Em Livramento, ato contra feminicídios termina sob pressão policial e ofensas contra mulheres

Ato de coletivos feministas da fronteira entre Rivera/UY e Santana do Livramento repudiam dois feminicídios em uma semana. Foto: Tatiana Ribeiro

Por Luciano Velleda.

O assassinato de duas mulheres num intervalo de apenas oito dias abalou parte da comunidade de Santana do Livramento. No dia 8 de junho, a uruguaia Rosa María Pereira, de 57 anos, foi assassinada pelo companheiro, em Rivera. Na sequência do crime, o homem tentou suicídio, foi socorrido e morreu dias depois. Na última segunda-feira (15), Mariana Nicolau Ivanovich, de 37 anos, foi encontrada morta no quarto do hotel onde residia, em Livramento. O corpo apresentava sinais de tortura. O companheiro foi preso em flagrante.

A ocorrência dos dois feminicídios levou coletivos feministas, de ambos os lados da fronteira, a protestarem nesta terça-feira (16), diante do hotel onde Mariana foi morta. O ato durou cerca de 45 minutos, até ser interrompido pela Brigada Militar e pela Vigilância Sanitária, sob a acusação de promover aglomeração e perturbar a ordem pública. Durante a manifestação, as participantes reproduziram o áudio de uma campanha de prevenção à violência contra a mulher produzida pelo governo de Santa Catarina.

Professora na pós-graduação em Ensino de Filosofia, na Universidade Aberta do Brasil/Universidade Federal de Pelotas (UaB/UFPel), Tatiana Ribeiro, de 44 anos, acredita que o som tenha incomodado algumas pessoas do entorno — o áudio da campanha reproduz ligações desesperadas de mulheres pedindo socorro. “Querem que a gente morra em silêncio”, critica Tatiana.

“O ato ocorria de forma ordeira e pacífica, sem o trancamento da via pública e respeitando todos os protocolos de segurança em função da pandemia, em frente ao hotel onde o segundo crime ocorreu. Foram utilizadas máscaras, havia um número reduzido de manifestantes (doze mulheres) e todas elas estavam afastadas umas das outras, protestando com o auxílio de um carro de som, mas ainda assim respeitando o momento de emergência sanitária que vivemos. Toda a movimentação estava sendo transmitida ao vivo, em live pelo Facebook. Em determinado momento, a Brigada Militar foi acionada pela proprietária do hotel e chegou juntamente com a vigilância sanitária e a guarda de trânsito municipal”, explica trecho da nota divulgada, nesta quarta-feira (17), por diversos coletivos feministas da região.

Segundo Tatiana Ribeiro, como se não bastasse a violência contra as mulheres, os grupos feministas das cidades de Livramento e Rivera são estigmatizados e sofrem ataques recorrentes. “Somos um movimento que incomoda na cidade, somos unidas, discutimos nas praças, não nos intimidamos”, afirma.

A professora da UaB/UFPel destaca que mulheres da geração mais nova já não aceitam passivamente a violência e o arbítrio de uma sociedade patriarcal. Em Livramento, diz ela, o machismo é muito forte, e a crescente conscientização das mulheres causa desconforto. Para Tatiana, a abordagem da imprensa, muitas vezes, também colabora para que haja uma interpretação equivocada do problema na comunidade. 

“Seria importante destacar o fato de que nenhuma mulher gostaria de se expor aos riscos de uma contaminação durante a pandemia; todavia, a violência contra as mulheres, pelo simples fato de serem mulheres, não pode ser naturalizada ao ponto de acharmos normal a ocorrência de dois feminicídios nesse curto espaço de tempo. A manifestação ocorre como um alerta, como um grito de socorro pela vida das mulheres da fronteira. Por isso, seria importante ter o apoio e a parceria da mídia na conscientização da população sobre o aumento de casos de violência doméstica em todo o Brasil em tempos de pandemia, uma vez que as mulheres e crianças estão confinadas em casa com seus agressores”, diz outro trecho da nota, assinada por nove coletivos feministas da região.

Tatiana Ribeiro lamenta que, diante de dois feminicídios ocorridos em menos de 10 dias, os grupos feministas de Livramento ainda sofram intimidações da polícia e da própria comunidade. Em determinado momento do ato diante do hotel onde Mariana foi morta, a rede social de uma mídia local apresentava comentários tais como: “atira água gelada”; “que falta do que fazer, vão lavar uma louça, é uma ótima terapia”; “o que essas loucas querem na rua, vão lavar uma roupa”; “tem que multar e prender”, entre outras frases contra o ato de manifestação pela vida das mulheres.

Grupos feministas de Rivera e Livramento dizem que o machismo é ainda mais forte na região. Foto: Ane Cruz/Reprodução

 

Tatiana Ribeiro, professora da UFPel, destaca que mulheres da geração mais nova já não aceitam passivamente a violência de uma sociedade patriarcal. Foto: Ane Cruz/Reprodução

 

Um dos cartazes do ato destaca o silêncio dos vizinhos diante da tortura sofrida por Mariana Nicolau Ivanovich. Foto: Ane Cruz/Reprodução

 

 

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