O Encontro da Região Sul da rede Brasil – MVJ, na cidade de Três Passos teve início na noite do dia 13
Fonte: CMVJ-SC
Síntese do Encontro
Coordenadores da mesa de trabalhos: Aluizio Palmar e Lúcia Hygert.
Relatoria: Norton Nohama
O Encontro da Região Sul da rede Brasil – MVJ, na cidade de Três Passos teve início na noite do dia 13, uma vez que a maioria dos comitês/fóruns já se encontravam na cidade e avançou na noite do dia 14, quando se constatou que os dois comitês ausentes que haviam manifestado intenção em participar não se fariam presentes por razões distintas. Ao final segue a relação completa dos participantes presentes.
A pauta de trabalho foi construída da seguinte maneira:
- A noite do dia 13 foi dedicada a escolha da mesa coordenadora dos trabalhos, iniciar o diálogo entre os presentes, convencionar as regras de participação de cada representante presente (todos os presentes tem direito a fala e as deliberações ocorrerão através de um voto por comitê/fórum representado), a pauta de trabalho do encontro e uma rodada de auto apresentação que foi feita por todos os participantes, incluindo um breve relato dos trabalhos e avanços de cada comitê/fórum neste último período desde o encontro de Curitiba em 2013;
- A noite do dia 14 foi dedicada ao aprofundamento das discussões, deliberações e encaminhamentos.
Desta forma, a pauta de trabalho ficou convencionada conforme abaixo:
1) Apresentação dos representantes e comitês/fóruns presentes.
2) Leitura, discussão e aprovação de carta saudação da Região Sul, elaborada como proposta pelo Aluizio Palmar, para a abertura dos trabalhos da Audiência Pública da CEV-RS e da Caravana da Anistia, que se realizariam no dia seguinte.
3) Relato e avaliação da reunião da CNV com as comissões da verdade estaduais e municipais ocorrida em São Paulo no último dia 19 de junho passado.
4) Deliberações tomadas no encontro da Rede Brasil – MVJ no encontro de Vila Velha:
- Carta de Vela Velha;
- Resoluções;
- Recomendações à CNV relativas ao Relatório Final;
- Calendário de Atividades;
- Re-ratificação pela adesão dos comitês e fóruns à Rede Brasil – MVJ.
5) Escolha dos representantes da Região Sul junto a Rede Brasil – MVJ.
A partir da pauta acima convencionada foram tomadas as seguintes deliberações;
1) Aprovada a carta saudação da Região Sul, proposta pelo Aluizio Palmar, para a abertura dos trabalhos da Audiência Pública da CEV-RS e da Caravana da Anistia, que se realizariam no dia seguinte, adicionadas as contribuições coletadas durante o debate. A carta foi lida durante a abertura dos dois eventos.
2) Deliberações tomadas no encontro da Rede Brasil – MVJ no encontro de Vila Velha: estabeleceu-se o entendimento de que as referidas deliberações já estavam aprovadas pelos comitês/fóruns presentes ao encontro de Vila Velha, sendo necessário a manifestação e adesão dos demais comitês/fóruns que não se fizeram presentes em Vila Velha que, consultados (conforme listagem de presença em anexo) se manifestaram pela adesão à:
- Carta de Vela Velha;
- Resoluções da Rede Brasil – MVJ expressas nos documentos publicados pela mesma e em anexo.
- Recomendações à CNV relativas ao Relatório Final: neste item, foi consensual o posicionamento pela extensão das referidas recomendações a todas as comissões da verdade estaduais, municipais e institucionais, sendo que tais recomendações estão expressas nos documentos apresentados pelo Comitê Carlos de Ré e de São Paulo no Encontro da Rede Brasil – MVJ. Aguarda-se a publicação das mesmas pela Coordenação Geral da Rede Brasil – MVJ.
- Calendário de Atividades: convencionado a necessidade de esforços de cada comitê e fórum para realização das mesmas, entendendo os presentes que tal calendário deverá ser melhor aprofundado, consolidado e articulado mais adiante com toda a Rede Brasil – MVJ e particularmente na Região Sul pelos comitês e fóruns presentes..
- Re-ratificação pela adesão dos comitês e fóruns à Rede Brasil – MVJ: visto que fora estabelecido entendimento de que os comitês/fóruns presentes ao encontro de Vila Velha já haviam ratificado suas adesões à Rede Brasil – MJJ, entendeu-se necessário a consulta aos comitês de que não puderam se fazer presentes, a saber: Santa Rosa, Santa Maria e Joinvile (constituído recentemente). Os comitês de Pelotas e Criciúma justificaram a ausência e manifestaram antecipadamente apoio ao encontro. Santa Maria foi consultado durante os debates e se manifestou pela adesão à Rede Brasil – MVJ e solidário as deliberações tomadas neste encontro da Região Sul. Santa Rosa foi consultado após o encontro e também se manifestou da mesma maneira. O Comitê Verdade, Memória e Justiça de Santa Rosa posteriormente manifestou adesão à rede e às deliberações deste encontro.
3) Escolha dos representantes da Região Sul junto a Rede Brasil – MVJ: escolhido por consenso o companheiro Norton Nohama, do Fórum Paranaense de Resgate da verdade, memória e Justiça como coordenador da Região Sul junto da Rede Brasil – MVJ, até dezembro do corrente ano, com uma re-ratificação desta coordenação no próximo encontro da Região Sul, sugerido para ser realizado em agosto, em Santa Catarina. O local e data deste encontro será confirmado mais adiante.
Os comitês e fóruns presente a este Encontro da Região Sul da Rede Brasil – MJV encerraram os trabalhos saudando dos os demais participantes da Rede reafirmando os compromissos de luta por Memória, Verdade e Justiça, para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça.
