Eleições estadunidenses no contexto da crise global. Por José Álvaro Cardoso.

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Por José Álvaro Cardoso.

Para entender o que está acontecendo no mundo, e no Brasil, é muito importante analisar o que acontece nos EUA, em função do peso da economia e da política estadunidense sobre o restante do mundo. Os EUA são a cabeça do imperialismo, que por sua vez é a maior força da Terra. Mesmo sem reconhecer o resultado, que ele diz ter sido fraudado a favor de Biden, Trump, 16 dias após sair o resultado, finalmente autorizou a Administração de Serviços Gerais (GSA) a iniciar os protocolos para a transição governamental. O processo, e o próprio resultado eleitoral das eleições gerais nos EUA, que foi bastante dividido, revelam a profunda crise do regime político norte-americano. O que aconteceu nessas eleições, o nível de polarização política, a ponto de o presidente estabelecido negar o resultado das urnas, talvez seja inédito na história dos EUA.

A candidatura de Joe Biden representou um amplíssimo espectro de forças da grande burguesia imperialista norte-americana: financistas, bancos internacionais, praticamente todos os banqueiros do mundo, grandes empresas internacionais, monopólios imperialistas, monopólios do petróleo, indústria armamentista, grande imprensa, e assim por diante. Todos apoiaram Biden, incluindo também as grandes empresas que dominam a internet. O candidato republicano foi abertamente censurado, inclusive, no Twitter, no Facebook e outras redes sociais. O Twitter chegou a colocar um aviso em todas as postagens de Trump alertando que a mesma poderia conter mentiras.

Das chamadas “Forças do Dinheiro”, praticamente todas apoiaram Biden, com exceção de um segmento minoritário do empresariado, ao que parece mais ligado ao capital nacional. Essa é uma informação chave. Por qual razão praticamente todas as forças direitistas (com exceção de um segmento mais fraco da burguesia), teriam apoiado esse candidato? É sabido que a realidade é complexa, os fenômenos têm uma aparência que pode ser enganosa. Mas neste caso parece não haver dúvidas de que Biden é o candidato do império e dos setores mais fortes do capital.

Joe Biden representa a engrenagem imperialista: máquina política, CIA, Pentágono, demais serviços de espionagem. Perante as forças que teve que enfrentar, Donald Trump é muito mais fraco. A força de Trump foi o expressivo número de votos, apesar do verdadeiro rolo compressor que montaram contra a sua candidatura. O resultado eleitoral bastante dividido, 77 milhões a 71 milhões, pode ser considerado surpreendente. Trump fez inclusive mais votos do que na primeira candidatura em 2016 (63 milhões). Isso, mesmo com todo o peso do extraordinário aparato político que montaram contra ele. Dentro do próprio país, numa eleição que estão acostumados a comandar, com controle dos principais meios de comunicação, tiveram muitas dificuldades para vencer e venceram por pouca margem.

A eleição norte-americana é dominada pelos dois grandes partidos, como se sabe. Mas, a parte mais essencial e representativa do Partido Republicano estava também apoiando o candidato do Partido Democrata. É o caso da família Bush, ligada ao petróleo e com grande influência no partido Republicano. O rolo compressor foi tão grande que influenciou até setores importantes do partido Republicano. Mas o fato é que, apesar desse imenso aparato montado pelos imperialistas, o resultado ficou longe de ser avassalador, a diferença de votos foi relativamente pequena, considerando a estrutura que montaram para vencer.

Apesar de Trump estar politicamente mais à direita, quem representa o imperialismo e a máquina de guerra estadunidense é Joe Biden. Evidente que Trump até 20 de janeiro representa formalmente o império americano. Porém o conjunto das forças imperialistas está reunido na outra candidatura. Isto confunde bastante a cabeça das pessoas, que ficam no dilema de apoiar a extrema direita fascista ou a Máquina de Guerra imperialista. Claro que esse é um falso dilema, não há necessidade de apoiar nenhum dos dois. Pessoas com pensamento crítico e independente, especialmente localizadas nos países subdesenvolvidos, diretamente prejudicados pela política imperialista, não tem necessidade de apoiar nenhum dos lados. Ao apoiar Biden, supostamente para não apoiar um fascista, se estará apoiando a força que mais mata pessoas ao nível internacional, que é o imperialismo norte-americano.

