Emprego e soberania nacional. Por José Álvaro de Lima Cardoso.

Profissionais sem o registro encontram dificuldades em conseguir emprego / Marcello Casal/Agência Brasil

Por José Álvaro de Lima Cardoso, para Desacato.info.

O golpe de 2016, e todas as suas nefastas e imediatas consequências, na medida em que foi coordenado por uma potência imperialista que não quer que o Brasil se desenvolva, objetivou também desmontar a economia brasileira. Por isso também, se explica a tentativa de destruição da Petrobrás (maior companhia da América Latina), as privatizações em geral, a entrega a preço de banana de uma das maiores empresas de hidroeletricidade do mundo (Eletrobrás) etc. No entanto, certamente uma das ações mais danosas que os golpistas impuseram ao país, foi reduzir salário e renda e precarizar ainda mais as condições de trabalho e vida dos brasileiros.  

Os mecanismos para aumentar a exploração do trabalho são inúmeros e foram aprofundados a partir do golpe: redução dos salários reais, diminuição do poder de compra do salário-mínimo, precarização do trabalho (terceirização, “pejotização”, informalização) etc. Com o aumento da exploração do trabalho que esse tipo de medida provoca, além da vida do povo piorar muito, do ponto de vista da economia o mercado consumidor interno encolhe, afetando a esmagadora maioria. 

A condição de desemprego, ou de auferir um salário abaixo do necessário para suprir as necessidades básicas do trabalhador e de sua família, obriga a população a canalizar sua energia e atenção para a questão da sobrevivência. Pode-se dizer que decorre de um instinto de sobrevivência. Muitas vezes se critica o fato de que os trabalhadores não participam das atividades coletivas, costumeiramente não querem nem mesmo pegar o boletim que o sindicato produz sobre a campanha salarial etc. Mas é fundamental compreendermos que, em geral, o trabalhador (a) está focado na ação imediata mais importante, que é a sua sobrevivência e a de sua família. 

Em artigo recente destaquei a insuficiência dos salários no Brasil, para a manutenção de uma vida razoavelmente digna, por parte do trabalhador. A este se problema se soma a taxa de desocupação (desemprego) que bateu em 8,8% no primeiro trimestre deste ano, segundo a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (PNAD Contínua Trimestral), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse indicador representa 9,4 milhões de pessoas nessa condição. É muita gente desempregada, um número de pessoas bem superior aos habitantes de Santa Catarina, por exemplo.

Além do elevado número de desempregados, há um exército de desalentados. O trabalhador procura emprego por seis meses ou mais, não consegue nada, desanima. Às vezes não tem dinheiro nem para a condução; ou se tem, prefere comprar um pacote de arroz, do que gastar com transporte, em uma empreitada na qual não tem nenhuma garantia de sucesso. Há no Brasil 3,9 milhões de pessoas na condição de desalento. Ou seja, só de desalentados o Brasil tem um número bem superior ao da população do Uruguai. 

A taxa de desocupação apontada, de 8,8%, é a geral. Para alguns segmentos do mercado de trabalho ela é ainda mais elevada. Por exemplo, enquanto a taxa de desocupação dos homens é 7,2%, abaixo da média; para as mulheres, é 10,8%. E assim por diante: para os negros, para os com baixa escolarização, e outros segmentos, a taxa é ainda maior.  Segundo a mesma base de dados (PNAD), o país tem 39% da população ocupada, na informalidade. Alguns estados do Brasil registram taxas de informalidade beirando 60% da força de trabalho: Pará (59,6%); Amazonas (57,2%); Maranhão (56,5%). A vida do trabalhador que tem carteira assinada já é muito difícil, como todos sabemos, mas é ainda pior para os trabalhadores informais. Este não têm carteira assinada, trabalham acima da jornada legal e, em alguns casos, nem recebem salários regularmente (recebimento de salário é uma das principais motivações das greves no Brasil, segundo o DIEESE).  

Boa parte do brutal retrocesso que a economia brasileira vem sofrendo, está ligado à perda da indústria. A destruição da indústria inclusive está no centro da estratégia dos golpistas de 2016. Os países ricos querem proibir que os subdesenvolvidos tenham indústria. Se depender deles o Brasil será um eterno exportador de soja, petróleo bruto e minério de ferro e importador de industrializados de alto valor agregado. Por isso foi importante a reunião do dia 30 de maio, com os países sulamericanos, organizada pelo governo brasileiro, que gerou tanta gritaria entre os setores golpistas. É que no centro dessa iniciativa está a ideia de retomar a indústria brasileira e agregar valor aos produtos, que é tudo que a o império norte-americano, e seus serviçais internos, não querem nem ouvir falar.

Os baixos salários brasileiros, assim como a alta taxa de desocupação, estão relacionados com as grandes formas de extorsão dos recursos públicos e exploração dos trabalhadores. Os processos de privatizações (totalmente ilegais), os gastos com a dívida pública, a colocação da Petrobrás ao serviço dos acionistas minoritários, em detrimento dos investimentos da companhia, todas essas medidas tiram imensos recursos, que deveriam ser utilizados em investimentos públicos e sociais, extremamente fundamentais.   

No processo de reconstrução do Brasil algumas medidas não poderão faltar, como um programa vigoroso de combate à fome, investimentos em infraestrutura urbana, recuperação do mercado consumidor interno e assim por diante. Uma política fundamental e urgente é a retomada do crescimento, porque se bem-sucedida, ela pode recuperar a indústria, diminuir a pobreza e a fome e gerar empregos de carteira assinada. Mas, crescimento sustentado no Brasil (e em qualquer parte do mundo), não é um problema meramente técnico, depende de decisões políticas e, portanto, de correlação de forças. 

O economista Celso Furtado, possivelmente o mais importante do Brasil, dizia, há muitas décadas, que países que se sujeitam a divisão internacional do trabalho, dominada pelos países imperialistas, que a aceitam tal como está colocada, estarão condenados ao subdesenvolvimento. Essa arguta observação do economista, hoje, em face de uma crise inusitada do capitalismo, é mais evidente do que nunca.


José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

 

 


Obs.: A opinião do autor não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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