Anexos incorporados as deliberações do Encontro da Região Sul da Rede Brasil – MJV
Regimento Interno da Rede Brasil – Memória, Verdade e Justiça
Ratificado no Encontro da Região Sul em três Passos
1) A Rede Brasil – Memória, Verdade e Justiça é composta por comitês, fóruns, coletivos, comissões e outras formas organizativas que lutam pela memória, verdade e justiça;
2) Os comitês, fóruns, coletivos, comissões e outras formas organizativas que, voluntariamente, aderirem à RBMVJ, terão sua autonomia preservada, contudo, procurarão encaminhar as decisões coletivas da Rede;
3) A Rede terá uma Coordenação Nacional com as seguintes atribuições:
a) Representar a Rede em eventos, reuniões junto ao Poder Público e à sociedade civil organizada;
b) Encaminhar as Resoluções Coletivas definidas pela RBMVJ;
4) A representação e posicionamento da Coordenação da Rede será limitada EXCLUSIVAMENTE aos temas e posições aprovadas pela RBMVJ;
5) Na impossibilidade de presença ou participação dos membros da Coordenação Nacional, o/os a/as Representante(s) de Comitês, Fóruns, Comissões, participantes da Rede poderão falar ou representar a Rede nos limites das decisões coletivas;
6) As decisões coletivas que serão definidas e/ou aprovadas via internet terão o prazo de 48 horas para casos urgentes, e outros prazos, quando viável, e não havendo discordância de conteúdo neste prazo, serão consideradas aprovadas;
a) Também poderão ser realizadas reuniões virtuais por vídeo conferências e outras ferramentas adequadas para agilidade e presteza na comunicação interna.
7) Da contribuição financeira: definiu-se a abertura de uma poupança para receber a contribuição dos comitês, fóruns, comissões no valor mínimo de R$ 50,00 (cinquenta reais) sob responsabilidade da Coordenação, começando o depósito na primeira semana de junho, em conta-poupança a ser informada
Cronograma de Atividades 2014 da
Rede Brasil – Memória, Verdade e Justiça
Ratificado no Encontro da região Sul em Três Passos
Atividades/eventos sob responsabilidade da coordenação geral da Rede
I – Definição das articulações regionais; primeira quinzena de junho.
II – Reunião com a Comissão Nacional da Verdade; primeira quinzena de junho
III – Visitas institucionais de apresentação da Rede (MPF, STF, Congresso Nacional e outros) primeira quinzena de junho
IV – Participação no Encontro Nacional de Direitos Humanos – novembro
Atividades/eventos sob responsabilidade da da Rede Brasil – Memória, Verdade e Justiça:
I- Encontro Nacional da Rede indicado para ser realizado em setembro.
II – Coleta de Assinaturas de adesão à Carta de Compromissos com Direitos Humanos: até 15 junho de 2014.
III – Carta de Intenção – Pacto pela Memória, Verdade e Justiça dos/as presidenciáveis: até junho de 2014.
IV – Ato nas localidades e regiões com nome unificado dia 10/12-2014, dia internacional dos Direitos Humanos.
V – Ato unificado na data de aniversário da Lei de Anistia contra os crimes de lesa-humanidade em todas as localidades onde existam comitês e fóruns integrantes da RBMVJ, articulado nacionalmente: Agosto
VI – Ato unificado da RBMVJ com a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, pela reinterpretação da Lei de Anistia: Agosto de 2014.
VII – Ato, nas localidades da RBMVJ, organizado nacionalmente, no dia 07/09 sobre os crimes lesa-pátria, 7 de setembro, não consensual, demandará discussão posterior.
VIII – Realizar campanha de incentivo aos depoimentos de ex-presos/as políticos e familiares de mortos e desaparecidos/as.
IX – Realizar Encontro Nacional pela Memória, Verdade e Justiça, ainda no ano de 2014, após as eleições gerais. Buscar parceiros para sua viabilização.
Resoluções do Encontro da Rede Brasil – MVJ.
Ratificadas no Encontro da Região Sul em Três Passos
1) Resoluções:
a) sobre o capítulo das RECOMENDAÇÕES do relatório da CNV: ratifica as propostas apresentadas pelo Comitê Carlos de Ré e de São Paulo (anexos a este documento).
b) Criação de um “fundo” específico devidamente organizado, segundo normas e técnicas arquivistas modernas, de todo o material acumulado pela Comissão Nacional da Verdade.
c) Criação um “Memorial da Verdade”, onde deverão estar expostos e disponíveis à visitação e à consulta, todo o material acumulado pela Comissão Nacional da Verdade.
Lista de presenças
Comitê Carlos de Ré.
Documento entrega à Comissão Nacional da verdade em dezembro de 2013.
Sugestões ao Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade.
1) Listar e descrever todas as modalidades e circunstâncias particulares das graves violações de Direitos Humanos praticadas pelo aparato repressivo e institucional da ditadura civil-militar brasileira, caracterizando este conjunto de maneira explícita como “crimes de lesa-humanidade” praticados pelo Estado brasileiro e que, para serem praticados, deflagraram e perpetuaram de modo amplo o terrorismo de Estado na sociedade.
2) Orientar o Estado Brasileiro, incluindo-se aí todos os seus três poderes, executivo, legislativo e judiciário, a cumprir integralmente a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Guerrilha do Araguaia , pois, como se não bastasse o dever jurídico de obedecer às determinações da Corte Internacional, vislumbra-se que as diferentes determinações estabelecidas na sentença apontam para ações indispensáveis para uma necessária reforma das instituições democráticas, ainda não devidamente expurgadas das máculas que a perversão autoritária e ditatorial lhes deixou. Dentre essas deliberações, destacam-se:
a) Investigação penal e correspondente responsabilização dos agentes públicos que praticaram crimes de lesa-humanidade, os quais por força de sua definição, da legislação e do costume internacional e pelo entendimento da jurisprudência das Cortes Internacionais de Direitos Humanos são insuscetíveis de graça ou anistia e são imprescritíveis;
b) Tipificação legal do crime de desaparecimento forçado e utilização de todos os recursos jurídicos domésticos e internacionais para a responsabilização dos responsáveis pelos crimes de desaparecimento forçado já praticados, como inclusive já vem sendo sugerido e indicado por diversas ações penais que o Ministério Público Federal tem iniciado no Brasil desde a divulgação da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Araguaia;
c) Implementação de modo obrigatório e permanente em todos os níveis das Forças Armadas brasileiras, com ênfase especial para o oficialato, de programas de formação em Direitos Humanos, devendo-se proceder a uma ampla revisão dos padrões de ensino e dos livros didáticos utilizados nas diversas escolas e academias militares, sobretudo na Escola Superior de Guerra e na Academia Militar das Agulhas Negras, ainda reféns de uma visão apologética do golpe e da longa ditadura que a ele se seguiu;
d) Ampliação, intensificação e continuidade das ações e dos esforços necessários para que se proceda à localização dos restos mortais dos desaparecidos políticos brasileiros.
