Eleições em Florianópolis: derrota garantida e um ganho possível

    Por Raul Fitipaldi.

    Relativizar a importância das eleições municipais em Florianópolis pode ser um sintoma de saúde política. Ao menos desde a perspectiva de quem sonha e se preocupa com a transformação da sociedade. Nada de novo pode nos oferecer a presente eleição. Nem decepciona, só confirma o que se poderia presumir seguindo a agenda dos partidos nos últimos anos, tanto em nível nacional como estadual. A verticalização nacional da política brasileira lembra experiências tristes que aconteceram no leste europeu e que findaram com a derrota da população, como principal vítima de erros de projeto e problemas de caráter dos líderes. Afortunadamente, não lembra ainda o ocaso presente da experiência democrática da União Europeia em frangalhos.

    Os candidatos locais são resultado dos acordos e dos projetos dos seus partidos, não é possível ter expectativas alheias a isso, e é lógico no atual sistema representativo. Florianópolis tem 3 candidaturas conservadoras, com nenhum espaço para ideias que possam desorganizar os interesses pétreos dos ricos da cidade e do empresariado. Nem na candidatura de César Souza Junior, nem na do Gean Loureiro pode haver a mínima ilusão de, sequer, uma humanização qualquer da ação institucional política. Fazer mais do mesmo e melhor para os interesses dominantes é a versão humanista desses candidatos. A candidatura desconhecida de Janaína Deitos defende os interesses mais radicais dos privatistas. Pátria Livre deve se interpretar como Empresa Livre numa Pátria Empresarial.

    No que deveria ser o arco da esquerda, só uma das candidaturas oferece perspectivas de vitória eleitoral, a de Àngela Albino, do PCdoB. Quanto mais se expressa a candidata mais longe fica de qualquer ideia de transformação. No entanto, esta candidatura é forte, pois tem o peso inegável do PT e do governo federal, e uma base treinada no corpo a corpo, no jogo de comitê, com base para carregar o piano. É uma aposta jovem e confiante, que se encontra ante uma possibilidade ímpar de administrar por “esquerda”, ao menos desde o governo da Frente Popular, encabeçado por Sérgio Grando. Se comparada a proposta com a que levou Grando ao paço municipal, ver-se-á que o compromisso com a transformação e as visões progressistas da “rara aliança” que acompanha ao PCdoB e o PT, é regressivo. O trânsito de jovens quadros importantes, mudando entre um para outro dos partidos maiores desta coligação, demonstra um pragmatismo forte à busca da vitória eleitoral, sem demasiada preocupação pelos princípios defendidos em tempos não muito distantes. Vistos de fora, PT e PCdoB, parecem um partido único, mais do que uma coligação. PCdoB e PT mais um montão de siglas desconhecidas formam um espécime progressista, que não supera o reformismo e mais, em algumas expressões da candidata, nos aproxima à contrarreforma.

    Há outras duas candidaturas à esquerda, Gilmar Salgado do PSTU e Elson Pereira do PSoL. Se for verdade que estas candidaturas não apresentam a frouxidão programática da candidatura de Albino, o certo é que não têm densidade eleitoral. O PSTU insiste em denunciar a democracia burguesa, mas participa dela como forma de apresentar seu programa, o que em eleição alguma significou o mínimo crescimento do partido, nem sequer, a compreensão do eleitorado do programa. Não é só a falta de máquina, é o projeto mesmo do partido que não consegue superar a grade testemunhal para ingressar na fase de viabilidade eleitoral, e isso também não se traduz num vínculo efetivo com um movimento social mais amplo, excetuando áreas sindicais muito precisas. Necessita, para ser opção, tomar uma decisão, que parece foi tomada pelo PSoL: ser mais um partido assimilado ao sistema, embora crítico. O PSoL se parece já ao PT da última década do século passado. Tem nomes importantes em nível nacional, com certa representatividade, especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo. Na cidade, inviável para a eleição majoritária, oferece seu quadro mais conhecido para a Câmara de Vereadores, numa tentativa de facilitar palco e estrutura para a legenda. O PSTU aposta em fórmula parecida para obter representação, colocando Joaninha de Oliveira, seu principal nome, para tentar a vereança. Caberia a essas siglas avaliar um vínculo mais efetivo com as bases da sociedade florianopolitana e seus trabalhadores, localizando-se em outros patamares da disputa democrática, entendo esta como bem mais ampla que o mero voto.

    De maneira que, a chance das ideias transformadoras se tornarem viáveis no Executivo Municipal é nenhuma. Quando muito podemos presenciar, com Angela Albino, alguma pequena reforma ao que já está posto, acrescentando compromissos de participação popular superficiais e que não mudem a correlação de forças entre ricos e pobres, como já foi o caso da superada experiência do Orçamento Participativo. A derrota de perspectivas eleitorais vitoriosas para a população que busca uma transformação do quadro atual é inevitável, não existem neste momento possibilidades de avanços, não se construiu acúmulo nessa direção, nem na sociedade organizada nem nos partidos ditos progressistas.

    Onde há perspectivas de ganhos neste processo? Sem otimismo exagerado, porém, de olho nisso, observamos que há diversos núcleos, grupos de pessoas democráticas e independentes, encontros de referentes sociais, organizações de jovens fora de partidos, e dinâmicos setores sociais excluídos que buscam outras respostas democráticas e pacíficas para as conjunturas e, sobretudo, para as emergências sociais. As questões que não aparecem de forma séria ou consistente nos programas: ocupação do solo urbano, transporte assegurado de qualidade, gratuito e público, meio-ambiente preservado, segurança a partir da educação e o emprego, mobilidade social, emprego estável, dentre outros e, em definitivo, um modelo de cidade possível e justo para Florianópolis, são conversadas, estudadas e discutidas em foros independentes, núcleos espontâneos, ou de flexível organicidade. Uma reserva importante de antigos militantes que renunciaram àqueles partidos de esquerda já assimilados ao sistema e ao modelo neoliberal, acumula e formula perspectivas que poderiam, quem sabe, constituir uma Frente Social, que talvez se poderia construir e desenvolver unificada no seu acionar político. A reunião das lutas e das visões de mundo alheias ao modelo dominante não morreu na Capital do estado, e pelo contrário, sobrevive e se redinamiza numa cidade que, contraditória tal como é, cresce administrada por conservadores, mas, tem uma história rica de resistência. A derrota garantida que terá a população pobre nesta eleição, poderá se reverter com um ganho possível de organização alheia aos interesses constituídos nos partidos, unificando a luta com setores deles próprios que não se iludem com suas direções.

    Afastar-se da lógica do sistema é um sintoma de saúde política, e relativiza uma eleição municipal que pouca expectativa pode trazer de alguma mudança significante, tanto para as premências quanto para a democracia direta. O dia 7 de Outubro terá melhores frutos se o pensamento e a ação se projetam muito além dele, acumulando forças longe dos gabinetes e dos acordos feitos de costas à população.

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