Por Carmen Susana Tornquist.
Dias atrás, circulou um texto pelas redes intitulado “Sempre a mesma sabotagem ”, assinado por Palas Atena. E, por conta da repercussão que teve, acho que vale a pena refletir sobre ele. Aqui, algumas das questões que (me) suscita:
1) O texto traz uma opinião a respeito da greve- bastante veemente, aliás , e contrária à mesma, mas também traz elementos sobre a relação que o movimento sindical tem tido nos últimos tempos com os governos, em especial os do século XXI (Lula 1 e 2, Dilma, Temer, Bolsonaro, e Lula 3.
2) Expressa um posição governista, de defesa intransigente e incondicional – sem mediações – do governo Lula, apelando para uma argumentação simplista e alicerçada num binarismo extremado, como se a política partidária fosse um campo de eternos pólos opostos sem nuances. Sem a incorporação de elementos históricos e com um tom acusatório, a autora cai numa uma visão grosseira e simplista dos últimos governos, aí incluído o momento do golpe à Dilma – que é quase visto como decorrente dos movimentos grevistas e mobilizações populares naquele momento. Uma visão um tanto quanto bizarra, para dizer o mínimo, acerca deste processo.
3) Expressa desconhecimento da pauta atual dos servidores públicos, chamando de aumento e melhorias o que é, na verdade, recomposição e reajuste (me soa curioso que alguém que tem opinião tão taxativa acerca do sindicalismo não saiba a diferença entre estes conceitos!). O mesmo se dá na sua referência ao que foi a luta contra a reforma administrativa – que, aliás, está novamente a rondar – que, ao contrário , foi fruto da mobilização do grupo que ele chama de “essa gente que ficou pianinho” durante o governo do genocida; Apesar de eu não de ter ficado pianinho nas últimas décadas (junto com muitos – muitos! – de camaradas e companheiros de luta sindical e outros, me identifiquei com “essa gente” que Palas acusa, e até enaltece, como tendo poderes incríveis). Palas desconhece a quantidade de mobilizações que ocorreram durante o governo do genocida, embora tenha na ponta do lápis o número de greves que ocorreram durante o governo de Dilma. Bizarro, mesmo.
4) Passa ao largo da existência de uma enorme máquina de gerir dinheiro, que é o estado brasileiro, alimentador de um sistema de dívida gigantesco, além das políticas de isenção fiscal subtraem do povo brasileiro os direitos conquistadas a duras penas; refere-se à destruição deste Estado como se este processo tivesse começado com Temer – que, evidentemente, acirrou brutalmente o processo – reforçando assim o seu argumento binário e bi-polar e sua perspectiva histórica, de curtíssimo fôlego (não obstante o título sugira uma diacronia de “longa duração”). Defende as capacidade do malabarista Haddad, que estaria fazendo o seu melhor e – pobrecito – tem que contar com sabotadores, prejudicando seu trabalho.
5) Recorre a um permanente esquema “binário” ou bi-polar: Eles versus Nós (e também um “eu”, já que o texto está escrito na primeira pessoa), fazendo generalizações gigantes sobre processos políticos que são atravessados por contradições, nuances e complexidades que requerem, minimamente, algum tipo de mediação. Ao invés de ponderar, se sustenta em repetidas afirmações categóricas, genéricas e permanentes – como, aliás, aciona o próprio título – “Sempre a mesma sabotagem “), características, aliás, típicas do senso comum (a eternização do que é histórico e a repetição de consignas).
6) Destaco, ainda, o parágrafo dedicado aos “servidores públicos”, onde a autora imagina como seria se a Reforma Administrativa tivesse sido aprovada. Uma argumentação falaciosa, mas bem esperta – por acionar o senso comum que circula no país a respeito do serviço público (o que suposta e paradoxalmente, Palas parece defender, ao lamentar a “destruição do Estado). É incrível, só faltou Palas citar o Ministro Rui Costa, com sua bombástica e recente frase acerca da necessidade de “ fungar no cangote dos servidores para as coisas andarem no serviço público”, para arrematar o argumento).
E, ainda, registre-se a “advertência” da visionária autora aos docentes em greve, ao final: “Depois não digam que não foram avisados”. O que me lembra uma sofrível consigna que circulou anos atrás (“eu bem que eu avisei”), como se os processos políticos fosse uma espécie de jogo de cartas e que eleitores fossem crianças.
Intrigada com o estilo literário de autora de tão instigante codinome, fui dar uma pesquisada na sua origem.
E, bem, Palas Atena corresponde a um perfil no FaceBook, onde se encontra algumas informações sobre a sua “proprietária”: diz que ela mora em BH, sua foto de perfil é a foto de Lula e Dilma, e ela tem 9,4 mil amigos( três parentes entre eles) e 555 seguidores. E seguidoras. Fiquei impressionada dada a quantidade de postagens que é a autora é capaz de fazer em um só dia. Basicamente, são materiais de propaganda do governo Lula-Alckmin, destacando seus feitos – entre os quais, o dia em que Lula foi ovacionado pelos trabalhadores da Volkswagen por conta do faturamento da empresa – mas há também alguns sobre apoio a Palestina e Povos indígenas – sempre na versão governista, e não dos movimentos sociais, que, aliás, costumam ser alvo de seu deboche. Um tipo de anarquismo às avessas; “se hay gobierno – do PT – soy a favor”!
Mas, atenção: zero problema em uma pessoa ter – e partilhar – seu ponto de vista, defendendo um governo, um partido e tal. Ai incluído o governo atual. E, sem dúvida,é um debate importante e urgente, pois a extrema direita está muito bem organizada e se expande, segura de sua estratégia de poder. Temos, certamente, mesmo em grupos aparentemente homogêneos (como o local de trabalho, a escola, a família, etc.) discordâncias nas avaliações, discrepância nas informações, diferentes pressupostos e horizontes. O debate, se vier – e tomara que venha! – na seqüência, contribui prá gente ir forjando a própria crítica.
E aí, vem o problema, problemaço mesmo, no tal texto, que aponta para as condições mesmas em que ele foi socializado.
É que a autora do texto não é uma pessoa “civil”, ou, se for, não se assume como tal. Ou seja, o artigo foi escrito por alguém que não existe!
O que diria a mítica Palas Atenas, deusa da sabedoria, da guerra e da justiça, diante de tal situação?
Penso que não podemos ser cúmplices da falta de ética no debate público, algo que, a meu ver, com relação a este perfil, se encontra bem evidente.
Temos o direito de saber que está “por trás” desta personagem.
É uma pessoa de carne e osso¿ É um grupo político¿ Um coletivo de jornalistas¿ Um aparelho ligado ao governo¿
Estou em busca da identidade verdadeira de Palas Atenas!
E peço à Atenas, a verdadeira, com sua poderosa égide, que me proteja, das falsificações que nos rodeiam por todos os lados! Que possamos fazer o debate e os embates com a franqueza e honestidade que devem estar na base da vida democrática!
Assinado: eu, que não sou deusa, mas existo: Carmen Susana Tornquist.