3) Explicitar que os valores e princípios insculpidos na Constituição Republicana de 1988 são incompatíveis com a anistia de crimes de lesa-humanidade, o que fica claro diante do reconhecimento formal do princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro (Art. 1°, III), da prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais (Art. 4°, II), da condição de ser insusceptível de graça ou de anistia a prática da tortura (Art.5°, XLIII), e, sobretudo, porque a Constituição só trata de anistia com relação aos que foram perseguidos políticos pelo Estado brasileiro e não aos agentes públicos que os perseguiram (Art.8° do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).
4) Descrever de modo amplo e minucioso toda a complexa estrutura repressiva montada pela ditadura, com ênfase especial à identificação das diversas instituições e órgãos públicos envolvidos, bem como das cadeias de comando e das relações horizontais estabelecidas em todos os níveis, especificando do modo mais completo possível os nomes de todos os agentes públicos envolvidos.
5) Com base no diagnóstico do item anterior recomendar a realização de expurgos administrativos, procedendo à exoneração dos servidores públicos civis e militares envolvidos e vedando a possibilidade de novos vínculos com o serviço público em todos os seus níveis.
6) Recomendar, igualmente a partir do diagnóstico construído a respeito da cadeia repressiva, a necessária reforma das instituições públicas, com ênfase especial para o Poder Judiciário, as Forças Armadas e as Forças Policiais brasileiras.
7) Recomendar a urgente desmilitarização das polícias brasileiras e da implementação de um amplo e reformulado programa de formação e orientação profissional de todos os policiais brasileiros, estabelecendo com clareza inequívoca que a formação, o treinamento e a lógica militar devem ficar restritos à dimensão dos conflitos internacionais, jamais podendo ser estendidos para as ações de policiamento, de combate à criminalidade e de garantia da segurança pública dos cidadãos e da sociedade brasileira.
8) Recomendar a extinção da justiça militar, devendo todos os militares se submeterem amplamente à jurisdição civil.
9) Apoiar e endossar as ações e os esforços que o Ministério Público Federal vem realizando no sentido da responsabilização penal e civil dos agentes públicos que praticaram crimes de lesa-humanidade, da investigação em torno do esclarecimento dos fatos que cercam as diversas violações de direitos humanos praticadas pelos agentes da ditadura e da responsabilidade civil do Estado brasileiro frente a essas violações.
10) Recomendar a ampliação do apoio público e institucional, com destinação de verbas e estrutura condizentes ao funcionamento e ao trabalho da Comissão de Anistia e da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, tanto em suas atividades voltadas à reparação econômica e material das vítimas da ditadura, como às ações de reparação moral e simbólica e do resgate social, institucional e cultural da memória política do país.
11) Recomendar a intensificação e ampliação dos esforços e diligências para que se proceda à abertura de todos os arquivos públicos relacionados ao período da ditadura civil-militar brasileira, com ênfase especial para os arquivos secretos constituídos pelas Forças Armadas e os documentos produzidos e mantidos pelo CISA, CENIMAR e pelo extinto SNI.
12) Descrever toda a cadeia civil, empresarial e midiática de apoio à ditadura, bem como as relações horizontais e verticais estabelecidas, identificando-se da maneira mais ampla possível os nomes e as ações dos envolvidos.
13) Reforçar as ações e diretrizes já previstas no III PNDH no Eixo Orientador VI, especialmente:
a) o financiamento para a construção de centros de memória e de monumentos e obras que sinalizem para a não repetição da prática dos crimes de lesa-humanidade e para o reconhecimento dos que foram praticados;
b) intensificação e ampliação de políticas e ações educacionais que garantam nos padrões de ensino e em livros didáticos voltados ao ensino em todos os níveis o devido registro da história de violações, abusos e arbitrariedades praticados pela ditadura bem como das ações e organizações de resistência a ela;
c) a produção de leis e normas que proíbam a utilização de nomes de agentes da ditadura em logradouros, monumentos e prédios públicos, bem como a alteração dos nomes já utilizados.
14) Recomendar que o Congresso Nacional proceda a uma ampla revisão da legislação autoritária constituída na ditadura e que ainda continua em vigor nos mais diferentes setores, com ênfase especial à Lei de Segurança Nacional, que deve simplesmente ser revogada e à legislação que estrutura o funcionamento interno das Forças Armadas, das Polícias e da própria Administração Pública. Recomenda-se igualmente a aprovação de uma Emenda Constitucional que retire do Art.142 da Constituição de 1988 o papel de garantidor da lei e da ordem atribuído às Forças Armadas.
15) Recomendar ao Congresso Nacional que realize uma reforma política que diminua substancialmente a possibilidade do financiamento privado de campanhas, criando-se melhores condições para que as demandas e necessidades das classes populares e não somente das elites econômicas do país possam ser atendidas, prevenindo-se igualmente o surgimento de novas políticas e legislações de caráter autoritário e violento que tendam a relativizar os direitos dos menos abastados e a reforçar de modo abusivo e desigual os interesses das elites.
16) Afirmar que a ausência até hoje de sanções penais efetivas contra os seviciadores é fonte de renovação da violência estatal atual.
17) Afirmar que a impunidade dos piores criminosos de nossa história, tentativamente renovada por juízes e tribunais, é fonte permanente de tensões e conflitos na sociedade brasileira.
18) Declarar inaceitável que centenas de brasileiras e brasileiros tenham negado seu direito a conhecer a verdade, os fatos, os agentes, o destino e o luto de familiares seus, como resultado planejado de ação, omissão e ocultação do Estado.
19) Dizer que o conjunto destas medidas é que poderá gerar a conscientização cidadã em prol do “nunca mais”, num ambiente republicano, democrático e de soberania popular.
Porto Alegre, 25 de maio de 2014.
“Basta de tortura: ontem e hoje”
RECOMENDAÇÕES DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE AO ESTADO BRASILEIRO
Propostas apresentadas pelo Comitê Paulista Pela Memória, Verdade e Justiça – CPMVJ
Em cumprimento ao disposto no artigo 3º, inciso VI, da Lei federal nº 12.528, de 18 de novembro de 2011 (“…recomendar a adoção de medidas e políticas públicas para prevenir violação de direitos humanos, assegurar sua não repetição e promover a efetiva reconciliação nacional”), a Comissão Nacional da Verdade – CNV formula ao Estado brasileiro as recomendações que se seguem, com o propósito de que se complete a plena transição à democracia em nosso país.
