Por Tiarajú Goldschmidt/Câmara de Vereadores.
Falta de água, irregularidades no abastecimento, qualidade da água, valor das faturas da Casan, investimentos por parte da Companhia, renovação do contrato, municipalização do fornecimento de água, tratamento de esgoto, busca de recursos, atendimento aos consumidores. Esses foram alguns dos temas tratados em audiência pública realizada na Câmara de Vereadores nesta quarta-feira (25), por iniciativa da vereadora Maria Tereza Capra (PT). O evento teve ampla participação popular, tanto ao vivo quanto pelas redes sociais da Câmara de Vereadores.
Lideranças e moradores fizeram questionamentos à Casan, ao Ministério Público e ao Poder Executivo Municipal, que enviaram representantes para a audiência. Na apresentação inicial, Maria Tereza Capra apresentou relatos sobre problemas no abastecimento de água e o que a Câmara já fez sobre o assunto. Ela citou que apresentou requerimento de informação à direção da Casan, questionando sobre a arrecadação e os investimentos, e que até aquele momento não havia recebido retorno. Durante a audiência, porém, o chefe da agência local da Casan, Ednilson Mello, entregou a resposta da companhia.
O promotor de Justiça Maycon Hammes, titular da 3ª Promotoria da Comarca de São Miguel do Oeste, ressaltou que possui cinco ações judiciais contra a Casan, em relação à qualidade da água; e outras duas ações cobrando o tratamento do resíduo das estações de tratamento de esgotos. Afirmou que quando tem que propor uma ação judicial, “é porque falhamos em todas as etapas anteriores, e a ação judicial é a última carta na manga”. Hammes afirmou que agora provavelmente terá que propor mais uma ação judicial, em relação ao abastecimento de água.
Hammes criticou que na parte do esgotamento sanitário São Miguel do Oeste tem índices dos mais baixos do Brasil; e que acreditava que até então não tínhamos problemas no fornecimento de água potável. “Quando a gente ouve os moradores, ouvimos situações como de falta de água durante todo o verão; de falta de água a cada dois dias, mas que se agravou com a estiagem. Uma ação judicial vai resolver isso?”, questionou. O promotor ressaltou que na renovação da concessão da água para a Casan, é possível incluir cláusulas exigindo obrigações da Companhia, sob pena de rescisão.
Maycon Hammes explicou que por força de lei federal não é possível perfurar mais poços individualmente, mas que isso não impede a Casan de perfurar mais poços artesianos, pois seria uma solução coletiva. Afirmou que São Miguel está crescendo e que tem previsão de crescer nos próximos anos, e que o abastecimento de água deve acompanhar esse ritmo.
Hammes ressaltou que quem está sendo lesado pode procurar o Procon e a Aris (Agência Reguladora Intermunicipal de Saneamento). Outra sugestão é entrar na Justiça pelo juizado especial, ou colocar no estatuto das associações de moradores que uma das finalidades é a proteção do consumidor, que nesse caso os moradores podem entrar com ação coletiva com um advogado representando o bairro.
O promotor ainda sugeriu que a Câmara entre em contato com a Aris e envie sugestões de melhorias para o abastecimento de água. Hammes questionou a Casan sobre investimentos imediatos e em médio e longo prazo. Também questionou por que a água vem com barro nas últimas semanas; e por que a Casan não tem equipe para trabalhar em caso de rompimento noturno de canos.
RECLAMAÇÕES DE MORADORES
O presidente da União das Associações de Moradores de Bairros (UAMB), Ruben Mueller, afirmou que não se pode dar a culpa para a estiagem agora; que reconhece que a estiagem é forte, mas que a falta de água vem de antes dela. Relatou que mesmo com falta, se pagam altas contas de água. “A Casan não está acompanhando o progresso da cidade de São Miguel do Oeste. Se constroem prédios, casas, as famílias consomem água, e a Casan não aumenta a produção [o fornecimento] de água. Imagina se não tivéssemos poços artesianos”. Mueller cobrou, por fim, a coleta e o tratamento de esgoto.
