Por Eduardo Militão.
Os bandidos chegam pela madrugada. Agem rápido com dezenas de comparsas e veículos, por vezes caminhonetes e até caminhões. Fecham as ruas e isolam a região. Com armas de alto calibre, algumas .50, rendem os seguranças, matam até policiais se julgarem necessário, instalam explosivos numa parede com ajuda de um profissional acostumado a detonar minas no Norte ou no Nordeste. Bum! Uma explosão, ora cirúrgica ora espalhafatosa, abre uma porta ou derruba uma parede inteira. Os ladrões entram e levam milhões em dinheiro vivo guardados dentro de empresas que fazem transporte e armazenagem de valores no país.
Dados das polícias civis, da Federação Nacional dos Policiais (Fenapef), da área de inteligência da Polícia Federal e de seguradoras levantados pela Revista Congresso em Foco mostram que pelo menos R$ 343 milhões foram roubados de carros e bases fortes em condições parecidas com as descritas acima apenas nos últimos dois anos. Desse total, R$ 215 milhões foram levados em dez assaltos, feitos em seis estados, nas bases das empresas especializadas na armazenagem de dinheiro, verdadeiras “fortalezas”. Uma média de R$ 21 milhões por roubo. Nesses casos, seis pessoas foram mortas. Os R$ 128 milhões restantes foram subtraídos em 156 ataques a carros-fortes, quando os roubos são menores, média de R$ 848 mil por ação.
Os valores envolvidos e o número de atos criminosos tendem a ser ainda maiores devido à morosidade das empresas em registrar a ocorrência, que chega até a dois meses. Os assaltos dessa natureza são um negócio de alta lucratividade e baixo risco, apontam especialistas. Essa demora e a sucessão de correções nas cifras roubadas intrigam profissionais das áreas de segurança pública e de combate ao crime organizado e à lavagem de dinheiro. Gigantes do setor, a Prosegur, a Protege, a Brinks, a Rodoban e a Servi-San se negaram a informar à reportagem a data em que comunicaram o quanto foi levado pelos criminosos em dez assaltos às suas bases fixas entre novembro de 2015 e de 2017.
Em quatro casos, de acordo com a polícia civil dos estados onde esses crimes ocorreram, a notificação sobre o roubo demorou de 10 a 61 dias. Também foram feitas diversas retificações sobre os valores levados. Um dos crimes mais recentes foi cometido em Araçatuba (SP), a 600 km a oeste da capital paulista. Os assaltantes mataram um policial militar e levaram o cofre da Protege em 16 de outubro. A empresa não revela o valor roubado nem mesmo para a Polícia Civil de São Paulo, que, até o início de novembro, aguardava a comunicação do crime depois de enviar um ofício sem resposta à firma de segurança. Uma demora de pelo menos 16 dias. Fontes policiais ouvidas pela reportagem revelam que o roubo foi de R$ 8 milhões. A Protege, porém, não confirmou o valor.
Propina e fiscalização
Na Operação Ponto Final, uma das fases da Lava Jato contra o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (PMDB), delatores disseram ao Ministério Público que dinheiro custodiado em duas empresas de guarda e transporte de valores eram usados para pagar propina ao peemedebista. Isso só aumentou a desconfiança de investigadores. Apesar da descoberta, a Associação Brasileira de Transporte de Valores (ABTV) ressalta que “todo numerário transportado pelas empresas tem sempre na origem ou destino uma instituição financeira”.
Para o presidente da Fenapef, Luís Antônio Boudens, há algo estranho aí. “Os órgãos de fiscalização são surpreendidos quando essas empresas são assaltadas e são revelados os valores reais”, afirma o policial. Ele acredita que, por trás da demora na prestação de informações, a estratégia é evitar três problemas. “Uma coisa é se preservar da questão da seguradora, outra é não chamar a atenção para o valor roubado, tanto de autoridades de fiscalização quanto de outros grupos criminosos”, avalia.