Mas o processo e o resultado eleitoral desnudaram uma profunda crise política do imperialismo. Para começar os EUA estão extremamente polarizados politicamente, já a algum tempo. Há protestos da população negra, dos pobres, há protestos da extrema direita, inclusive fascista. Se o país não conseguir controlar isso, a crise política na sociedade pode piorar. A grande mídia norte americana, ao criticar Trump por denunciar a fraude, porque estaria colocando em risco as instituições norte-americanas mostra que sentiu o golpe. O medo dos setores dominantes, inclusive, dentro e fora da mídia, é que as denúncias de Trump conduzam a população a um enfrentamento nas ruas. Existe o risco, até em face dos acontecimentos recentes em vários estados, por ocasião do assassinato do negro George Floyd, em abril último. As manifestações ocorridas neste ano, na intensidade que foi, não ocorriam desde a década de 1960.

Aquelas manifestações não vieram do nada. Mesmo usufruindo de todas as vantagens de ser o principal país imperialista da terra, os EUA enfrentam grandes contradições internas. O seu modelo de desenvolvimento gera grande desigualdade social. Pelo menos desde o governo de Ronald Reagan (1981/1989), o estado de bem-estar norte-americano, que já era fraco, foi sendo paulatinamente destruído. Se estima que atualmente existam mais de 40 milhões de pobres nos EUA. Cerca de 40% dos estadunidenses se queixam de que não conseguem cobrir despesas inesperadas com emergências, que ultrapassem 400 dólares.

O fato de que os EUA tenham um número tão grande de pessoas na condição de pobreza, representa uma verdadeira bomba relógio para o país. Uma sublevação dos trabalhadores dentro do país imperialista mais rico do mundo teria um efeito político, econômico e social, simplesmente devastador. Risco que deve ter influenciado a decisão dos EUA, há cerca de uma década, de “retomar” os governos da América Latina, totalmente para sua área de influência.

Há vários indícios que a reclamação de Trump, sobre irregularidades na eleição, tem fundamentos, pelo menos em parte. Por exemplo, o presidente se queixou da possibilidade de fraude, dos 64 milhões de votos pelos correios. Sobre isso o candidato chegou a publicar vídeos denunciando possíveis irregularidades. De fato, votos enviados pelos correios parecem ser mais fáceis mesmo de serem fraudados. Trump também atacou com as “pesquisas falsas” de alguns órgãos de imprensa que estavam apoiando Biden, que mostraram uma queda dele nas vésperas da eleição, de 17 pontos percentuais em Wisconsin, sendo que no dia da votação, a disputa mostra equilíbrio. Esse tipo de pesquisa de informação é uma espécie de fraude porque influencia muito o eleitor, como se sabe.

Aqui no Brasil a gente conhece bem esse tipo de manipulação. Os institutos de pesquisa, frequentemente induzem resultados. Nas vésperas da eleição vão se aproximando mais da realidade, às vezes na pesquisa de boca de urna. Esse tipo de ação é claramente uma manipulação dos resultados. E nos EUA, aconteceu isso mesmo.

Mas é importante entender que a eleição dos EUA vem no contexto de uma brutal crise do sistema capitalista. Os estrategistas do capital internacional manobram há anos para a economia voltar a ter um funcionamento “normal”. A política neoliberal em curso, que é a única resposta do imperialismo à crise, basicamente significa a destruição de forças produtivas, para tentar retomar os níveis de lucratividades anteriores ao surgimento da crise. Ao mesmo tempo essa política aumenta os níveis de exploração no mundo todo e destrói direitos sociais e trabalhistas. Aquilo que num primeiro momento é a solução da crise (destruição de forças produtivas e de capacidade de consumo da sociedade), no momento seguinte coloca a crise em patamar superior.

José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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