Por Henrique Rodrigues.
Elza Soares era uma mulher que peitava a vida. Sem tempo para lamentos e para temer, a mulher negra e favelada que saiu do subúrbio carioca para ser a diva da música brasileira precisou enfrentar o medo e resistir durante toda sua longa existência. No campo político não foi diferente.
Durante uma entrevista ao humorista Fábio Porchat, em 2018, ela revelou um episódio ocorrido durante os tempos sombrios da Ditadura Militar (1964-1985). Elza, ainda que não tenha revelado os motivos, contou que sua casa, no elegante bairro do Jardim Botânico, no Rio, foi metralhada por agentes do regime. Um segurança disponibilizado pelo Botafogo, clube no qual jogava Mané Garrincha, seu marido à época, ficou ferido no braço e um piano que ficava na sala, onde estavam os filhos pequenos, ficou destruído pelas rajadas. Ela e o companheiro precisaram fugir para a Itália, onde foram recebidos por Chico Buarque de Hollanda.
“Nós estávamos dentro da casa (na hora do ataque). Eu morava no Jardim Botânico e brincava com as crianças na rua. Depois, entramos e começamos a ouvir um barulho de tiroteio. Minha casa foi toda baleada. Fiquei completamente apavorada por causa dos filhos, das crianças. Eu tinha um piano na sala e o piano foi aberto no meio”, relembrou a artista.
Como o programa foi realizado próximo do período eleitoral de 2018, quando a onda conversadora que varreu o país levou Jair Bolsonaro à Presidência, Fábio Porchat perguntou então o que ela pensava das pessoas que pediam uma nova ditadura no Brasil. Elza foi enfática na resposta.
“Que horror! Um horror! Ninguém pode dizer isso. Eu ouço o Cazuza… ‘Eu vejo o futuro repetir o passado’. Nada mudou, né?” Passei por tudo isso e acho que a gente tem que ter muito medo. Medo não, coragem. Porque tudo passa”, disparou Elza.
Protesto no Rock in Rio
Em 2019, para uma multidão que acompanhava sua apresentação no Rock in Rio, um dos maiores festivais musicais do planeta, Elza Soares mandou um recado bem direto a Bolsonaro e, ao final, puxou um coro de “ei, Bolsonaro… vai tomar no cu”.
“Esse povo sofrido, que sonha com um lugar melhor para viver. Sonha, mas é preciso acordar, minha gente! Lutar! Gritar, ir para as ruas, aprender a votar! Nós não sabemos. Vamos para as ruas, vamos buscar os nossos direitos. Esse Rio de Janeiro acabado, esse Rio de Janeiro completamente distorcido. Cadê o povo? Cadê a voz da gente? Cadê as mulheres? Somos faladeiras, vamos falar até não aguentar mais”, gritou a musa, puxando a multidão para as palavras de ordem contra o presidente extremista.
Na mesma apresentação houve tempo ainda para que ela discursasse em defesa das mulheres e contra a violência de gênero, usando um bordão de protesto contra Bolsonaro bastante conhecido também.
“Mulheres, a história agora é outra. Gemer, só de prazer. Chega de sofrer calada! Denuncie, por favor. É 180 (número da Central de Atendimento à Mulher) neles! Machistas não passarão! E não é não!”, disse para o público.
Bolsonaro na ONU
Na passagem de Bolsonaro por Nova York em setembro do ano passado, para a abertura da 76ª Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), oportunidade em que o presidente radical deu um show de vexames e incivilidade, se negando a apresentar passaporte vacinal e comendo pizza com a mão no meio da rua, Elza também disparou críticas a ele, desta vez pelas redes sociais.
“Ei, psiu, somos sócios da empresa chamada Brasil, sabia? Pois é! Os altos impostos que pagamos bancam viagens luxuosas, hotéis, avião e até pizza em dólar nas ruas de NY. Uma fortuna pra passar vergonha perante o mundo. Queiram ou não, somos patroas e patrões deles. Vamos cobrar!”, escreveu Elza em sua conta no Twitter.
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