Elisângela Castanho, presidente da Associação de Moradores do Bairro Santa Rita, fez relatos da situação da Casan em seu bairro. “Os moradores não têm água nas torneiras”, afirmou. Ela disse que o canal de comunicação da Casan com os fornecedores não está funcionando, e que por isso utilizam as redes sociais para se manifestar. Elisângela citou as inúmeras situações que necessitam de água, seja para consumo humano, limpeza da casa, higiene pessoal; de situações em que há doentes na família e que sofrem ainda mais pela falta da água. A moradora relatou que há vento nos canos; que muitas vezes a água vem com mau cheiro; que o rodízio de 24 horas não está funcionando; e que há mau atendimento dos funcionários da Casan quando moradores ligam reclamando.
A vereadora Maria Tereza Capra também leu relatos de internautas que participaram da audiência através das redes sociais. Foram dezenas de manifestações citando problemas como falta de água com frequência; aumento do valor da fatura da Casan mesmo com redução de fornecimento de água; mau atendimento na Casan; proteção de mananciais; vazamentos de água; entre outros.
MUNICIPALIZAÇÃO E RECURSOS
O advogado Adilson Pandolfo defendeu a instalação de uma segunda adutora no rio das Flores para ampliar a captação de água; afirmou que não concorda com a municipalização do serviço, pois segundo ele, a Casan está em dívida de mais de 40 anos sem fazer investimentos no município. Pandolfo afirmou que a Casan não acompanha o desenvolvimento de São Miguel do Oeste, e defendeu que quando a Casan libera água para um novo loteamento, ela deveria garantir o fornecimento dessa água.
O economista Rildo Lazarotto questionou as contradições dos anúncios de investimentos da Casan; ressaltou que no caso de municipalização, é possível captar recursos a fundo perdido até no exterior, e que se oferece gratuitamente para auxiliar na busca desses recursos. Disse que a Casan é uma empresa ineficiente comparada com outras que municipalizaram o serviço.
O vereador eleito Carlos Roberto Agostini defendeu a municipalização, pois, segundo ele, assim as decisões seriam tomadas aqui. Disse que mora há 15 anos próximo à Câmara, e que desde que reside ali há falta de água. Sugeriu aumentar o depósito de água da Casan.
Moacir Fiorini, também vereador eleito, disse que precisa de recursos para resolver o problema de falta de água em São Miguel. Ele afirmou que, segundo o ex-presidente da Casan, precisaria em torno de R$ 70 milhões para resolver o problema da água no município. Fiorini sugeriu que no próximo ano o prefeito e os 13 vereadores busquem recursos em outras esferas de governo para auxiliar nos investimentos da Casan em São Miguel. “Se não for possível resolver o problema da água, a cidade não pode crescer”, declarou.
A procuradora do Município, advogada Bárbara Rodrigues, disse que governos municipais anteriores não exigiram investimentos da Casan; e que desde 2018 a Administração Municipal cobra esses investimentos por parte da Companhia. Ela afirmou que se não forem aplicados estes investimentos até o final da vigência deste contrato (em 2022), este não será renovado; e que se não é viável a municipalização, e nem continuar com a Companhia, o município terá de pensar em outra solução.
INVESTIMENTOS E EXPLICAÇÕES DA CASAN
O chefe da agência local da Casan, Ednilson Mello, disse que a falta de água ocorre em razão da seca; que só poupando água é que vão conseguir fornecer a contento. Ressaltou que no momento buscam água no rio das Flores e no poço profundo; que outros mananciais já estão secos neste momento. Que já está pronto o projeto de ampliação da captação da água no rio das Flores, e que também será feito trabalho de redução de perdas na cidade. Em relação aos atendimentos à noite e finais de semana, Mello esclareceu que a companhia tem que respeitar o intervalo entre as escalas de trabalho, e que não possuem equipes noturnas.
O engenheiro da Casan, Vitor Gouveia, detalhou os investimentos da Casan. Ele explicou que nos últimos dois anos foram feitos investimentos na capacidade de captação e envio de água para a estação de tratamento na ordem de R$ 2,6 milhões, que permitiu tratar em torno de 30% a mais de água. Quanto à aquisição de um equipamento reserva para o poço do Guarani, Gouveia explicou que foi licitado e que agora a empresa vencedora precisa fabricar a motobomba para disponibilizar; e que a instalação envolve uma empresa especializada, que precisa vir de São Paulo.
Em relação aos loteamentos, Gouveia ressaltou que em todos ele analisa como a Casan irá abastecer os novos loteamentos. “Nenhum loteamento é liberado sem ter condições de chegar água até lá. Tivemos uma explosão de loteamentos nos últimos anos, e agora vemos um direcionamento para as construções verticais. Então em nosso plano de ação prevemos a melhoria de redes”, afirmou.
