Por Caroline Oliveira.
Com a saúde em colapso e mais de 400 mortes por covid-19 registradas, em Manaus (AM), corpos estão sendo transportados dentro de carros comuns, sem a regulamentação exigida por lei. Segundo uma pessoa que trabalha no sistema funerário da cidade e preferiu não se identificar, entre 60% e 70% dos carros que estão realizando sepultamento são todos irregulares. “Uma família me ligou porque achou um absurdo o fato de um familiar morto estar em um carro de passeio, onde só deitaram o banco para trás”, relatou a fonte.
“As pessoas começam a se aproveitar do momento, da família. Tem algumas empresas que começaram a fazer locação de carros, então eu vou lá, contrato motorista, sem equipamento de proteção individual [EPI], sem nada, entro no cemitério e conduzo o óbito. Tanto faz se é covid-19 ou não. Então isso é perigoso”, afirma a fonte, que também informou que a Prefeitura de Manaus não tem fiscalizado essas ações.
Esse tipo de serviço clandestino, conhecido como “papa defunto”, é vetado pela Lei nº 1273 de 2008, que dispõe sobre os serviços funerários e cemitérios do município de Manaus. De acordo com a legislação, o transporte de cadáveres deve ser realizado em veículo destinado somente a este fim. Os carros devem ser construídos de forma a possibilitarem lavagem e desinfecção e ter vedação entre o espaço do motorista e da urna funerária. Este último espaço deve ser revestido de placa metálica ou outro material impermeável.
“As pessoas começam a se aproveitar do momento, da família.”
A norma também determina que veículos que transportam cadáveres cuja causa mortis assinale doença transmissível devem ser rigorosamente desinfetados. Os carros precisam ser aprovados pelo Departamento Estadual de Trânsito do Amazonas, de acordo com as seguintes exigências: “ter no máximo oito anos de uso, estar em excelentes condições de uso, nas partes mecânica, elétrica e estética, a pintura deverá ser uniforme em todo o veículo, e conter nas portas dianteiras a denominação da empresa permissionária”.
Riscos
A capital do Amazonas registrou, até esta quarta-feira (6), 4.804 casos confirmados e 459 óbitos, conforme dados do Ministério da Saúde. O primeiro caso foi registrado no dia 13 de março, desde então o tempo de duplicação desse número é de 5 dias.
De acordo com a fonte ouvida pelo Brasil de Fato, Manaus possui 62 carros funerários regulamentados. No entanto, apenas seis são públicos e atendem pelo SOS Funeral, direcionado à população que não pode pagar pelo serviço privado. “Mesmo morrendo 100 pessoas por dia, não precisaria desses carros inadequados”, afirma a fonte.
A professora da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e integrante da Sociedade Brasileira de Infectologia, Raquel Stucchi, alerta para o risco de não seguir as medidas de segurança. “Quando a gente não faz nenhuma das medidas, todos que estão envolvidos neste contato com o corpo estão muito expostos. O veículo inclusive, depois que deixou o corpo, deve ser higienizado, preferencialmente um pano com água e sabão e depois um desinfetante.”
Um exemplo, relata a infectologista, é o que ocorre quando alguém morre em um hospital: todos os profissionais da saúde devem estar paramentados com o mesmo rigor dos cuidados em uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). “Quando tem morte súbita em casa, é o agente funerário que faz tudo isso, ninguém coloca morto dentro do carro, em nenhuma situação”, afirma Stucchi.
“Ninguém coloca morto dentro do carro, em nenhuma situação.”
Em nota, a Prefeitura de Manaus afirmou que os “serviços fúnebres também são realizados por funerárias particulares, uma vez que a prefeitura só responde pelo SOS Funeral, e não é atribuição da Prefeitura de Manaus fiscalizar esses veículos”.
A fiscalização, informa a prefeitura, é de responsabilidade do Departamento de Vigilância Sanitária, um órgão da Secretaria Municipal de Saúde de Manaus. O Brasil de Fato também entrou em contato com a pasta. Até a publicação desta reportagem, no entanto, não obteve resposta.
De acordo com a legislação municipal, as empresas funerárias devem possuir “licença anual para funcionamento, de acordo com fiscalização a ser realizada pelo Poder Municipal, devendo ser regulamentada posteriormente a taxa de fiscalização”.
O Ministério Público do Amazonas, também em nota enviada ao Brasil de Fato, informou que o Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região não tem nenhum processo ou denúncia envolvendo esse tipo de questão.