1 – RECONHECIMENTO E ACATO PELO ESTADO BRASILEIRO DE TODAS AS NORMAS DE DIREITO INTERNACIONAL SOBRE CRIMES CONTRA A HUMANIDADE
Recomenda-se o efetivo cumprimento pelo Estado brasileiro da Resolução nº 3.074, de 1973, da Assembleia Geral da ONU, que assim dispõe: “os crimes de guerra e os crimes de lesa-humanidade, onde for ou qualquer que seja a data em que tenham sido cometidos, serão objeto de uma investigação, e as pessoas contra as quais existam provas de culpabilidade na execução de tais crimes serão procuradas, detidas, processadas e, em caso de serem consideradas culpadas, punidas”.
1.1 – No mesmo sentido, recomenda-se a ratificação, jamais efetuada pelo Estado brasileiro, da CONVENÇÃO SOBRE IMPRESCRITIBILIDADE DOS CRIMES DE GUERRA E CRIMES CONTRA A HUMANIDADE, adotada pela Resolução 2.391, de 26 de novembro de 1968, da ONU.
2 – EMPENHO PARA A ELIMINAÇÃO DA TORTURA E DE OUTRAS FORMAS DE TRATAMENTOS CRUÉIS E DEGRADANTES
Recomenda-se que o Estado brasileiro empenhe-se, por meio de políticas públicas, medidas legislativas, administrativas e campanhas de conscientização, para erradicar toda forma de violência imputável a seus agentes, notadamente a prática de tortura nas atividades policiais ou outras formas de tratamentos cruéis e degradantes, que se sabe sistêmicas.
2.1 – No mesmo sentido, recomenda-se que o Estado brasileiro crie mecanismos para dar eficácia, até o presente praticamente nula, à Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997, que define os crimes de tortura e comina as respectivas sanções.
3 – ACATO ÀS SENTENÇAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
Recomenda-se que o Estado brasileiro, em acato aos compromissos que assumiu perante a comunidade internacional, dê cumprimento integral e rápido às sentenças concernentes ao Brasil exaradas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) – à qual o nosso país submeteu-se por tratado internacional.
3.1 – Destaca-se a esse respeito, em especial, a sentença proferida pela CIDH no caso GOMES LUND E OUTROS (“Guerrilha do Araguaia”) VS BRASIL, publicada em 14 de dezembro de 2010, em relação à qual o Estado brasileiro ainda não deu cumprimento integral aos seus PONTOS RESOLUTIVOS números 3, 4, 5, 6, 7, 9, 10, 13, 14, 15 e 16 (Cf. o ANEXO I das presentes Recomendações).
3.2 – Recomenda-se, portanto, em virtude dessas necessidades jurídicas, políticas e morais imperiosas, que o Estado brasileiro dê cumprimento integral e rápido a essas sentenças da CIDH.
4 – ADOÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DA LEI DE ANISTIA POLÍTICA QUE SEJA COMPATÍVEL COM A PROTEÇÃO E DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS E COM A SENTENÇA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
A jurisprudência unânime e pacífica produzida pelas Cortes Internacionais de Direitos Humanos já estabeleceu, de há muito, que delitos tais como sequestro, tortura, estupro, humilhação sexual, homicídio, desaparecimento forçado, ocultação de cadáver e genocídio físico ou cultural, dentre outros, quando ordenados, cometidos ou tolerados por agentes do Estado, com ou sem a conivência de civis, configuram graves violações dos Direitos Humanos e têm a natureza de crimes de lesa-Humanidade, razões pelas quais são inanistiáveis e imprescritíveis.
Ademais, na sentença que proferiu no caso GOMES LUND E OUTROS (“Guerrilha do Araguaia”) VS BRASIL, publicada em 14 de dezembro de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) – à qual, enfatiza-se, nosso país submeteu-se por tratado internacional – reiterou o entendimento no sentido de que leis que tenham o propósito de anistiar graves violações dos Direitos Humanos carecem de efeitos jurídicos e são incompatíveis com a Convenção Americana de Direitos Humanos. Nos seus PONTOS RESOLUTIVOS números 3, 5 e 9 (Cf. o ANEXO I das presentes Recomendações), a indigitada sentença incluiu expressamente nessa condição de invalidade jurídica a Lei federal brasileira nº 6.683, de 1979 (Lei de anistia política).
Enquanto não acatar integralmente essa reiterada jurisprudência da CIDH, o Estado brasileiro mantém nosso país em situação de constrangimento perante a comunidade internacional. Destaca-se que, em pronunciamento público de 02 de dezembro de 2013, em Genebra, a própria senhora Alta Comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos, doutora Navi Pillay, denunciou a lei brasileira de anistia política como um “obstáculo” para a Justiça e alertou que esse diploma precisa ser revisto. “A lei é um obstáculo para que a Justiça seja feita às famílias, insistiu. Na ONU, a lei é vista como um empecilho no tratamento de crimes como tortura” (Cf. a edição virtual do jornal O Estado de S. Paulo de 02/12/2013).
Não bastasse a jurisprudência decorrente do Direito Internacional dos Direitos Humanos, a Constituição federal promulgada em 05 outubro de 1988 instaurou em nosso país o império da lei, o regime democrático e a dignidade da pessoa humana, como fundamentos e princípios fundadores da República. Em decorrência da primazia jurídico-política de tais enunciados constitucionais peremptórios, todas as normas jurídicas anteriores a 05 de outubro de 1988, que não tenham sido revogadas, devem ser reinterpretadas sob a luz do novo ordenamento constitucional, que é enfaticamente protetivo da dignidade da pessoa humana e dos Direitos Humanos a ela inerentes. Assim, aquelas normas jurídicas anteriores, no que guardarem de incompatibilidade com o espírito geral, com os princípios ou com as normas da nova Constituição, evidentemente não foram por ela recepcionadas. É o caso dos dispositivos da Lei federal nº 6.683/1979 que estenderam a anistia política a agentes criminosos do Estado, eis que aflora inequívoca incompatibilidade – jurídica, política e até moral – entre proteger a dignidade da pessoa humana e anistiar crimes de lesa-Humanidade.
4.1 – Tendo em mente tais considerações, recomenda-se fortemente que os Poderes Públicos da República brasileira, sem mais tardar, confiram à Lei federal nº 6.683, de 1979 (Lei de anistia política), uma interpretação harmônica com o Direito Internacional dos Direitos Humanos, com a jurisprudência internacional unânime dele decorrente, e com a própria Constituição brasileira de 1988, de modo a que crimes de lesa-Humanidade não mais prossigam a salvo de persecução judicial-penal em nosso país.
