Duas mães e um pai de estudantes desaparecidos em Iguala, no México, desembarcaram em Porto Alegre na última sexta-feira (5/6), junto com um sobrevivente da ação policial que deixou mortos e desaparecidos há oito meses. Eles representam a caravana que viaja pela América do Sul em busca de solidariedade. Os jovens foram levados pela polícia municipal da cidade do estado de Guerrero no dia 26 de setembro e, desde então, não foram mais vistos.
Os jovens vinham de famílias camponesas humildes e estudavam na Escola Normal Rural Isidro Burgos, da cidade de Ayotzinapa. A instituição é conhecida por, além de ensinar esportes e trabalho rural, também incitar o pensamento político de esquerda. Por isso, familiares acreditam que o acontecido pode ter motivação política, e desconfiam de uma ação conjunta entre os governos municipal, estadual e federal. “Somos a juventude que se rebela, que exige justiça e exige nosso direito à educação”, resumiu o sobrevivente Francisco Sanchez Nava.
Na situação de seu sequestro, os estudantes voltavam de uma manifestação em que tinham pedido verbas para sua escola. Na cidade de Iguala, três ônibus foram recebidos a tiros pelos guardas e, a partir daí, iniciou-se uma série de violações de direitos humanos. Seis alunos morreram e um está em estado vegetativo, além dos 43 — um dos ônibus inteiro — que foram levados pelos policiais.
O jovem Francisco estava em um dos ônibus e, em entrevista coletiva na sede do Movimento Autônomo Utopia e Luta, relatou os horrores que viveu naquela noite. “Os policiais dispararam diretamente contra nós, que dizíamos que éramos estudantes de Ayotzinapa. Nos deixaram passar, apenas para depois outra patrulha nos bloquear e, quando companheiros do primeiro ônibus desceram, atirarem contra eles”, contou. Os demais começaram a correr e tentaram se abaixar para escapara das balas.
Quem estava no terceiro ônibus foi obrigado a descer e foi colocado em viaturas, que saíram enquanto os outros ainda estavam fugindo dos tiros. Os guardas então saíram, deixando os jovens lá, sozinhos, e retornaram já de madrugada, quando voltaram a atirar. “Eles usaram armas alemãs que, pela lei, só poderiam ser utilizadas em caso de guerra. Disseram que nós merecíamos porque éramos rebeldes”, lembrou Francisco.
Desde então, os familiares e alunos começaram a campanha “Vivos os levaram, vivos os queremos”, em que reivindicam informações e investigações sobre o ocorrido. Eles também pedem o boicote das eleições em Guerrero, que acontecem no próximo domingo (7).
“Insistimos que nos entreguem nossos filhos”
Humildes, tímidas, mas demonstrando força e determinação, as mães de Jorge Amado Tizapa e César Manuel González Hernandez afirmaram acreditar que os filhos ainda estejam vivos. “Temos andado por Iguala, procurado nas prisões, hospitais, em todos os lugares. Em oito meses não paramos”, relatou Hilda Legideño Vargas. Ela denunciou, também, que o governo não quer investigar o desaparecimento.
Cerca de duas semanas depois do ocorrido, o governo deu uma versão oficial de que os estudantes haviam sido entregues, pela polícia local, ao cartel Guerreros Unidos, que atua na região, por quem teriam sido mortos. Autoridades apresentaram ossos jogados em uma vala como prova, mas peritos argentinos comprovaram que, na verdade, não se tratavam de ossos dos estudantes desaparecidos.
“O governo não nos ajuda, só reprime. Disseram que eles estavam mortos, mas os peritos desmentiram essa versão. Viemos buscar solidariedade, amamos eles e não vamos parar de buscá-los”, garantiu a mãe de Jorge. O jovem César Manuel estava feliz com as atividades que realizava na escola e era muito alegre, segundo sua mãe, Hilda Hernández Rivera. “Nos comunicaram que os jovens tinham sido detidos pela polícia de Iguala, pensávamos que estariam na prisão. No outro dia, fomos lá e eles não estavam, fomos a hospitais, fomos à escola, onde nos contaram o que havia acontecido”, narrou.
Desde então, os familiares e sobreviventes fizeram muitas manifestações e marchas, sem nunca ter o apoio do governo de Guerrero, de acordo com ela. “O governo federal disse que ia ajudar, mas nunca fez nada. Insistimos que nos entreguem nossos filhos com vida, sabemos que estão vivos e não vamos permitir que continuem mentindo”, garantiu. Seu marido, Mario José González, reiterou que o governo mentiu pra eles. “Viemos contar para vocês o tipo de governo que temos. Sempre nos mentiram, mas não vamos deixar de lutar e caminhar”, afirmou. Ele disse que os familiares não sabem a quem a polícia local entregou os jovens, mas assegurou: “Não vamos descansar até encontrá-los”.
Da mesma forma, o sobrevivente Francisco também criticou a administração local. “O governo implantou o medo, mas não vamos abandonar isso até encontrarmos nossos companheiros. Naquele 26 de setembro, nos levaram tanto, que levaram até o medo”, disse. Ele ainda criticou o fato de outros casos do tipo acontecerem no país, mas sem repercussão.
Mesma luta
O jovem destacou que, assim como no México, nos três países sul-americanos visitados — Argentina, Uruguai e Brasil — também há ou houve crimes de Estado. “Temos que nos unir, articular com as lutas que existem aqui. Podemos fazer muito se houver organização. Em São Paulo, conhecemos nossos companheiros guaranis, vimos que há muita injustiça sendo cometida”, relatou.
Eles se encontraram também com as avós da Praça de Maio, da Argentina, que lutam pelo retorno de seus netos, nascidos durante a ditadura e tirados de suas mães. “Foi um choque e um orgulho encontrá-las, admiramos muito elas. A luta das famílias de desaparecidos na Argentina, Brasil e Uruguai também é nossa luta”, colocou Francisco, acrescentando que “se os governos globalizaram o terrorismo de Estado, queremos globalizar também as lutas”.
Caravana
Os familiares já passaram por Córdoba, Rosario e Buenos Aires, na Argentina, Montevidéu, no Uruguai, e São Paulo, antes de chegarem a Porto Alegre. Aqui, após a coletiva nesta sexta-feira (5), eles participam de uma atividade no sábado (6) que ocorre na sede do Simpa (Sindicato dos Municipários), a partir das 13h. O encontro de hoje estava previsto para acontecer na Escola Municipal de Ensino Fundamental Porto Alegre (EMEF EPA), mas, segundo os organizadores, o local foi alterado por não haver autorização da Secretaria Municipal de Educação.
Foto: Reprodução/Sul 21
Fonte: SUL 21