Por Fernando Evangelista.
Minha depressão começou na sexta-feira passada, exatamente às 15h58min, quando a norte-americana Katie Ledecky tocou sua mão direita na borda da piscina do Parque Aquático e sagrou-se campeã olímpica de natação. Por enquanto, ela é a mais jovem medalhista dos jogos de Londres. Katie tem 15 anos de idade.
Como escreveu Rubem Braga, “ultimamente têm passado muitos anos”. E eles, os anos, parecem mais velozes e fugidios do que a adolescente americana, nascida em 17 de março de 1997. Valha-me Deus, 1997 foi logo ali, quase um piscar de olhos, quase anteontem. Mas não foi. Faz tempo, faz um tempão.
Em março de 1997, o Brasil mal conhecia o tenista Guga Kuerten – passou a conhecê-lo depois da vitória espetacular em Roland Garros, em junho daquele ano. Logo em seguida, outro ser cabeludo surpreenderia o mundo, sendo anunciado – com pompa e capim – como o primeiro mamífero clonado da história. Faz um tempão isso, Guga está aposentado e a ovelha Dolly já passou desta para a melhor.
Foi o ano do Guga, da Dolly e do escândalo da compra de votos no Congresso, para aprovação da emenda da reeleição de FHC, que na época não gostava de maconha. Lula e o PT eram baluartes da ética e denunciaram a falcatrua. “Pagar deputados para aprovar leis é um desrespeito com a democracia”, bradou uma estrela petista, hoje encrencada com o mensalão. Faz muito tempo…
Quando a campeã olímpica nasceu, ninguém conhecia a inglesa J. K. Rowling, porque a saga Harry Porter ainda não havia sido lançada. A Princesa Diana não tinha morrido e a seleção francesa de futebol havia derrotado o Brasil apenas uma vez – na Copa de 1986. Muita bola rolou sobre os gramados desde então.
Aliás, em 1997, Neymar tinha 5 anos de idade e o maior medalhista olímpico da história, o anfíbio Michael Phelps, 12 anos. Naquele tempo, Titanic era uma famosa tragédia marítima e não um estrondoso sucesso cinematográfico.
Em 1997, a internet engatinhava e o bate-papo virtual mais conhecido era um troço chamado Mirc – que a gurizada só usava depois da meia-noite por causa da conta telefônica. Não existia tela-plana, televisão HD, iPads, iPods, Android ou Michel Teló.
Faz tempo, não? Tempo suficiente para eu ter feito alguma coisa olímpica na minha vida. Nunca ganhei uma medalha, nem subi num pódio. Esta constatação me deixou profundamente triste e logo a tristeza se transformou em depressão. Restou-me a Wikipédia, a amiga íntima dos depressivos curiosos.
Pesquisei e descobri que a atleta mais jovem a ganhar medalha de ouro foi a americana Marjorie Gestring nos jogos olímpicos de Berlim em 1936. Praticante de saltos ornamentais, Marjorie tinha 12 anos e 141 dias.
Para driblar a tristeza e preservar um fio de esperança, fui atrás da identidade do esportista mais velho a conquistar uma medalha olímpica. Este, sim, deveria ser a minha referência, o meu exemplo. Nem tudo estava perdido, afinal. Se ainda não fiz algo de realmente grande, isso não significa que não possa fazer.
Quase chorei de alegria ao descobrir que o mais velho atleta olímpico a ganhar uma medalha tinha 72 anos. Isso mesmo, 72. O sueco Oscar Swahn – este é o nome do vovô – conquistou uma medalha de bronze nos jogos olímpicos de Antuérpia em 1920. Tudo perfeito, não fosse um detalhe: ele ganhou medalha e fama mundial praticando “Tiro Duplo ao Veado”. Como sou vegetariano e a favor da diversidade, este sueco foi uma baita decepção.
A verdade é que nunca conquistei medalhas olímpicas e, pelo que tudo indica, jamais conquistarei, mas também nunca matei veados, de nenhuma espécie ou nacionalidade. Isto é o suficiente para me sentir orgulhoso de mim mesmo, em paz com o mundo e com a vida.
Depressão? Quem falou em depressão? Faz tempo que saí dessa. Para ser sincero, depois da pesquisa, até fiquei feliz com a medalha de ouro conquistada pela adolescente Katie Ledecky, que poderia estar por aí matando bichos, mas parece mais interessada em superar limites e conquistar medalhas, numa luta constante contra o tempo.
E esta parece ser a grande ironia: quanto mais os homens e as mulheres quebram recordes, superam cronômetros e limitações, o tempo se defende correndo mais e mais, para que ninguém o alcance, para que ninguém o supere, nem mesmo o jamaicano Usain Bolt. Nas olimpíadas da vida, é preciso reconhecer, o tempo nos vence sempre. Ele é imbatível. É o eterno campeão.
Fernando Evangelista é jornalista, diretor da Doc Dois Filmes. Mantém a coluna Revoltas Cotidianas, publicada toda terça-feira.