Por Pedro Moreira, de Jerusalém, especial para a Fórum.
Em um gesto controverso e inédito na diplomacia, o Presidente Jair Bolsonaro visitou o Muro das Lamentações, local sagrado para o Judaísmo, acompanhado do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu.
Os dois se aproximaram do muro de pedras de 19 metros de altura, baixaram a cabeça e permaneceram em posição de oração por alguns instantes. Bolsonaro também inseriu um papel em uma das fendas existentes entre as pedras. É uma tradição colocar bilhetes com pedidos ou orações por entre as rochas que compõem do muro milenar.
Esta é a primeira vez que um primeiro-ministro de Israel acompanha um chefe de governo estrangeiro no local, desde a anexação de Jerusalém Oriental pelo país, em 1967.
A possibilidade do compromisso ocorrer havia sido antecipado pela assessoria de imprensa do Itamaraty no último sábado (30).
A Praça do Muro, grande área aberta que fica em frente ao local sagrado, foi fechada ao público na manhã desta segunda-feira (1°) e só deve ser aberta no final da tarde, após a visita. Apenas uma pequena parte do muro ficou acessível aos visitantes, que enfrentam uma longa fila.
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Um forte esquema de segurança foi montado, com grades de ferro e tendas fechadas para abrigar as autoridades. De acordo com os seguranças e profissionais de imprensa que estão no local, estrutura semelhante só havia sido montada quando Benjamim Netanyahu acompanhou o Secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeu, e o embaixador estadunidense para Israel, David Friedman, em 21 de março deste ano.
O primeiro ministro israelense e o presidente brasileiro seguem, agora, para o local chamado de Túneis do Muro. Uma escavação arqueológica cuja entrada fica ao lado daquele, mas que se estende pelo subsolo do quarteirão muçulmano da Cidade Velha. Caso essa etapa da agenda se concretize, como parte da visita oficial a Israel, poderá gerar ainda mais reação do mundo árabe.
O gesto pode ser interpretado pela comunidade internacional e, sobretudo, pelos palestinos, como o reconhecimento da soberania israelense naquele local.
Nesse domingo (31), o porta-voz da presidência, Octávio Rêgo Barros, afirmou que “o presidente não está analisando essa visita sob qualquer aspecto que não apenas o emocional, o religioso. Lá ele depositará, naturalmente, os seus desejos, as suas orações. E assim nós devemos compreender essa ida ao Muro das Lamentações”.
O ponto mais sagrado para os judeus fica na parte oriental de Jerusalém e, portanto, em um território ocupado ilegalmente por Israel, de acordo com as resoluções da ONU.
Localização sensível
Por causa de sua localização sensível, raros são os chefes de governo e autoridades de alto escalão estrangeiras que visitam o Muro das Lamentações, sobretudo em visitas oficiais. Quando o fazem, a iniciativa costuma constar de um momento “particular” da agenda, sem o acompanhamento de autoridades israelenses, nem mesmo por diplomatas de alta patente.
Trata-se de um protocolo diplomático, considerado padrão em uma região conflituosa e sensível ao menor dos gestos, que nem mesmo o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ousou desrespeitar.
Na visita oficial que fez a Israel em maio de 2017, Trump visitou o Muro das Lamentações sem estar acompanhado de autoridades de alto escalão israelenses. Mesmo assim, foi o primeiro presidente americano no exercício do mandato a visitar o local sagrado desde 1967.
A partir daquela ocasião, a tradição vem sendo quebrada pouco a pouco, principalmente por autoridades americanas. Em dezembro de 2018, Netanyahu acompanhou o embaixador dos Estados Unidos em Israel, David Friedman, em uma cerimônia no Kotel, como é chamado o muro pelos judeus, que marcou um ano do reconhecimento de Jerusalém como a capital de Israel por Donald Trump. Foi a primeira vez que o primeiro-ministro esteve no muro com um diplomata daquela importância.
Ainda em 2018, o ministro das Relações Exteriores da República Tcheca visitou o muro com o embaixador de Israel em Praga. E o presidente da Ucrânia esteve no local com o embaixador de Israel em Kiev.
Em janeiro deste ano, o Conselheiro de Segurança da Casa Branca, John Bolton, esteve no Muro das Lamentações e no sítio arqueológico conhecido como Túneis do Muro, acompanhado pelo homólogo israelense.
Perguntados pela reportagem da Fórum se havia ocorrido alguma tratativa com autoridades palestinas ou de países árabes para que o Presidente visitasse o Muro das Lamentações e, também, a Igreja do Santo Sepulcro (que também fica em Jerusalém Oriental), os assessores disseram que não.
O Muro das Lamentações, segundo a tradição judaica, é o que restou do muro de arrimo que se situava aos pés do platô sobre o qual estava o Segundo Templo, construído pelo Rei Herodes e que foi destruído pelos romanos no ano 70 d.C. A destruição do Segundo Templo marcou a expulsão do povo judeu e o início da diáspora de dois mil anos.
Desde que capturou Jerusalém Oriental, na Guerra dos Seis Dias, em 1967, Israel tem controle absoluto dessa porção da cidade. Mesmo os locais sagrados de outras religiões, como a Igreja do Santo Sepulcro, dos cristãos, e a Alameda das Mesquitas, dos mulçumanos, que, em tese, têm a administração compartilhada, estão sujeitos ao controle de acesso das autoridades de segurança de Israel.
Não são raros os episódios de agitação causados por desentendimentos entre a Polícia israelense e praticantes do Islamismo, por exemplo, provocados por bloqueios temporários de acesso aos locais de oração.
Túneis
Na sequência, o primeiro ministro israelense e o presidente brasileiro seguiram para o local chamado de Túneis do Muro. Uma escavação arqueológica aberta à visitação cuja entrada fica ao lado do Muro, mas que se estende pelo subsolo do quarteirão muçulmano da cidade antiga. Por essa razão, essa etapa da agenda poderá gerar ainda mais reação do mundo árabe.
Os dois mandatários acompanharam uma oração em hebraico em uma sinagoga existente dentro dos túneis. Bolsonaro também assinou o livro de visitantes do local.