Boi e boiada
O cientista político e especialista em segurança Guaracy Mingardi tem opinião semelhante. “Pode ser valor maior ali ou menor. Se falarem mais do que têm, vão receber mais seguro. Se falarem menos, vão dizer: ‘Não precisa perder a confiança em nós’. Eu não tenho certeza se eles declaram o valor correto”, observa. Para Guaracy, as empresas têm informações bem contabilizadas para saber quanto há nos cofres e descobrir quanto foi roubado. “Elas não demoram: é uma política delas para alguma coisa que não querem revelar. Pode ser dinheiro não declarado, não dá pra ter certeza”, pondera.
O auditor e consultor Alexandre Botelho, um dos fundadores do Instituto de Prevenção à Lavagem de Dinheiro (IPLD), diz a demora é injustificável e pode esconder crimes de terceiros. “Em vários episódios nesses assaltos a grandes transportadoras, nunca é revelado o valor efetivamente subtraído e, por vezes, o cliente não vai lá reclamar. Por quê? Porque é valor não declarado, são recursos oriundos de corrupção, tráfico, jogo de bicho, isso não só em moeda nacional, mas estrangeira também.” Boudens desconfia até de guarda ilegal de armas e drogas nas bases fortes. “Como não tem fiscalização, onde passa um boi, passa boiada”, afirma o presidente da Fenapef.
Bunker de Geddel
O presidente do Sindicato dos Analistas do Banco Central (Sinal), Jordan Pereira, diz que a circulação indevida de grandes quantidades de valores em espécie – como os R$ 51 milhões apreendidos em um apartamento cedido ao ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB) em Salvador (BA) – está também relacionada à falta de fiscalização nas empresas de segurança.
“Transportadoras de valores que ‘dormem’ com uma grande quantidade de valores podem ‘emprestar’ esse dinheiro”, afirmou ao comentar a situação do aliado do presidente Michel Temer. Desde 2012, as empresas de guarda de valores passaram a prestar contas à PF e ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que fez 125 relatórios a partir de 7 mil operações suspeitas. Sob anonimado, um juiz especializado em lavagem disse ser preciso apurar se as firmas segurança fazem operações de débito e crédito internamente, entre seus clientes, como indicam as apurações sobre Sérgio Cabral.
Procuradas durante vários dias em quatro ocasiões, as cinco empresas vítimas de roubos – Prosegur, Protege, Brinks, Rodoban e Servi-san – se negaram a prestar informações ou conceder entrevistas. A Associação Brasileira de Transporte de Valores (ABTV) só se manifestou em nota em que informa que o setor investiu R$ 400 milhões nos últimos cinco anos. E alega que a demora na prestação de informações se deve ao estado em que as bases fortes ficam após as explosões, o que tornaria “operação complexa” a contagem do dinheiro, “que exige dedicação por até semanas da empresa e das autoridades”. A associação disse ser “importante definir o valor com o máximo de celeridade para que as seguradoras sejam acionadas, além de contribuir com as investigações”. A ABTV afirma que as unidades-fortes são fiscalizadas pela PF, que “realiza anualmente vistorias técnicas em todas as bases” e lembrou que faz comunicações ao Coaf.
Especializados
O presidente da Fenapef, Luís Boudens, afirma que existem quatro quadrilhas no Brasil com explosões e roubando milhões de reais de bases fortes de empresas de guarda e transporte de valores. O negócio lucrativo para a bandidagem usa técnicas do “novo cangaço” do Norte e Nordeste, quando uma cidade inteira é assaltada nos locais onde mais se circula dinheiro. Em 2017, parte das quadrilhas foi presa pela Polícia Civil de São Paulo. Um dos líderes foi detido depois do assalto em Uberaba (MG), segundo uma fonte. A ABTV culpa o tráfico de armas e explosivos pelo aumento dos crimes desde 2015.
Para Guaracy Mingardi, a lucratividade, o maior acesso a armamentos e o exaurimento do mercado de drogas são alguns dos incentivos para as explosões das bases. Para prevenir e combater essa modalidade criminosa, ele e Boudens defendem mais integração entre as polícias, controle maior de explosivos, melhora nos controles da empresas e até redução da quantidade de dinheiro guardado por elas.