Por Thiago Burckhart, Blumenau, para Desacato.info.
O poder é uma manifestação das relações sociais, dos elos que são construídos entre pessoas que vivem em sociedade. Pensando com Hannah Arendt, pode-se dizer que o poder é um fenômeno intrínseco das relações humanas, possível a partir da ação, ou seja, dos atos e fatos que a dinâmica social permite que aconteçam. Esse aspecto se projeta não somente em termos institucionais, mas na dinâmica das relações sociais, na vida pública e privada, nas representações e nos sistemas de dominação e libertação.
Ao longo da história várias foram as formas pela qual o poder se desenhou, dando forma a diferentes regimes e organizações. Em razão disso, o poder é um dos fenômenos mais estudados ao longo da história do pensamento. Muitos foram aqueles que se proporam a compreendê-lo e a interpretá-lo de acordo com seu tempo. Esses esforços, aliados à proposta de cientificidade do século XIX deram sustentação ao nascimento da ciência política.
Poder estético
O poder, entretanto, ao longo da história, sempre pertenceu a poucos. De fato, poucos concentraram em suas mãos muito poder. No mundo ocidental homens, brancos, cristãos, heterossexuais e ricos formaram a estética do poder. Foram esses indivíduos que historicamente tomaram para si o poder político-institucional, e a partir disso, legitimaram seu poderio, seja por meio de discursos divinos, seja através de discursos meritocráticos, mas todos eles calcados no patriarcado e na misoginia, que em grande escala permanece vigente até os tempos hodiernos.
Pode-se dizer que historicamente o poder foi “estetizado”, e a partir disso foi possível se produzir, tanto no plano do discurso quanto das ações, a dominação de uns sobre outros. Esse padrão de poder, preso nas mãos do homem branco e aristocrata, produziu o apartamento social de todos aqueles que não se identificam ou não se assimilam com o dito padrão. Assim, a estética do poder funciona a partir da lógica brutal do apartamento social e da síndrome de superioridade.
Empoderar-se, empodera-te
O poder é de poucos. E por poder aqui se entende aquele político-institucionalizado, cujas decisões afetam diretamente a vida de todas as pessoas. A ideia do empoderamento implica na repartição desse conjunto de poder a todos aqueles que não partilham da mesma estética ou das mesmas concepções ideológico-politicas dominantes dos históricos detentores do poder. Empoderar-se é tomar para si parte do poder, daquele que teoricamente já deveria ser seu.
Assim, os espaços de poder devem ser ocupados. Não para a reprodução dos velhos padrões de poder calcados na dominação, como descritos nos versos de Caetano Veloso em sua música “Podes Poderes”, mas no sentido de reinventá-lo a partir de uma subversão ética e estética, política e ideológica. O poder, nos moldes burocrático-capitalistas, precisa ser ocupado para ser destruído e reinventado. Por isso, o empoderamento é substancialmente um projeto subversivo.
O empoderamento exige romper com os padrões estéticos e com a histórica base estética do poder, refundando-o sob um novo paradigma, plural e democrático, aberto e diverso. Além disso, não é somente na esfera pública que o dito empoderamento produz efeitos, mas também na esfera privada, na reinvenção de uma micropolítica, que está presente, sobretudo no plano da cultura. Trata-se também de uma revolução cultural.
A política do empoderamento exige em primeiro lugar a consciência. Uma tomada de consciência sobre sua condição social, seu status como dizia T. Marshall, e sobre os mecanismos de dominação político-econômico-ideológicos que compõem a estrutura do sistema dominante. Essa política, no sentido de potência, pode nos ajudar a reinventar e a reconstruir as estruturas sociais, culturais e políticas de um modelo que dá sinais de esgotamento, o burocrático-capitalista.
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