Segundo o IBGE, a taxa de desocupação (6,8%) no trimestre encerrado em julho último recuou 0,7 ponto percentual, em relação ao trimestre anterior e caiu 1,1 ante o mesmo trimestre móvel de 2023 (7,9%). A boa notícia é que essa foi a menor taxa de desocupação para um trimestre encerrado em junho na série histórica da PNAD Contínua, iniciada em 2012, ou seja, em 12 anos. A população desocupada, que é ainda é muito alta (7,4 milhões), representa o menor contingente de desocupados desde o trimestre encerrado em janeiro de 2015.
Além da taxa de desocupação, o IBGE mede também a taxa composta de subutilização, que é obtida através da soma da taxa de desocupação, somada à subocupação por insuficiência de horas trabalhadas e à força de trabalho potencial (pessoas de 14 anos ou mais de idade que não estavam ocupadas nem desocupadas na semana de referência, mas que possuíam um potencial de se transformarem em força de trabalho). Essa taxa, ainda bastante elevada (16,2%), é a menor taxa para um trimestre encerrado em julho, desde o início da série histórica em 2012. Da mesma forma, a população subutilizada, que soma ainda uma multidão de 18,7 milhões de pessoas, também foi a menor desde o trimestre móvel encerrado em dezembro de 2015, quando havia 18,6 milhões de pessoas subutilizadas.
A leitura dos dados da pesquisa revela que todos os indicadores do mercado de trabalho, no período analisado, melhoraram, mesmo que modestamente, ou estão em uma inclinação de melhoria. Porém, ao mesmo tempo, um olhar mais cauteloso para as informações do mercado de trabalho revela a fragilidade desses mesmos indicadores. Por exemplo, o rendimento real habitual de todos os trabalhos (de R$ 3.206), apesar de ter crescido 4,8% em um ano, é muito baixo, se compararmos com o custo de vida. Isso fica evidente, por exemplo, pela comparação com o Salário Mínimo Necessário, calculado pelo Dieese, para os gastos de uma família composta de quatro pessoas em julho, de R$ 6.802,88 ou 4,82 vezes o salário-mínimo de R$ 1.412,00.
Os dados da PNAD-IBGE, ao mesmo tempo em que mostram o potencial de crescimento da economia e a capacidade de resposta do mercado de trabalho nacional mostram também suas fragilidades. É difícil a economia deslanchar com juros Selic de 10,50%, o que configura uma taxa real de juros de 7%, a segunda do mundo, abaixo somente da taxa da Rússia, país que enfrenta uma guerra. Essa é a taxa básica, os juros da dívida de pessoas físicas, estão acima de 50%, para uma inflação acumulada inferior a 5%. Juros reais nesta magnitude impedem o crescimento da demanda das famílias na economia.
A taxa média de juros para as empresas está em torno de 23%, o que praticamente inviabiliza o investimento produtivo. Quem dispõe de Capital, o destina para papeis da dívida pública, faturando, 7% após descontada a inflação. Poucos investimentos produtivos oferecem um retorno destes, e sem precisar contratar trabalhadores, adquirir matérias-primas, e vender o produto ou serviço. Isso explica em boa parte porque a economia brasileira vem fazendo “voos de galinha” há décadas.
É necessário sempre lembrar que crescimento econômico nos países subdesenvolvidos não é questão meramente técnica. É ilusão imaginar que os países atrasados tenham total liberdade para tomar decisões de crescimento. O Brasil sofreu um golpe de Estado recentemente, exatamente pelas políticas econômicas adotadas por governos progressistas, ainda que extremamente moderados. Uma das motivações do golpe, por exemplo, foi a aprovação da Lei de Partilha, que objetiva reter uma parcela maior da renda petroleira no Brasil, a partir da descoberta das reservas existentes na camada de pré-sal.
