Por Pedro Stropasolas.
“O povo está passando fome, está morrendo. E está morrendo mais de fome do que de coronavírus. Quando chega no hospital, já está fraco e com fome. Ali mesmo morre, porque não tem força nem para levantar da cama”.
O desabafo é de Sônia de Jesus, que aguarda na fila em frente ao Portão 7 da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), o maior centro atacadista de alimentos da América Latina.
Desde outubro de 2020, a Ceagesp vem distribuindo alimentos gratuitos todas às quintas-feiras. Em janeiro, sob forte chuva, a ação mais expressiva gerou aglomeração e uma fila quilométrica para a distribuição de 30 toneladas de comida.
“Isso aqui é a fila da sobrevivência, para todo mundo que está aqui. Uns coitados, igual eu. Desempregada, só Deus na causa”, completa a idosa, que venceu a covid-19 em abril do ano passado.
Nesta semana, acompanhada pelo Brasil de Fato, a fila foi menor, mas contou com muitas mães e pessoas da terceira idade – justamente quando o país vive o pior momento da crise sanitária.
Benedita Pereira, que trabalhava como cuidadora de idosos antes do início da pandemia, lamenta a quantidade de pessoas sem amparo.
“Tem gente com 70 anos, 80 anos na fila, passando mal. Não tem água, não tem banheiro, não tem nada. Tem muita gente desempregada. Se não fosse o desemprego, não estaria aqui”.
De março a novembro de 2020, a Ceagesp doou cerca de 733 toneladas de alimentos para famílias carentes. Este foi o último balanço divulgado pela Companhia.
O total de comida doado, porém, é irrisório se comparado ao volume médio de comercialização dentro do espaço, que está em torno de 283 mil toneladas mensais.
A Companhia é presidida desde outubro pelo ex-comandante da força de elite da Polícia Militar de São Paulo, Ricardo de Mello Araújo. Em sua gestão, a Ceagesp passou a dar desconto de 20% para policiais militares na compra de alimentos.
A medida foi anunciada em dezembro por Jair Bolsonaro – responsável pela nomeação de Mello Araújo – em visita ao local sem máscara e causando aglomeração.
Por não estar cadastrada, Elaine Renata dos Santos veio em busca das sobras. A cozinheira foi demitida gestante, ainda em 2020. Hoje, com o filho no colo, espera no sol escaldante por um pouco de comida.
“A gente veio hoje aqui para fazer a inscrição e tentar a sorte. Se sobrar algum item, eles entregam para nós. Se não, a gente tem que voltar quando eles chamarem”, explica.
Auxílio emergencial
Ao lado de Elaine, o marido Paulo Martins, também desempregado, era o único a receber o Auxílio Emergencial na família de 10 pessoas. O auxiliar de pedreiro lamenta a proposta do Governo Federal de reduzir o benefício.
Nesta sexta-feira (12), o Congresso Nacional aprovou a destinação de R$ 44 bilhões para novo auxílio emergencial, que deve variar de R$ 175,00 a R$ 375,00. O governo federal promete iniciar os pagamentos ainda este mês.
“Eu tenho um filho para criar, tenho que ajudar dentro de casa. R$250,00 é o que para nós? Estão querendo cortar o Bolsa Família agora. Não sei como vou fazer para receber. Tem gente doente dentro de casa, meu sogro, minha sogra. Tem um menininho que também tem muita falta de ar. A gente não sabe o que fazer”.
Além da falta do auxílio e do desemprego, que hoje sufoca mais de 14 milhões de brasileiros, a alta dos alimentos é outro fator que leva famílias a recorrerem às doações. O preço médio de um pacote de arroz de 500 gramas, por exemplo, subiu 57,4% entre novembro de 2019 e outubro de 2020.
Aumento no preço dos alimentos
Em 12 meses desde o início da pandemia, o preço dos alimentos subiu em média 15%, quase o triplo da inflação no período.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) os preços que mais subiram foram os de cereais, leguminosas e oleaginosas (57,8%). Na sequência, aparecem as categorias óleos e gorduras (55,9%) e tubérculos, raízes e legumes (31,6%).
A cesta básica em São Paulo custa em torno de R$ 639,00, a segunda mais alta do país, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
A entidade estima em R$ 5.375 seria o salário mínimo necessário para que uma família de quatro pessoas atenda suas despesas básicas.
“O arroz custa R$ 20,00, o feijão já está R$7,00, o óleo quase R$ 8,00, então a gente vai reduzindo bastante. Normalmente, a gente faz uma refeição em casa, que é o almoço”, explica Elaine Renata dos Santos .
Adriana Marcolino, técnica do Dieesse, alerta que a expectativa de diminuição do preço dos alimentos não é promissora e o que os valores podem se acentuar com o aumento dos combustíveis, resultado do desmonte da Petrobras e de uma política de preços que prioriza os acionistas internacionais.
“Alguns alimentos vão continuar pressionados, principalmente nesses períodos sazonais de queda na produção, e porque o governo não tem nenhuma política para manutenção dos preços”, aponta.
Outro lado
O Brasil de Fato entrou em contato com a Ceagesp para confirmar os números das doações de alimentos no ano, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem.