Em 2022, quatro em cada cinco pessoas resgatadas em trabalho análogo à escravidão eram negras

Secretaria do Ministério do Trabalho e Previdência divulgou nesta semana dados sobre o perfil das vítimas em alusão ao Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo (28)

Auditores fiscais durante uma ação de fiscalização.
Reprodução/ Rede Brasil Atual

Por Fernanda Rosário e Nadine Nascimento, Alma Preta Jornalismo. 

Durante o ano de 2022, a Inspeção do Trabalho resgatou 2.575 pessoas de condições de trabalho escravo em um total de 462 ações de fiscalização realizadas no ano passado no Brasil. Segundo os dados divulgados pela Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, 83% das pessoas resgatadas se autodeclararam pretas ou pardas, 15% brancas e 2% indígenas.

Houve um aumento de cerca de 31,4% das pessoas encontradas em situação de trabalho escravo em comparação com o ano de 2021, que teve 1.959 pessoas resgatadas dessas condições.

“O resgate tem por finalidade fazer cessar a violação de direitos, reparar os danos causados no âmbito da relação de trabalho e promover o devido encaminhamento das vítimas para serem acolhidas pela assistência social”, explicou o auditor fiscal do Trabalho Maurício Krepsky, chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae), em informações do Ministério do Trabalho e Previdência.

De acordo com dados do seguro-desemprego pagos aos trabalhadores resgatados, 92% deles são homens, sendo que 29% tinham entre 30 e 39 anos. Além disso, 51% residiam na região nordeste e outros 58% eram naturais dessa região. Em relação à escolarização, 23% dos resgatados declararam ter estudado até o 5° ano incompleto, 20% haviam cursado do 6° ao 9° incompletos e 7% se declararam analfabetos.

Segundo o Ministério do Trabalho e Previdência, há ações ocorridas em 2022 ainda em andamento, por isso o quantitativo de 2.575 de pessoas encontradas em condições de trabalho escravo contemporâneo ainda pode ser atualizado ao longo de 2023.

Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo

Os dados foram divulgados nesta semana pela Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Previdência em alusão ao 28 de janeiro, data conhecida como Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo.

A data foi instituída pela a Lei nº 12.064, de 29 de outubro de 2009, em homenagem aos auditores fiscais do trabalho Eratóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva e ao motorista Aílton Pereira de Oliveira, que foram assassinados em uma ação de fiscalização em fazendas no ano de 2004 em Minas Gerais. O episódio ficou conhecido como Chacina de Unaí.

Além da data, a Lei nº 12.064 também prevê a Semana Nacional de Combate ao Trabalho Escravo com objetivo de chamar a atenção da sociedade para o problema no país e mobilizar ações para exigir a sua erradicação.

Durante o período eleitoral de 2022, Lula foi um dos candidatos a assinar a carta-compromisso contra o trabalho escravo, documento que pediu aos candidatos que estabelecessem como prioridade o combate a esse crime em seus governos.

No Senado, há proposições em tramitação que buscam regulamentar as expropriações a quem se utiliza de exploração de trabalho escravo, segundo informações da Rádio Senado. Uma delas é de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS) e do senador Rogério Carvalho (PT/SE), onde se estabelece que as propriedades rurais e urbanas em que for identificada trabalho escravo serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário.

Crianças e imigrantes encontrados

Os dados divulgados revelam que 35 crianças e adolescentes foram encontrados submetidos a trabalho escravo. Do total de resgatados, 10 eram menores de 16 anos e 25 tinham entre 16 e 18 anos no momento do resgate.

O cultivo de café foi a atividade em que mais crianças e adolescentes foram resgatados (24%), tendo sido encontradas crianças e adolescentes em atividades esportivas, produção florestal, atividades de apoio à agricultura, cultivo de arroz, cultivo de coco-da-baía, criação de bovinos, fabricação de produtos de madeira, produção de carvão vegetal, cultivo de soja e confecção de roupas.

Além disso, o relatório mostra que 148 resgatados eram migrantes de outros países, o dobro em relação a 2021. Foram encontrados pelas equipes 101 paraguaios, 25 bolivianos, 14 venezuelanos, quatro haitianos e quatro argentinos.