5 – REVOGAÇÃO DA LEI DE SEGURANÇA NACIONAL
Recomenda-se o encaminhamento ao Congresso Nacional, em 2015, de projeto de lei de iniciativa da Presidência da República propondo a revogação da Lei federal nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983 (Lei de Segurança Nacional).
6 – IDENTIFICAÇÃO E SUPRESSÃO DA LEGISLAÇÃO ANTIDEMOCRÁTICA REMANESCENTE
Recomenda-se a constituição pela Presidência da República, em 2015, de um Grupo de Trabalho sob a chefia do senhor Ministro da Justiça, com a duração de 180 dias, prorrogável uma vez por 90 dias, com a atribuição de promover a identificação de todas as leis, decretos e demais normas jurídicas ainda em vigor, anteriores à Constituição Federal de 1988, que sejam de conteúdo antidemocrático e, por isso, incompatíveis com a mesma Constituição.
6.1 – Recomenda-se também que, tão logo esse Grupo de Trabalho complete esse levantamento, o Estado brasileiro, mediante procedimentos apropriados a cada situação, providencie a supressão de tais normas antidemocráticas do ordenamento jurídico nacional.
6.2 – Recomenda-se, por fim, que esse Grupo de Trabalho conte com a participação de representantes dos seguintes setores, dentre outros:
a) Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República;
b) Advocacia Geral da União;
c) Ministério Público Federal;
d) Senado Federal;
e) Câmara dos Deputados;
f) Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
g) entidades que congreguem historiadores;
h) entidades da sociedade civil atuantes na defesa dos Direitos Humanos;
i) entidades da sociedade civil que congregam pessoas que, no período previsto no artigo 8º do ADCT da Constituição federal (entre 18/09/1946 e 05/10/1988), foram prisioneiras políticas, ou que são parentes de quem haja estado nessa situação;
j) entidades da sociedade civil que congregam familiares de pessoas que, no mesmo período, foram ou venham a ser reconhecidas como mortas ou desaparecidas sob a responsabilidade do Estado;
k) ………….
7 – DEMOCRATIZAÇÃO DO CONTEÚDO CURRICULAR DAS ACADEMIAS MILITARES E POLICIAIS
Recomenda-se a constituição pela Presidência da República, em 2015, de um Grupo de Trabalho sob a chefia do senhor Ministro da Defesa, com a duração de 180 dias, prorrogável uma vez por 90 dias, com a atribuição de promover a identificação de todos os conteúdos curriculares que exaltem a ruptura da ordem institucional democrática ou o desrespeito aos Direitos Humanos, seja no passado, no presente ou no futuro, conteúdos esses que ainda estejam sendo ministrados nas academias, escolas e demais centros de formação a seguir arrolados:
- de Oficiais, Suboficiais e Praças das três Armas das Forças Armadas;
- da Escola Superior de Guerra;
- de Delegados de Polícia e demais Agentes da Polícia Federal;
- da Polícia Rodoviária Federal;
- da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e demais serviços de informação federais, militares ou civis;
- de Oficiais, Suboficiais e Soldados das Polícias Militares estaduais;
- de Delegados de Polícia e demais Agentes das Polícias Civis estaduais;
- dos serviços de informação estaduais, militares ou civis;
- das Guardas Civis municipais.
7.1 – Recomenda-se também que, tão logo esse Grupo de Trabalho complete esse levantamento, o Estado brasileiro, por suas três esferas (federal, estadual e municipal), e no prazo de até um ano, adote os procedimentos apropriados a cada situação com vistas à supressão de tais conteúdos antidemocráticos dos currículos dessas academias, escolas e centros de formação, e a sua substituição por conteúdos que valorizem e infundam o respeito à democracia, à institucionalidade constitucional e aos Direitos Humanos, bem como exprobem a sua violação, seja no passado, no presente ou no futuro.
7.2 – Recomenda-se, por fim, que esse Grupo de Trabalho em questão conte com a participação de representantes dos seguintes setores, dentre outros:
a) Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República;
b) Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
c) entidades que congreguem historiadores;
d) entidades da sociedade civil atuantes na defesa dos Direitos Humanos;
e) entidades da sociedade civil que congregam pessoas que, no período previsto no artigo 8º do ADCT da Constituição federal, foram prisioneiras políticas, ou que são parentes de quem haja estado nessa situação;
f) entidades da sociedade civil que congregam familiares de pessoas que, no mesmo período, foram ou venham a ser reconhecidas como mortas ou desaparecidas sob a responsabilidade do Estado;
g) ….
8 – PROMOÇÃO DOS VALORES DEMOCRÁTICOS NO ENSINO
Recomenda-se a constituição pela Presidência da República, em 2015, de um Grupo de Trabalho sob a chefia do senhor Ministro da Educação, com a duração de 180 dias, prorrogável uma vez por 90 dias, com a atribuição de adotar as medidas e procedimentos apropriados para que, nos currículos oficiais das escolas públicas e privadas dos graus fundamental, médio e superior, sejam incluídos conteúdos, nas disciplina em que couberem, que valorizem e infundam o respeito à democracia, à institucionalidade constitucional e aos Direitos Humanos, bem como exprobem a sua violação, seja no passado, no presente ou no futuro.
8.1 – Recomenda-se, por fim, que esse Grupo de Trabalho conte com a participação de representantes dos seguintes setores, dentre outros:
a) Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República;
b) Conselho Nacional de Educação
c) entidades que congreguem historiadores
d) Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
e) entidades da sociedade civil atuantes na defesa dos Direitos Humanos;
f) entidades da sociedade civil que congregam pessoas que, no período previsto no artigo 8º do ADCT da Constituição federal, foram prisioneiras políticas, ou que são parentes de quem haja estado nessa situação;
g) entidades da sociedade civil que congregam familiares de pessoas que, no mesmo período, foram ou venham a ser reconhecidas como mortas ou desaparecidas sob a responsabilidade do Estado;
h) …………….
