante a Aneel.
Segundo o diretor da agência, Edvaldo Alves de Santana, a economia ao consumidor pode ser de até 45% caso haja redução do consumo de energia fora do horário de ponta. Nos finais de semana e feriados nacionais, a tarifa mais baixa será adotada para todas as horas do dia.
De acordo com a Aneel, o objetivo da tarifa branca é estimular o consumo de energia fora do horário de pico, diminuindo a necessidade de expansão da rede de atendimento.
“O consumo de energia no horário de ponta pode acarretar a necessidade de expansão da capacidade instalada, não se verificando a mesma tendência quando o consumo ocorre fora desse horário”, afirma a agência reguladora.
O novo sistema será opcional e válido para consumidores de baixa tensão, que correspondem a 72,5 milhões de usuários (residências e comércio). A implementação da tarifa branca exigirá trocar os antigos relógios de captação por medidores eletrônicos, que ainda precisam passar por uma certificação do Inmetro. As trocas serão feitas pelas distribuidoras de energia, que poderão repassar os custos aos clientes.
Experiências
A cobrança de preços diferenciados pela tarifa já ocorre em países como Inglaterra, Espanha, Austrália, Chile e Portugal. As experiências internacionais, para a Aneel, revelam que “os consumidores respondem aos sinais tarifários, proporcionando o consumo racional da energia elétrica de acordo com os custos diferenciados da geração e transporte da energia”.
O diretor do Instituto de Desenvolvimentos Estratégico do Setor de Energético (Ilumina), Roberto Pereira D´Araujo, é favorável à proposta. Segundo ele, a tarifa branca traz benefícios tanto ao consumidor, que pode optar quando consumir energia, quanto ao sistema, que ficará menos sobrecarregado. “Todos os países ou cidades que têm grandes cargas têm que adotar isso em função da concentração”. Ele compara o novo serviço ao rodízio de veículos em São Paulo. “Você diminui o número de carros porque o tamanho das ruas não consegue atender a todos. É mais ou menos isso”, pondera.
Prejuízo
Nem todos, porém, compartilham do otimismo. O professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Heitor Scalabrini Costa faz críticas ao modelo. Uma das desvantagens, para ele, é o fato de os novos medidores serem instalados nos postes, o que impede os usuários de controlar seus gastos de energia. Outro ponto negativo é a impossibilidade de se testar o novo sistema antes da adesão. “Optando por ele [o consumidor] não poderá voltar atrás”, alerta.
Para o membro da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) Gilberto Cervinski, a tarifa branca não traz vantagens à maioria da população. Ele lembra que, para a classe trabalhadora, é inviável mudar os hábitos de consumo, como defende a Aneel.
“Se o trabalhador agora quiser pagar menos vai ter que tomar banho de madrugada. Ou as indústrias vão liberar os trabalhadores para ir para casa tomar banho?”, questiona.
O caráter opcional da tarifa também é encarado com ceticismo. “Inicialmente as residências terão opção de entrar ou não nessa nova estrutura, mas a gente sabe que eles vão criando regras para depois obrigar todo mundo”, assegura Cervinski.
O professor da Universidade Federal do Mato Grosso (MT) Dorival Gonçalves Junior destaca que a maioria das residências brasileiras possui um perfil muito baixo de consumo, caracterizado pela utilização de poucos aparelhos elétricos durante um curto período.
Segundo ele, as famílias que quiserem economizar terão que fazer grandes alterações no seu cotidiano, como não ligar a televisão ou o chuveiro no horário de ponta, sem que isso se traduza em redução significativa nas contas de energia. Já as residências que consomem mais eletricidade podem nem mesmo modificar seus hábitos de consumo, já que seu poder aquisitivo permite arcar com valores mais altos.
De acordo com o professor, a tarifa branca joga a responsabilidade sobre o usuário e encobre uma questão fundamental sobre o sistema de energia elétrica no país. “Como uma cadeia produtiva de eletricidade que tem por base a geração hidráulica, que possibilita o menor custo de produção, tem suas tarifas entre as mais caras mundialmente?”, indaga.
Heitor Scalabrini Costa também vê na tarifa branca uma forma de aprofundar ainda mais a injustiça do sistema tarifário. O professor recorda que cerca de três quartos da energia do país se direcionam à indústria, que possui diversos benefícios em relação ao preço. “O setor residencial chega, em alguns casos, a pagar mais de oito vezes a tarifa paga por alguns setores industriais”, pontua.
Lucros
Para Gilberto Cervinski o principal objetivo da tarifa branca é aumentar os lucros dos empresários do setor, que além de não precisarem investir na expansão do sistema ainda poderão cobrar tarifas mais caras. “Elas [empresas] aumentam o lucro sem nenhum tipo de investimento, só mudando os consumidores do horário de consumo”, acusa.
Dorival Gonçalves Junior aponta outro interesse: o mercado de aparelhos eletrônicos. Prova disso, para ele, foi a Resolução nº 502 da Aneel, de agosto de 2012, que regulamentou a medição de energia elétrica para consumidores de baixa tensão por meio de medidores com os atributos exigidos pela tarifa branca.
O prazo para instalação dos novos equipamentos era de 18 meses após a publicação da decisão. Sua conclusão – em janeiro de 2014 – coincide com a entrada em operação do novo sistema de cobrança.
“Quando a Aneel iniciava suas ‘audiências públicas’ para definição de novas regras para a medição de energia elétrica em baixa tensão os porta-vozes da indústria de equipamentos de medição já comemoravam”, ressalta o professor.
A estimativa é de que a substituição dos 65 milhões de medidores movimente pelo menos R$ 13 bilhões. O estímulo à compra de “equipamentos inteligentes” e outras tecnologias também deverá crescer, favorecendo empresas do ramo. Para os trabalhadores do setor, porém, as consequências devem ser negativas.
De acordo com Junior, as mudanças devem implicar em eliminação de postos de trabalho e uma pressão crescente para aumento da produtividade.