O auditor fiscal Maurício Krepsky explica que, até o meio deste ano, será feito um novo estudo pela Detrae para que sejam divulgados dados de quantos desses imigrantes são vítimas de tráfico de pessoas. O estudo será divulgado no radar do tráfico de pessoas no Portal da Inspeção do Trabalho.

Locais e atividades dos trabalhos análogos à escravidão

Segundo o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), que realizou 32% do total das ações fiscais, ainda foram encontrados trabalhos análogos à escravidão em 16 dos 20 estados onde ocorreram ações. Apenas nos estados de Alagoas, Amazonas e Amapá, mesmo fiscalizados, não foram constatados casos de escravidão contemporânea em 2022.

“Nos estados em que não foram encontrados trabalhadores em condições análogas à escravidão não significa para a Inspeção do trabalho que ali não há trabalho escravo. Isso também nos alerta para que a gente possa reavaliar novas ações, ver se os canais de denúncia estão sendo bem divulgados e investir mais em planejamento de inteligência fiscal”, destaca Maurício Krepsky, chefe da Detrae, à Alma Preta Jornalismo.

O estado com mais flagrantes de trabalho escravo foi Minas Gerais, com 117 ações fiscais em estabelecimentos, tendo 1.070 trabalhadores resgatados. Em seguida estão Goiás, com 49 estabelecimentos fiscalizados e 271 trabalhos encontrados, e Bahia, com 32 ações fiscais e 82 pessoas resgatadas.

De acordo com informações do Ministério do Trabalho, o maior resgate de trabalhadores ocorreu em Varjão de Minas/MG, onde 273 trabalhadores foram resgatados de condições degradantes de trabalho na atividade de corte de cana-de-açúcar.

Do total das ações fiscais, 73% delas ocorreram na área rural, setor que também contribuiu com 87% dos resgates.

Sobre as atividades econômicas rurais em que os trabalhadores foram encontrados: 362 pessoas foram resgatadas no cultivo de cana-de-açúcar, 273 em atividades de apoio à agricultura, 212 na produção de carvão vegetal, 171 no cultivo de alho, 168 no cultivo de café, 126 no cultivo de maçã, 115 em extração e britamento de pedras, 110 na criação de bovinos, 108 no cultivo de soja, 102 extração de madeira e 68 na construção civil.

No meio urbano (27% das ações fiscais), foram resgatados 210 trabalhadores, com 68 nas atividades da construção civil, 63 em restaurantes e 39 em confecção de roupas. Já no trabalho escravo doméstico, foram encontradas pela fiscalização 30 pessoas, em 15 unidades da federação, com maior foco na Bahia, que teve 10 casos. Paraíba, Minas Gerais, São Paulo e Pernambuco tiveram três casos em cada estado.

“Em razão da grande repercussão do resgate da trabalhadora doméstica, Madalena Gordiano, no final de 2020 em Patos de Minas/MG, o número de denúncias aumentou em todo país, o que levou a Inspeção do Trabalho a aumentar a fiscalização nesse setor com o objetivo de verificar possível situação de escravidão contemporânea em ambientes domésticos rurais e urbanos, sendo que essa situação foi encontrada em 29 ações dentre as 43 realizadas em 2022”, explicou Krepsky em publicação do Ministério do Trabalho.

As ações de fiscalização resultaram em mais de R$ 8 milhões em direitos trabalhistas pagos aos trabalhadores resgatados no meio urbano e rural.

Denúncia

As denúncias de trabalho análogos à escravidão são recebidas de forma remota e sigilosa pelo Ministério do Trabalho e Emprego pelo Sistema Ipê, plataforma lançada em 2020 em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“O Sistema Ipê realmente ajudou a aproximar a sociedade da Inspeção do Trabalho. A cada ano, o Ipê registra um número maior de denúncias recebidas”, finaliza Maurício Krepsky.

Os dados oficiais das ações de combate ao trabalho análogo ao de escravo no Brasil também podem ser conferidos no Radar do Trabalho Escravo da SIT.

 

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