Aliás, o agravamento da crise econômica mundial, e a perda de espaço geopolítico dos EUA no mundo, tornou essa “marcação” sobre os subdesenvolvidos ainda mais dura. Como os EUA perdem espaço no mundo de forma muito célere, apertam seu controle na América Latina, que consideram seu “quintal”. Quem tiver dúvidas sobre isso, estude com atenção os dados da mais recente tentativa de golpe na Venezuela, utilizando uma das extremas direitas mais fascistas do mundo.
O fenômeno mundial intitulado financeirização, no caso da economia brasileira pode ser traduzido em números muito concretos. O custo anual do programa Bolsa Família, que livra 56 milhões de brasileiros da fome absoluta, é de R$170 bilhões. O gasto anual com a NIB (Nova Indústria Brasil), política industrial do governo – considerando que o investimento será de R$300 bilhões em três anos – é de R$100 bilhões, para o desenvolvimento de uma política estratégia para o país, sob qualquer ângulo que seja observada. Ao mesmo tempo, os juros nominais do setor público consolidado, no acumulado em doze meses até maio, chegaram a R$781,6 bilhões (7,04% do PIB).
Fala-se em pagamento de juros e amortizações, porém, apesar de ser destinado 6% ou 7% do PIB todo ano para pagamento de juros, a dívida só cresce. Ou seja, a amortização da dívida não passa de uma fantasia. A Dívida Bruta – que abrange Governo Federal, INSS e governos estaduais e municipais – atingiu 76,8% do PIB, e equivalente a R$8,5 trilhões. Os credores preservam esse estoque de dívida porque ele representa uma verdadeira “galinha dos ovos de ouro”. Não lhes interessa que a dívida seja paga, ou seja, não querem matar a galinha. Os gastos com juros da dívida em 12 meses, de R$781,6 bilhões, equivalem a mais de 83% dos investimentos previstos com a Previdência para 2024.
Curiosamente, todo o foco das críticas da imprensa comercial e dos economistas ortodoxos são os gastos primários do governo, com saúde, educação e infraestrutura nacional, cujos orçamentos somados, aliás, são inferiores aos gastos anuais com a dívida pública. Como o governo não tem força para enfrentar os rentistas, é forçado a realizar acrobacias para gastar um pouquinho a mais com combate à pobreza ou com políticas estratégicas, como a política industrial. Mas o problema central das contas públicas, simplesmente não é enfrentado: a dívida continua sendo paga normalmente, como se fosse uma determinação divina.
O encaminhamento do crescimento e da distribuição de seus frutos, implica na retomada do papel que foi retirado do Estado brasileiro, nas últimas décadas. Mas o Estado hoje, em boa parte, é um gerador de lucros para o capital parasitário, através do mecanismo da dívida pública, como descrito. O que ainda torna a situação, por enquanto, relativamente acomodada, é que a inflação está no momento sob controle (menos de 5% em 12 meses), e o câmbio se mantem relativamente estável, em boa parte em função das reservas externas acumuladas há mais de uma década e que hoje estão em US$355 bilhões.
O governo Lula conseguiu encaminhar algumas pautas importantes, sem entrar em trajetória de colisão com os setores dominantes do empresariado. Isso revela, por um lado, a própria natureza da coalização ampla, mas também um governo extremamente pressionado, que não conseguiu encaminhar medidas que realmente fariam a diferença para a maioria da população. Por exemplo, não foram desenvolvidas ações política para a reestatização da Eletrobrás, cuja privatização foi um verdadeiro crime de lesa pátria. Uma Eletrobrás pública é fundamental para a oferta de energia a preços compatíveis e para a retomada da indústria no país, uma das metas do governo Lula, convertida inclusive em políticas concretas, que, no entanto.
Em plena nona economia do mundo, e no país que detém algumas das maiores reservas de riqueza do globo, mais de um quarto da população depende do Bolsa Família, para não passar fome. É um contexto, cuja alteração requer medidas vigorosas de redução da pobreza, na melhoria dos salários e no processo de “reindustrialização”. Resta saber quando tais ações serão possíveis, com o Estado nacional transferindo, todo ano, 5%, 6%, do PIB, ou mais, para um grupo minúsculo – mas muito poderoso – de rentistas e especuladores.
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