9 – LOCALIZAÇÃO, IDENTIFICAÇÃO E ENTREGA AOS FAMILIARES, PARA SEPULTAMENTO DIGNO, DOS RESTOS MORTAIS DAS PESSOAS QUE FORAM ASSASSINADAS PELOS ÓRGÃOS DE REPRESSÃO POLÍTICA E CUJOS CORPOS FORAM OCULTADOS
O Estado brasileiro permanece em grave dívida – moral, jurídica e política – perante os familiares, amigos e conhecidos das pessoas que, no período referido no artigo 8º do ADCT da Constituição federal (entre 18/09/1946 e 05/10/1988), foram mortas ou sofreram desaparecimento forçado por motivos políticos, e cujos cadáveres prosseguem sob ocultamento criminoso – muitas vezes, há quase meio século.
Ademais, há situações em que ossadas descobertas há décadas permanecem sem a devida identificação e, não bastasse isso, continuam depositadas em condições não somente impróprias à sua preservação físico-químico-genética, como também vulneráveis a atentados direcionados à sua destruição. Não há outra palavra para qualificar essa situação deplorável, senão esta: descaso.
Essa dívida já antiga do estado brasileiro também agride a consciência democrática da nação e configura um não-acatamento, por omissão, às exigências do Direito Internacional dos Direitos Humanos – em especial, não-acatamento aos Pontos Resolutivos números 3, 4, 5, 6, 7, 9, 10 e 16 da já mencionada sentença proferida pela CIDH no caso GOMES LUND E OUTROS (“Guerrilha do Araguaia”) VS BRASIL, publicada em 14 de dezembro de 2010 (Cf. o ANEXO I das presentes Recomendações).
9.1 – Por conseguinte, recomenda-se fortemente ao Estado brasileiro que, sem mais delongas assim deploráveis, adote o quanto antes as providências e diligências aptas a conduzir à localização e identificação das ossadas ou restos mortais das pessoas que, no período referido, foram assassinadas por motivos políticos e cujos cadáveres permanecem em locais desconhecidos ou incertos – tendo-se em conta que as providências e diligências até agora adotadas revelaram-se infrutíferas ou insuficientes para aqueles necessários propósitos humanitários.
9.2 – Recomenda-se do mesmo modo que, malgrado tardiamente, seja conferido tratamento respeitoso às ossadas já localizadas e recolhidas, que se encontram sob a guarda do Estado ou de instituições por ele delegadas, adotando-se as medidas necessárias para garantir a sua preservação, conservação e segurança, bem como mobilizando-se, com agilidade e empenho, todos os recursos e meios administrativos, financeiros, científicos e técnicos capazes de conduzir à célere identificação de tais ossadas.
9.3 – Recomenda-se ademais que, após a identificação de cada ossada, sejam elas entregues aos familiares sobreviventes, em cerimônias públicas oficiais e solenes, para o subsequente e necessário sepultamento digno.
10 – DESMILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS
Recomenda-se que o Estado brasileiro promova reforma constitucional com vistas à desmilitarização e unificação das Polícias estaduais. As Polícias Militares constituem resquício da ditadura militar, infelizmente abrigado pela Constituição de 1988. Estão presas ao espírito da chamada “doutrina da segurança nacional”, cuja lógica é a do combate ao “inimigo interno”, quase sempre identificado nos excluídos, na juventude negra e pobre, e nos militantes das questões sociais. Dados mostram que cerca de 90% dos mortos pela Polícia Militar do Estado de São Paulo são moradores da periferia. Entre 2001 e 2011, 5.591 pessoas foram assassinadas em São Paulo pela Polícia Militar. Não há como construir uma sociedade democrática tolerando uma polícia assim presidida pela lógica da guerra de uma parte da sociedade contra outra, uma polícia como instrumento de extermínio dos socialmente vulneráveis, exorbitante no emprego da violência, e frequentemente mais empenhada no respeito à hierarquia militar do que no respeito à lei.
11 – EXTINÇÃO DA JUSTIÇA MILITAR
Recomenda-se que o Estado brasileiro promova reforma constitucional com vistas à imediata extinção da Justiça Militar, que ainda hoje presta-se à prática de perseguições a dissidentes políticos, inclusive civis.
11.1 – Para tanto, recomenda-se o encaminhamento ao Congresso Nacional, em 2015, de Proposta de Emenda Constitucional (PEC), de iniciativa da Presidência da República, com o propósito de revogação dos seguintes dispositivos da Constituição Federal: artigos 122 a 124, e parágrafos 3º e 4º do artigo 125.
12 – TIPIFICAÇÃO LEGAL DO CRIME DE DESAPARECIMENTO FORÇADO DE PESSOA
Recomenda-se ao Estado brasileiroaaprovação e promulgação do Projeto de Lei nº 245, de 2011, em trâmite no Senado Federal, que tipifica o crime de desaparecimento forçado de pessoa (Texto integral no ANEXO II das presentes Recomendações). Trata-se de item recomendado no Ponto Resolutivo nº 15 da sentença proferida pela CIDH no caso GOMES LUND E OUTROS (“Guerrilha do Araguaia”) VS BRASIL, publicada em 14 de dezembro de 2010.
13 – VALORIZAÇÃO DA MEMÓRIA DAS GRAVES VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS
Recomenda-se ao Estado brasileiro que adote, em suas três esferas, medidas voltadas à preservação e valorização da memória de todas as pessoas que, no período referido no artigo 8º do ADCT da Constituição federal, foram vítimas de graves violações dos Direitos Humanos – destacadamente, aquelas que, por motivos políticos, sofreram sequestro, prisão, tortura, estupro ou humilhação sexual, homicídio, desaparecimento forçado, ocultação de cadáver, cassação de direitos políticos, genocídio, expulsão de suas terras ou expulsão do serviço público.
