Por Claudia Weinman, para Desacato. Info.
Eliezer Antunes de Oliveira. Quando a gente lê esse nome, parece ouvir “ele” falar, porque é dessa maneira que as poesias de resistência do Eliezer chegam até nós. Sempre descrevendo realidades, falando sobre os “ninguéns”. Seus versos misturam-se com as histórias da Vila onde mora, em São Miguel do Oeste/SC. “Comecei a escrever meus primeiros versos aos meus 14 anos. Escrevo porque um simples olhar não basta, é preciso descrevê-lo”.
Esse menino, que hoje tem 21 anos de idade, encontra na poesia uma maneira de conversar com as pessoas, com as realidades, especialmente a sua, que tem semelhança com a de tantos jovens, meninos e meninas de periferia. A Vila Nova I, onde mora, é um dos lugares onde as palavras mais despontam e chegam até o papel, transformam-se em versos e chegam até nós, com a tenacidade de palavras que enfrentam, defendem-se e desvelam. “Os poemas e poesias falam da vida, estrelas, flores, amor, estações e crítica pelas ações dos seres humanos para com a casa comum, falam de luta e também de resistência”, conta.
Quando perguntamos ao Eliezer sobre como ele percebe o seu arredor ao transformá-lo em poesia, ele responde com as inquietações que envolvem a sua vida. Fala de seus sonhos mas também, reage enfatizando que a poesia de resistência perpassa os interesses e vontades individuais. “Minha realidade é de felicidades, indignações e muita luta para (sobre) viver. Na comunidade pobre onde moro, o povo está sempre sorrindo apesar de ser abandonado historicamente pelo poder público, por isso das indignações, pelo fato de sermos esquecidos, somos os “ninguéns” que Eduardo Galeano escreveu”, responde já complementando: “É importante que a gente escreva palavras de luta do nosso povo que é trabalhador, que batalha todos os dias. A maioria vai para o trabalho muito cedo e volta tarde, é esse o povo que é discriminado, marginalizado e sofre preconceitos todos os dias, é batalhador, lutador, é desses que me refiro nos versos”.
Nessas palavras que movimentam-se por aqui e por ali, perguntamos ao Eliezer qual poema seria o mais contundente, ou enraizado com as causas que ele também defende junto ao coletivo da Pastoral da Juventude do Meio Popular e Pastoral da Juventude Rural. Então surgem os versos da poesia: “Quem são vocês?”, que questionam a mídia, falam dos covardes do sistema, do proletariado cansado de tanto sofrer, dos povos humilhados pela imprensa, do sistema que defende os opressores.
Para encontrar os escritos do Eliezer, basta acessar pelo link, o site www.cosmonautas.com.br. Para os companheiros/as, o menino, de 21 anos de idade, exibe algumas páginas de poesia, que foram impressas e encadernadas. “Acredito que publicar um livro é algo extraordinário e se acontecer vai ser bom, nunca tive esse sonho, o que sempre desejo e vive na minha imaginação é continuar espalhando para o maior número de pessoas”, então, ele sonha em publicar, mas por enquanto, até que essa oportunidade aparece, segue brincando com as palavras, com seriedade vai cuidando delas e isso já o torna esse grande poeta da resistência.
A poesia, na íntegra:
Quem são vocês?
Quem são vocês que pregam ódio achando ter razão?
Quem são vocês que distorcem os fatos na televisão?
Quem são vocês covardes que estão matando a nação?
O proletariado com os braços cansados, os índios com indignações, órgãos oficiais burocratizam as demarcações!
Zona periférica sem saída, indignada com a falta de respeito, sua cultura é pouco valorizada, na mídia ridicularizada!
Só sensacionalismo, nos jornais, nas revistas, difícil falar de amor nesse sistema que domina, que defende o opressor!
Quem são vocês que sangram flores, que destroem sonhos e provocam dores?
Defender um lado é virar alvo. E quem nada defende? É cúmplice, oprime e ofende!
Mas quem são vocês que defendem a liberdade de expressão?
Se ao expressar minhas dores sinto a repressão! A voz presa na garganta é o maior grito de dor, sem expressar-se perde-se na história o pensador!
O medo não é do aumento salarial, e sim da consciência acordar, pois o importante é ter mais-valia, perder as terras e os meios de produção é o que teme a burguesia!
Mas quem são vocês que defendem um Estado forte? Meu povo não precisa de violência, mas de suporte!
Vivemos ocultados, massacrados, eliminados por um Estado fortemente armado!
Somos vistos na mídia tradicional indo pra prisão, minha classe nesse momento ganha atenção, e é quase sempre a mesma cor. Quase sempre um cabelo crespo.
Sendo algemado por maioria cuja pele é branca! Julgado por um tribunal bem claro! Condenado como no passado.
Negam vaga de trabalho, vagas sempre tem, mas pra favela é escasso! Pedem boa conduta, se não tem passagem dispensam pela localidade!
Atiram adjetivos que não deveriam sair do dicionário, preconceito aumenta se for ex-presidiário.
Falta de oportunidade é crueldade produz miséria, maldade! Pra quê diminuir a idade penal?
Se isso resolvesse a criminalidade, nos Estados Unidos estariam livre desse mal, mas lá como em outros países não acabou esse problema social, global!
O Estado em casa esquina vem cobrando nossos deveres, mas esquece de dar suporte, só sabe usar chicote!
Esquece de dar saúde, modificam geneticamente tudo, e quando explodimos querem nos deixar mudos!
Onde está a constituição? Deve estar no bolso de algum patrão!
(Eliezer A. de Oliveira)
Neste vídeo, um fragmento dessas inquietações que são do Eliezer, mas pertencem a tantas outras gentes também.