Vitor Gouveia explicou que a adutora do rio das Flores tem em torno de 10,5 km. “Substituí-la totalmente tem um custo estimado de R$ 15 milhões. Não é um projeto que se faz da noite para o dia e não é um recurso que se consegue da noite para o dia. Então estamos focando em etapas. Vamos trocar os trechos que nos atrapalham quando a gente precisa trazer mais água, e ficou definido hoje que no primeiro momento trocaremos 4,6 mil metros, com custo aproximado de R$ 4,5 milhões”, explicou o engenheiro da Casan. A obra está prevista no plano de ação da Companhia, entregue recentemente ao prefeito.
O engenheiro falou que a primeira etapa deve ocorrer no ano que vem, e a segunda etapa em questão de dois anos, e que a duplicação da adutora não é possível realizar de imediato para conter efeitos da estiagem. Afirmou que a capacidade de abastecimento de água da Casan está entre 65 e 67%, e baixando, e que de imediato, para contornar, estão utilizando caminhão pipa para fornecer água. Ele afirmou que o rodízio de 24 horas de água surtirá efeito para chegar nas regiões mais distantes.
Disse que a Companhia estuda a reativação de um poço no Bairro Andreatta, que na época da perfuração foi descartado por não ter tecnologia para tratamento viável daquela água. Disse que vão fazer um teste de vazão do poço para decidir se farão o investimento. Explicou que se não tem infraestrutura de captação, a opção é utilizar caminhão pipa, mas este tem custo muito alto. Anunciou que farão uma segunda captação emergencial para ampliar a vazão do rio Camboim, que a tubulação será enviada de Florianópolis, e que a expectativa é ter o material nos próximos 15 dias.
Sobre a redução de perdas, afirmou que neste ano já foram substituídos aproximadamente cinco quilômetros de redes. Disse que em longo prazo a Casan fará uma atividade paralela de ampliação da captação de água e ampliação da capacidade de tratamento de água.
QUALIDADE DA ÁGUA
Cleone Luczkievicz, chefe de controle de qualidade da Casan, falou sobre a qualidade da água. Ele afirmou que a Casan monitora todos os parâmetros exigidos; reafirmou a qualidade de água da Casan, que a Companhia segue normas internacionais sobre o assunto. Disse que a água que chega aos moradores é segura para a saúde. Que sobre a questão do barro é por intermitência no abastecimento, que quando houver racionamento pode ocorrer de vir água suja, em situações pontuais. Luczkievicz afirmou ainda que em razão da estiagem e da captação da água ocorrer já em nível de banhado, a Casan precisa muitas vezes fazer um tratamento mais avançado, para eliminar odores. Em relação à água de coloração esbranquiçada, Cleone explicou que é água pressurizada, que são microbolhas, e que se deixar a água parada por um minuto ela fica transparente e as bolhas somem.
ENCAMINHAMENTOS
Ao final da audiência, a proponente do evento, vereadora Maria Tereza Capra, anunciou alguns encaminhamentos pós-audiência pública: entrega de um relatório sobre a audiência à Casan; conversa da chefia da Casan com os servidores que atendem à população, para verificar como está o atendimento e se possível melhorá-lo; encaminhamento de um pedido formal da Câmara para a Casan ampliar seu quadro de servidores; busca de recursos em níveis estadual e federal para investimentos da Casan; disponibilizar caminhões pipa para que as pessoas recebam água em locais de difícil acesso; e manter aberto o diálogo com a população sobre o tema.
A audiência pública pode ser assistida na página da Câmara no Facebook. Mais fotos do evento podem ser conferidas no álbum.
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A natureza, o maior corpo vivo do planeta, avisou que não suportaria tamanha violência.
Quem paga o preço pela falta de água neste momento em que a pandemia avança para a segunda onda no Brasil, são os empobrecidos. Em São Miguel do Oeste, o contágio pelo novo coronavírus desde final de outubro, aporta um índice de mais de 10 casos diários divulgados, um número expressivo para um município interiorano. Somado a isso, as pessoas não têm água para higienizar-se, pois, faltam políticas públicas e debates com participação popular. Enquanto o agronegócio avança, pessoas idosas e doentes passam dias sem ter água para banho, preparação dos alimentos e limpeza básica.
Assista o depoimento de uma das moradoras de São Miguel do Oeste:
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