13.1 – Recomenda-se, assim, a adoção das medidas a seguir arroladas, dentre outras com o mesmo propósito:
- Preservação, restauração, tombamento e transformação em memoriais públicos de todos os imóveis urbanos ou rurais que foram palco de graves violações dos Direitos Humanos durante o período indicado no artigo 8º do ADCT da Constituição federal;
- Instituição e instalação, na capital da República, do Museu Nacional da Memória e da Verdade, reunindo acervo referente às graves violações dos Direitos Humanos cometidas durante aquele período;
- Edificação, na capital da República, de um panteão arquitetônico e escultural em homenagem a todos quantos, durante o mesmo período, foram vítimas dessas violações;
- Instituição no calendário oficial nacional, por lei de iniciativa da Presidência da República, a ser encaminhada em 2014 ao Congresso Nacional, do Dia Nacional da Memória e da Verdade, em honra aos que, no mesmo período e por motivos políticos, foram mortos ou sofreram desaparecimento forçado;
- Renomeação dos logradouros públicos, das rodovias e demais vias de transporte, dos edifícios públicos e das instituições públicas de qualquer natureza (escolas, hospitais etc.), sejam federais, estaduais ou municipais, cuja denominação refira-se a agentes do Estado ou a membros da sociedade civil que hajam ordenado, executado, permitido, financiado ou, de qualquer forma, colaborado para o cometimento de graves violações dos Direitos Humanos durante o mesmo período;
- Nos locais exatos ou aproximados dos logradouros públicos em que essas violações ocorreram ou tiveram início, recomenda-se a colocação de placas informativas do (s) nome (s) da (s) vítima (s), da natureza da (s) violação (s) e da data em ocorreram ou tiveram início;
- ……………………
14 – CRIAÇÃO DE UM ORGANISMO PERMANENTE, COM A ATRIBUIÇÃO DE DAR CONTINUIDADE À PESQUISA E APURAÇÃO DAS DENÚNCIAS DE GRAVES VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS
Recomenda-se o encaminhamento ao Congresso Nacional, em 2015, de projeto de lei de iniciativa da Presidência da República, propondo a criação de um organismo permanente, com as atribuições de dar continuidade à pesquisa, apuração e publicização das denúncias de graves violações dos direitos humanos cometidas durante o período referido no artigo 8º do ADCT da Constituição federal, com vistas a completar os trabalhos iniciados pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) que, em razão da exiguidade do seu prazo de funcionamento, não puderam ser concluídos.
14.1 – Dentre as tarefas inconclusas, é de se mencionar, dentre outras:
a) análise de todos os arquivos referentes ao período acima mencionado;
b) oitiva das vítimas, das testemunhas, dos ordenadores, executores e cúmplices, militares ou civis, daquelas violações;
c) aprofundamento da apuração das relações de colaboração estabelecidas entre a ditadura iniciada em 31 de março de 1964, o poder econômico e os meios de comunicação social;
d) descoberta do destino das pessoas que, por motivos políticos, foram mortas ou sofreram desaparecimento forçado, bem como a identificação das suas ossadas e sua entrega aos familiares, para que recebam sepultamento digno.
14.2 – Recomenda-se que esse organismo seja legalmente provido de todos os recursos humanos, materiais, técnico-científicos e financeiros necessários ao desempenho de suas funções, inclusive com dotação orçamentária própria.
14.3 – Recomenda-se que ao aludido organismo sejam asseguradas, pela lei que o instituir, as competências para fiscalizar o cumprimento destas Recomendações feitas pela Comissão Nacional da Verdade neste Relatório Final; para requisitar informações dos demais órgãos integrantes da administração federal; para constituir grupos de trabalho e pesquisa; e para instalar escritórios nas unidades federadas onde forem necessários.
14.4 – Recomenda-se, como condição imprescindível ao seu funcionamento eficaz, que sejam conferidos ao indigitado organismo, pela lei que o instituir, os mesmos poderes e faculdades arrolados nos artigos 4º, 6º e 8º da Lei federal nº 15.528, de 18 de novembro de 2011.
14.5 – Recomenda-se que esse organismo seja integrado ao menos por sete membros, sendo:
a) um representante da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República;
b) um representante do Ministério da Justiça;
c) um representante do Ministério Público Federal;
d) um representante do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
e) um representante de entidades da sociedade civil atuantes na defesa dos Direitos Humanos;
f) um representante de entidades da sociedade civil que congregam pessoas que, no período previsto no artigo 8º do ADCT da Constituição federal, foram prisioneiras políticas, ou que são parentes de quem haja estado nessa situação;
g) um representante de entidades da sociedade civil que congregam familiares de pessoas que, no mesmo período, foram ou venham a ser reconhecidas como mortas ou desaparecidas sob a responsabilidade do Estado por motivos políticos.
15 – ABERTURA E CONCESSÃO DAS INDISPENSÁVEIS CONDIÇÕES QUE PERMITAM O LIVRE E EFICIENTE ACESSO A TODOS OS ARQUIVOS REFERENTES AO PERÍODO INDICADO NO ARTIGO 8º DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS (ADCT) DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
15.1 – Recomenda-se ao Estado brasileiro, em todas as suas esferas, que sejam tornados públicos, para livre acesso, todos os arquivos, papéis, relatórios, informes, documentos manuscritos, documentos datilografados, documentos impressos, documentos reproduzidos ou copiados por qualquer meio mecânico ou técnico, fotografias, filmes e microfilmes, gravações de áudio, gravações de vídeo, e demais dados armazenados em quaisquer outros suportes físicos, ou em quaisquer outros formatos técnicos, referentes ao período indicado no artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal, inclusive daqueles que, porventura, ainda estejam sob sigilo – neste último caso, com o seu depósito no Arquivo Nacional no prazo de até 90 (noventa) dias.
15.2 – Recomenda-se, ademais, sejam concedidas, sem delongas, as indispensáveis condições financeiras, materiais, físicas, administrativas, técnicas e humanas, inclusive com a imediata digitalização e fornecimento da necessária estrutura de apoio, capazes de viabilizar o livre e eficiente acesso público a tais materiais.
16 – AMPLA DIVULGAÇÃO PÚBLICA DESTE RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE
Recomenda-se ao Estado brasileiro, por todas as suas autoridades, e por todos os Poderes Públicos da República, que providencie, o quanto antes, a mais ampla divulgação pública da íntegra do presente Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), inclusive dos seus anexos e de seu acervo documental e de multimídia, divulgação essa a ser promovida especialmente pelos seguintes meios, dentre outros:
- publicação deste Relatório Final, na sua íntegra, no Diário Oficial da União;
- depósito gratuito de uma cópia deste Relatório Final em todas as bibliotecas públicas do país, inclusive nas bibliotecas das universidades públicas federais, estaduais ou municipais, bem como nas bibliotecas centrais das universidades privadas sem fins lucrativos, confessionais e não confessionais;
- fornecimento e entrega de cópias deste Relatório Final a seja quem for que as solicite, sejam pessoas físicas ou jurídicas, mediante o pagamento tão somente do seu preço de custo;
- permissão para a livre e ampla reprodução deste Relatório Final por qualquer meio ou mídia;
- em cumprimento ao disposto no artigo 11, parágrafo único, da Lei federal n º 15.528, de 18 de novembro de 2011, a via original do presente Relatório, bem como de todo o acervo documental e de multimídia resultante da conclusão dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, deverão ser depositados no Arquivo Nacional para integrar o Projeto Memórias Reveladas.
