No final de janeiro um incêndio na Vila Liberdade, próximo a Arena do Grêmio, obrigou os moradores a se retiraram às pressas das suas antigas moradias. Com as piores justificativas dadas pelo governo, estes moradores foram impedidos de voltar ao terreno pela polícia e por um muro que está sendo construído. Em função disto, não restou alternativa aos moradores a não ser se instalar em barracas e lonas em frente ao local, passando a depender das doações e da solidariedade da população.
O incêndio, aparentemente casual, não deixa dúvidas de que se trata de uma maquinação criminosa, feita no intuito de tencionar os moradores a abandonar o terreno, em benefício da especulação imobiliária. Com a construção da Arena do Grêmio a Vila Liberdade passou a ser visada, pois os imóveis se valorizaram em até 80%. Segundo a mídia burguesa, a movimentação estimada pelo mercado imobiliário pode chegar a marca de R$1 bilhão, indo desde a venda de apartamentos, até salas, quartos de hotel e a abertura de lojas. A prefeitura de Porto Alegre já disponibilizou R$10 milhões para obras, enquanto oferece “aluguel social” de R$400 às famílias necessitadas.
Todos estes dados deixam claro o motivo da construção do muro em volta do terreno. Esta área foi prometida às construtoras OAS e Andrade Gutierrez – maiores financiadoras da campanha eleitoral de José Fortunati (PDT) à prefeitura de Porto Alegre –, que já têm um plano de reurbanização para o entorno da Arena. O grande empecilho da prefeitura e das construtoras é precisamente a Vila Liberdade. Em razão disto, o incêndio – bastante eclipsado na mídia pela tragédia de Santa Maria – foi a forma de acelerar a remoção destes moradores. Soma-se a isso outros fatos estranhos: o corpo de bombeiros chegou ao local do incêndio com um carro sem água suficiente e o outro pela FreeWay, que é distante demais para conter o fogo. Estas verdadeiras trapalhadas dos bombeiros impediram a contenção das chamas. Se o incêndio foi causado diretamente por um agente das construtoras e da especulação imobiliária ou se foi “terceirizado” – isto é, se o serviço sujo foi realizado por algum morador ou agente comprado por aqueles – pouco importa. O fato é que o incêndio não foi uma casualidade, mas premeditado e criminoso; serviu como uma luva aos interesses da especulação imobiliária.
Os indícios ficam ainda mais nítidos quando observamos o que se passou com as doações. Tudo o que chegava era estocado em uma escola próxima. Lá, uma grande parte era retida e desviada pela Força Sindical (ligada ao PDT), que controla as doações, sem nenhuma consulta à população atingida. As doações trazidas de carro e que iam diretamente para o “acampamento” eram inspecionadas pela polícia e remetidas para a escola da Força Sindical, numa sincronia assombrosa. Além de dificultar a chegada das doações, a polícia ficou o tempo inteiro rondando o “acampamento”, ameaçando os moradores e os impedindo de dormir à noite.
A grande solução apresentada pela mídia e pelo governo à calamidade do incêndio foi o famigerado “aluguel social”. Este é um subsídio concedido pela prefeitura por apenas 5 meses. Esgotado este tempo, a família tem que pagar o aluguel do próprio bolso. Mas como se estes não possuem renda fixa e em sua maioria são papeleiros, catadores, desempregados? Naquele local, mesmo com todos os inconvenientes, há a possibilidade de sustento para quem é subempregado. É evidente que o “aluguel social” é um chamariz para tirá-los do local e depois deixá-los à própria sorte, tanto é assim que este está sendo oferecido aos demais moradores que não foram atingidos pelo incêndio. Os moradores da Vila Chocolatão foram as primeiras vítimas deste golpe. Quando findou o “aluguel social”, muitas famílias foram obrigadas a morar nas ruas. Faz parte da estratégia das construtoras e da prefeitura a ilusão do “aluguel social”. Os moradores da Vila Liberdade não devem cair nesse “canto da sereia”, pois a terra do incêndio lhes pertence!
A grande mídia – e em especial a RBS – apoiou dissimuladamente toda a política da prefeitura e das empreiteiras sob a máscara de uma cobertura “imparcial”: noticiou a existência do “aluguel social” como uma saída; mas, como já era de se esperar, omitiu os interesses das grandes empreiteiras. A remoção, o desvio das doações e o cercamento do terreno não foram noticiados pela grande mídia. Trata-se de uma clara violação dos direitos humanos. Estes só são lembrados pela mídia quando se trata dos países estrangeiros – e, em especial, dos inimigos dos EUA: Cuba, China, Coréia do Norte, Irã, Síria –, mas nunca para o Brasil, que é um dos campeões de violações aos direitos humanos.
Os partidos burgueses trabalharam no sentido de garantir os interesses das construtoras. Assim agiram PDT, PMDB e a Força Sindical, bem como PT, PCdoB, PSB e a CUT, que se infiltrou no acampamento para ganhar a confiança dos moradores visando a destruição da resistência por dentro, enquanto Força Sindical a destruía por fora. O mais grave disso tudo foi a omissão da “esquerda”, como PSOL e PSTU, que possuem estrutura militante e sindical para dar assistência política aos moradores, mas nada fizeram além de uma odiosa nota pública, escrita pelas organizações estudantis que dirigem, exigindo dos próprios carrascos que investiguem seus crimes. As suas máquinas sindicais – tais como SIMPA, CPERS, Sindisprev, Sintect, dentre outros – ficaram absolutamente inertes, sem sequer lançar uma nota pública para quebrar a barreira de bloqueio imposta pela mídia. Esta vergonhosa omissão denota sua falência política. Inexplicavelmente estas entidades e organizações políticas não repetiram a campanha de denúncia nacional que fizeram durante a destruição do Pinheirinho, em São Paulo.
Os moradores da Vila Liberdade e os trabalhadores em geral não devem esquecer esta amarga experiência. As eleições são parte de um jogo de cartas marcadas da democracia burguesa, porque só permitem a realização das promessas feitas aos empresários, enquanto que fazem apenas promessas para o povo trabalhador. O caso da Vila Liberdade demonstra a tentativa criminosa dos governos para cumprirem seus compromissos com as construtoras em detrimento dos interesses do povo. Somente haverá democracia quando os trabalhadores derrubarem o sistema capitalista e tomarem o poder sob suas mãos, estatizando as construtoras que hoje lucram com o sofrimento dos trabalhadores. Para isso é preciso desmascarar os falsos amigos – como PT, PCdoB, PSOL, PCB, PSTU –, destituí-los das entidades que controlam direta ou indiretamente à serviço do governismo, aumentar o nível de consciência e de organização política dos trabalhadores. É certo que a prefeitura e as construtoras se apóiam no imobilismo desta “esquerda”. Para lutarmos com êxito contra a injustiça sofrida pelos moradores da Vila Liberdade – que se repete incessantemente Brasil afora – é indispensável construir um partido revolucionário que levante em alto e bom som o programa da revolução socialista e organize o povo com esta finalidade.
Foto: Wesley Santos / Futura Press