No dia em que o ocidente se preocupava com o “fim do mundo maia”, os zapatistas reapareceram em várias cidades do estado de Chiapas, México, numa impressionante marcha silenciosa de 40 mil mascarados, sem armas. Levaram as tábuas, montaram um palanque, em cada praça, desfilaram por cima do próprio palanque, desmontaram o palanque, levaram-no com eles e novamente desapareceram.
Assistam a seguir: A Marcha do Silencio (a mensagem dos maias) – México 21/12/2012
Dizem os de cima:
“Nós mandamos. Somos mais poderosos, ainda que em menor número. Não nos importa o que vocês digam-escutem-pensem-façam. Sempre serão mudos, surdos, imóveis”.
Podemos impor como governante alguém medianamente inteligente (ainda que já seja muito difícil encontrar gente assim entre os políticos profissionais), mas elegemos alguém que nem consegue fingir que sabe do que se trata.
Por que fazemos? Fazemos porque podemos.
Podemos usar o aparato policial e militar para perseguir e encarcerar os verdadeiros delinquentes, mas esses criminosos são parte vital de nós mesmos. Em troca, escolhemos perseguir vocês, golpear vocês, prender vocês, torturar vocês, assassinar vocês.
Por que fazemos? Fazemos porque podemos.
Inocente ou culpado? E a quem importa se você é um ou outro? A justiça é uma puta a mais em nossa agendinha de contatos e, acredite, não é a mais cara.
E ainda que você faça ao pé da letra como o molde que impomos, ainda que você não faça nada, ainda que você seja inocente, esmagaremos você.
E se você insiste em perguntar por que o fazemos, te respondemos: Fazemos porque podemos.
Isso é ter Poder. Muito se fala em dinheiro, riquezas e essas coisas. Mas acredite: o que excita os de cima é este sentimento de poder decidir sobre a vida, a liberdade e os bens de qualquer um. Não, o poder não é o dinheiro: é o que quem tem dinheiro pode ter. O Poder não é só o exercício impune do poder. Poder é também exercitar impune e irracionalmente o poder. Porque ter o Poder é fazer e desfazer, sem mais motivos que ter poder.
E não importa quem apareça à frente, a nos ocultar. Isto de direita e esquerda são só referenciais para que o chofer estacione o carro. A máquina funciona por si só. Sequer temos de mandar que se castigue a insolência de nos desafiar. Governos grandes, médios e pequenos, de todo o espectro político, além de intelectuais, artistas, jornalistas, políticos, líderes religiosos, disputam o privilégio de nos bajular.
E você? Você que se dane, que se foda, que apodreça, que morra, que se desiluda, que se renda.
Para o resto do mundo você não existe, você é ninguém.
Sim, temos semeado o ódio, o cinismo, o rancor, a desesperança, o senso teórico e prático de foda-se-o-mundo, o conformismo do “menos pior”, o medo transformado em resignação.
Entretanto, tememos que isto se transforme em raiva organizada, rebelde, sem preço.
Porque o caos que impomos, nós o controlamos, o administramos, o dosamos, o alimentamos. Nossas “forças de ordem” são nossas forças para impor o nosso caos.
Porém o kaos que vem de abaixo…
Ah, esse… Os de cima não entendemos o que dizem, quem são, quanto custam os de baixo.
E são tão grosseiros, que já não mendigam, esperam, pedem, suplicam: só fazem exercer sua liberdade. Onde já se viu tamanha obscenidade?!
Este é o verdadeiro perigo. Gente que olha para o outro lado, que sai do molde, que quebra o rompe, que ignora o molde.
Querem saber o que nos tem rendido ótimo resultado? Este mito da unidade a todo custo. Entender-se somente com o chefe, dirigente, líder, caudilho, ou como se chame. Controlar, administrar, conter, comprar um/a é mais fácil que muitos. Sim, e mais barato. Ah… E as rebeldias individuais?! São tão comovedoramente inúteis.
Realmente um perigo, é que cada qual se organize em coletivo, grupo, banda, raça, organização, e ao lado dos seus comuns aprenda a dizer “não” e a dizer “sim”; e que façam acordos só entre eles. Porque o “não” deles é apontado contra nós, os que mandamos. E o “sim”… uf… o “sim”, deles, isto sim, é uma calamidade! Imagine que cada qual construa seu próprio destino, e decida o que ser e fazer. Seria o mesmo que declararem que os dispensáveis somos nós! Nós: os que sobramos, os que estorvamos, os desnecessários, os descartáveis, os que devemos ser encarcerados, os que devemos desaparecer.
Sim, sim, é um pesadelo. Só que, claro, agora é o nosso pesadelo. E como o mundo viraria coisa de mau gosto… Cheio de índios, de negros, de pardos, de amarelos, de vermelhos, de rastas, de tatuagens, de piercings, de rebites, de punks, de gótic@s, de chol@s,de skatistas, dessa bandeira do (A) tão sem nação para que se a possa comprar, de jovens, de mulheres, de put@s, de crianças, de idosos, depachucos, de motoristas, de campesinos, de operários, de manos, de favelados, de pobres, de anônimos, de… de outr@s. Sem espaço privilegiado para nós, “the beautiful people“… a “gente de bem” (se você ainda não entendeu)… Porque, você… Vê-se de longe que você não estudou em Harvard.
Sim, este dia seria noite para nós de cima… Se viraria o mundo de cabeça para baixo. E os de cima? O que faríamos?
Mmh… não havíamos pensado nisso. Pensamos, planejamos e executamos o que tínhamos de fazer para que nada acontecesse, mas… não, não previmos tal coisa.
Mas… se aconteceu… Bom… Nesse caso, pois…mmh… não sei… talvez procurássemos identificar culpados e, em seguida, sabe-se lá, talvez, não sei, um plano “B”. O problema é que, se já aconteceu, tudo já é inútil.
Acho que então os de cima recordaríamos aquele maldito judeu vermelho… não, Marx não, Einstein, Albert Einstein! Parece que foi ele quem disse: “A teoria é quando se sabe tudo e nada funciona. A prática é quando tudo funciona e ninguém sabe por quê.” No caso presente, os de cima combinamos a teoria e a prática: nada funciona; e ninguém sabe por quê.
É. Você tem razão: os de cima não obteríamos assunto, sequer, para uma risadinha. O senso de humor sempre foi patrimônio não expropriável. Não é uma pena?
Sim, sem dúvida: são tempos de crises.
Ei! Não vão tirar fotos? Pergunto, para nos arrumarmos um pouco, vestirmos algo mais apresentável. Nah, este modelito já o usamos em “Hola”[1] [história em quadrinhos mexicana]. Mas… pelo que conversamos, nota-se que você não passou do “libro vaquero” [da mesma história em quadrinhos mexicana].
Ah! Mal podemos esperar para contar a noss@s amig@s quem apareceu por aqui, para nos entrevistar, alguém tão…tão…tão…outro. Eles vão ficar encantados! E, bem… A entrevista vai nos dar um ar tão cosmopolita!
Não, claro que não temos medo dos de baixo. E quanto ao que profetizam… Ora! São só supertições, tão…tão…tão autóctones. Tão, tão… Região 4… Hahahahaha… Que ótima piada. Anotemos, para contar às crianças de cima.
Como? O quê? Não é profecia?!
Ah! É promessa…
(…) (som de titutata-tatatatá, do smartphone)
E o quê? Chamamos a polícia? Sim, para denunciar que veio alguém até aqui, para nos ver. Sim, imaginamos que fosse um jornalista ou algo assim. Veio tão…tão… tão outro! Não. Não nos fez nada. Não. Também não levou nada. Mas agora, que saímos para ir ao clube ver noss@s amig@s, vemos que pintaram algo no portão de entrada do jardim. Não. Os guardas não viram quem foi. Claro que foram fantasmas. Fantasmas não existem. Bom… Uma coisa pintada assim… com muitas cores… Não. Ninguém viu lata de tinta por perto… Como estávamos dizendo: uma coisa pintada com muitas cores. Negócio muito colorido, muito mano, muito outro, nada a ver com as galerias onde… O quê? Não, não. Não queremos que mandem patrulha alguma. Telefonamos só para saber se podem investigar e explicar que coisa é aquela, que pintaram na entrada. Sei lá! Parece um código. Ou coisa dessas línguas estranhas que os pobres falam. É. Uma palavra só. Ninguém sabe por quê, mas dá arrepios. Escreveram:
“MARICHIWEU!” [2]
(continuará…)
De qualquer lugar, em qualquer dos mundos, EZLN.
Planeta Terra.
Janeiro de 2013.
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Vídeos que acompanham esta postagem:
a) Pachuco
“Pachuco“, com a Maldita Vecindad y los Hijos del 5to Patio. Um video que, agora sim, é de uma perspectiva “de abaixo”, ou seja, do meio do tumulto. Moral da história: Não grave enquanto estiver no trampolim. E como vai, Maldita? Não seja tão previsível e chegue a um acordo. Ou o que? Você vai abandonar as pessoas à mercê dos Justin Biebers e outros? Okay então, um abraço daqui de Solin, porque todos vocês entenderam que as comunidades são a verdadeira Kalimán [3].
b) “Más por tu dinero”
Roteiro e direção de Yordi Capó. Guadalajara, México, Agosto de 2003.
c) “De ratones y gatos”
Desenhos animados baseados em palavras de Thomas C. Douglas (1904-1986).
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Notas de rodapé
[1] Revista “Hola” é a equivalente à Revista “Quem” no Brasil, que escreve sobre a vida das celebridades.
[2] Marichiweu é palavra mapuche. Significa: “Cem vezes venceremos!”
[3] Kalimán é mais uma antiga HQ mexicana. Solin era o ajudante de Kalimán.
Comunicado TRADUÇÕES, Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN)
Tradução revista pelo pessoal da Vila Vudu