ANEXO I DAS RECOMENDAÇÕES DA CNV AO ESTADO BRASILEIRO
Pontos Resolutivos da sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Gomes Lund e Outros (“Guerrilha do Araguaia”), mencionados nas Recomendações números 3, 4, 9 e 12 da CNV ao Estado brasileiro, do presente Relatório, que ainda carecem de cumprimento INTEGRAL pelo Estado brasileiro[1][1]
“(……….)
3. As disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, e tampouco podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil.
(……….)
4. O Estado é responsável pelo desaparecimento forçado e, portanto, pela violação dos direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal, estabelecidos nos artigos 3, 4, 5 e 7 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação com o artigo 1.1 desse instrumento, em prejuízo das pessoas indicadas no parágrafo 125 da presente Sentença, em conformidade com o exposto nos parágrafos 101 a 125 da mesma.
5. O Estado descumpriu a obrigação de adequar seu direito interno à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, contida em seu artigo 2, em relação aos artigos
8.1, 25 e 1.1 do mesmo instrumento, como consequência da interpretação e aplicação
que foi dada à Lei de Anistia a respeito de graves violações de direitos humanos. Da mesma maneira, o Estado é responsável pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial previstos nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação aos artigos 1.1 e 2 desse instrumento, pela falta de investigação dos fatos do presente caso, bem como pela falta de julgamento e sanção dos responsáveis, em prejuízo dos familiares das pessoas desaparecidas e dapessoa executada, indicados nos parágrafos 180 e 181 da presente Sentença, nos termos dos parágrafos 137 a 182 da mesma.
(……….)
6. O Estado é responsável pela violação do direito à liberdade de pensamento e de expressão consagrado no artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação com os artigos 1.1, 8.1 e 25 desse instrumento, pela afetação do direito a buscar e a receber informação, bem como do direito de conhecer a verdade sobre o ocorrido. Da mesma maneira, o Estado é responsável pela violação dos direitos às garantias judiciais estabelecidos no artigo 8.1 da Convenção Americana, em relação com os artigos 1.1 e 13.1 do mesmo instrumento, por exceder o prazo razoável da Ação Ordinária, todo o anterior em prejuízo dos familiares indicados nos parágrafos 212, 213 e 225 da presente Sentença, em conformidade com o exposto nos parágrafos 196 a 225 desta mesma decisão.
7. O Estado é responsável pela violação do direito à integridade pessoal, consagrado no artigo 5.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação com o artigo 1.1 desse mesmo instrumento, em prejuízo dos familiares indicados nos parágrafos 243 e 244 da presente Sentença, em conformidade com o exposto nos parágrafos 235 a 244 desta mesma decisão.
9. O Estado deve conduzir eficazmente, perante a jurisdição ordinária, a investigação penal dos fatos do presente caso a fim de esclarecê-los, determinar as correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e consequências que a lei preveja, em conformidade com o estabelecido nos parágrafos 256 e 257 da presente Sentença.
10. O Estado deve realizar todos os esforços para determinar o paradeiro das vítimas desaparecidas e, se for o caso, identificar e entregar os restos mortais a seus familiares, em conformidade com o estabelecido nos parágrafos 261 a 263 da presente Sentencia.
(……….)
13. O Estado deve realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional a respeito dos fatos do presente caso, em conformidade com o estabelecido no parágrafo 277 da presente Sentença.
14. O Estado deve continuar com as ações desenvolvidas em matéria de capacitação e implementar, em um prazo razoável, um programa ou curso permanente e obrigatório sobre direitos humanos, dirigido a todos os níveis hierárquicos das Forças Armadas, em conformidade com o estabelecido no parágrafo 283 da presente Sentença.
15. O Estado deve adotar, em um prazo razoável, as medidas que sejam necessárias para tipificar o delito de desaparecimento forçado de pessoas em conformidade com os parâmetros interamericanos, nos termos do estabelecido no parágrafo 287 da presente Sentença. Enquanto cumpre com esta medida, o Estado deve adotar todas aquelas ações que garantam o efetivo julgamento, e se for o caso, a punição em relação aos fatos constitutivos de desaparecimento forçado através dos mecanismos existentes no direito interno.
16. O Estado deve continuar desenvolvendo as iniciativas de busca, sistematização e publicação de toda a informação sobre a Guerrilha do Araguaia, assim como da informação relativa a violações de direitos humanos ocorridas durante o regime militar, garantindo o acesso à mesma nos termos do parágrafo 292 da presente Sentença.
(……….)”
ANEXO II DAS RECOMENDAÇÕES DA CNV AO ESTADO BRASILIERO
Texto do Projeto de Lei nº 245, de 2011, em trâmite no Senado Federal, que tipifica o crime de desaparecimento forçado de pessoa, mencionado na Recomendação nº 12 da CNV ao Estado brasileiro do presente Relatório
Art. 1º O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte art. 149-A:
“Desaparecimento forçado de pessoa
Art. 149-A. Apreender, deter ou de qualquer outro modo privar alguém de sua liberdade, ainda que legalmente, em nome do Estado ou de grupo armado ou paramilitar, ou com a autorização, apoio ou aquiescência destes, ocultando o fato ou negando informação sobre o paradeiro da pessoa privada de liberdade ou de seu cadáver, ou deixando a referida pessoa sem amparo legal por período superior a 48 (quarenta e oito) horas:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, sem prejuízo das penas correspondentes a outras infrações penais.
§ 1º Na mesma pena incorre quem ordena ou atua de qualquer forma para encobrir os atos definidos neste artigo ou mantém a pessoa desaparecida sob sua guarda, custódia ou vigilância.
§ 2º O crime perdura enquanto não for esclarecido o paradeiro da pessoa desaparecida ou de seu cadáver.
§ 3º A pena é aumentada de metade, se:
I – o desaparecimento durar mais de 30 (trinta) dias;
II – se a vítima for criança ou adolescente, portadora de necessidade especial, gestante ou tiver diminuída, por qualquer causa, sua capacidade de resistência.”
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
[1][1] O texto integral dessa sentença da CIDH pode ser acessado em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf