Eleições do Equador: a primeira batalha entre alinhados e não alinhados na nova era Trump

O Presidente do Equador, Daniel Noboa. Foto: Carlos Luján / Europa Press / ContactoPhoto

Por Lautaro Rivara.

O início vertiginoso do segundo mandato presidencial de Donald Trump ofereceu muitos desenvolvimentos de alto impacto em apenas algumas semanas, quer consideremos as declarações anteriores à sua posse formal e suas consequências subsequentes, ou as primeiras ordens executivas assinadas pelo novo presidente a partir de 20 de janeiro.

As declarações e medidas adotadas já atingiram territórios tão diferentes e distantes como Canadá, Groenlândia, Rússia, Ucrânia, China, União Europeia e Oriente Médio. Quanto à América Latina e ao Caribe, elas também afetam o México, a Colômbia, Cuba, o Panamá, a Venezuela e vários outros países. As questões em conflito estão ligadas à deportação de migrantes, à política tarifária, aos cartéis de drogas, ao terrorismo, ao controle das travessias interoceânicas, aos recursos petrolíferos, ao complexo industrial militar, às agências de “cooperação internacional” e a um longo etc.

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Lutas eleitorais

No Equador, em 9 de fevereiro, setores políticos localizados em extremos opostos do espectro se enfrentarão, não apenas em termos de política interna, mas também em relação à ofensiva geopolítica imperial promovida pelos Estados Unidos na região. Entre outras clivagens, as eleições equatorianas podem ser decodificadas como uma luta entre alinhados e não-alinhados, abertos e soberanistas, promotores do livre comércio com o antigo hegemon ou da multipolaridade e da integração regional autônoma, um processo no qual a nação andina desempenhou um papel de liderança no início do século durante os governos de Rafael Correa e da Revolução Cidadã. A corrida, que ameaça ser acirrada, não escapa ao olhar atento do Departamento de Estado e do Salão Oval, que tem seu próprio bispo à frente desse Estado sul-americano e que busca garantir sua continuidade no Executivo.

Neste domingo, 13 milhões de equatorianos elegerão o binômio presidencial para o período 2025-2029, enquanto escolherão os 137 membros da Assembleia Nacional, seu órgão legislativo unicameral. Haverá 16 candidatos elegíveis, mas, de acordo com todas as pesquisas, dois candidatos terão a grande maioria das preferências: Luisa González, candidata de Correa pela segunda vez consecutiva, e o atual presidente Daniel Noboa, que concorre pelo partido ADN. Ambos devem obter, em um cenário apertado, entre 60 e 70 por cento do total de votos dos cidadãos. Apesar de ser uma pequena nação sul-americana, essa situação assume importância internacional, especialmente se considerarmos que a sucessão de três governos consecutivos que favoreceram as relações mais estreitas com a grande potência em declínio poderia ser interrompida.

Mas, para evitar esse cenário, os Estados Unidos têm um aliado próximo nesse momento. Daniel Roy Gilchrist Noboa Azín, o presidente em exercício, nasceu em Miami em 1987, tem laços familiares, afetivos e econômicos com esse país e foi educado em algumas de suas mais seletas instituições educacionais privadas. Em apenas 14 meses de uma presidência breve e única – que começou com o decreto da “cruz da morte” do ex-presidente Guillermo Lasso – Noboa fez várias visitas aos Estados Unidos, tanto pessoais quanto oficiais, mesmo em meio a grandes crises, como a de segurança e a de energia. No final do mês passado, a ministra das Relações Exteriores, Gabriela Sommerfeld, garantiu que Noboa faria em breve uma visita oficial para se reunir com Trump, embora até agora não tenha havido resposta da Casa Branca.

Mais uma peça no jogo de xadrez da militarização

Há várias questões delicadas que ligam os dois países, mas os aspectos militares, migratórios e comerciais se destacam acima de tudo. Em relação ao primeiro, desde o início Noboa uniu o Equador à coalizão de governos ultraconservadores que promovem a militarização ativa da região, em sintonia com a política de segurança hemisférica dos Estados Unidos. O novo avatar da Doutrina Monroe agora busca reverter, deter ou impedir a presença na América Latina e no Caribe de potências emergentes como a China, a Rússia ou o Irã. Vários outros países, como a Argentina de Milei, o Peru de Dina Boluarte, o Paraguai de Santiago Peña e a Guiana de Irfaan Ali, fazem parte dessa mesma estratégia transnacional.

Mas muito antes da posse de Trump, a agenda interpartidária do Comando Sul já tinha o Equador em sua mira. A general Laura Richardson, chefe do Comando, visitou o Equador em 2022 para participar da Conferência de Defesa Sul-Americana e esteve lá novamente em janeiro do ano passado. Naquela ocasião, ela garantiu que a “cooperação militar” entre os EUA e o Equador tem um valor estimado de 93,4 milhões de dólares e que inclui não apenas a transferência de equipamentos militares, mas também “educação militar profissional” para as forças armadas locais. De acordo com a conta X da Embaixada dos EUA em Quito, esse treinamento também seria destinado a contingentes policiais. Alguns dias antes, Noboa havia assegurado a uma conhecida rede norte-americana que “aceitava de bom grado a cooperação dos Estados Unidos” e que seu país precisava de mais equipamentos, mais armas e mais inteligência.

Essa orientação não é explicada apenas pelo alinhamento geopolítico do clã Noboa, mas também por sua própria estratégia de segurança interna. O Equador, que já foi o país mais seguro da região na virada do século, passou por um verdadeiro desastre de segurança sob os recentes governos neoliberais. Apenas dois meses após assumir o cargo, Noboa declarou guerra aos grupos criminosos, decretou estado de emergência e definiu a situação no país como um “conflito armado interno”, uma definição que lembra tragicamente a história contemporânea de outros países latino-americanos e as políticas globais de contra-insurgência.

No entanto, nem a militarização do território e da segurança, nem a cooperação com os Estados Unidos conseguiram deter a espiral de violência, o avanço dos cartéis de drogas, o redesenho de novas rotas para economias ilícitas, as taxas de homicídio (47 por 100.000 habitantes, a taxa mais alta da região) ou a sucessão de sangrentas rebeliões em prisões. O último sintoma trágico da militarização foi o desaparecimento forçado de quatro crianças em 8 de dezembro, cujos corpos, carbonizados e com sinais óbvios de tortura, foram encontrados alguns dias depois. Embora as primeiras declarações oficiais, feitas pelo Ministro da Defesa, tenham atribuído o evento às ações de grupos criminosos, o governo logo foi forçado a admitir que a detenção foi, no mínimo, responsabilidade de uma patrulha de 16 militares.

Gestos de boa vontade

O Equador não está à margem das difíceis relações comerciais e migratórias entre os Estados Unidos e outros países da região, que se tornaram ainda mais complexas com o retorno de Trump, a promessa de (ainda mais) deportações em massa e a espada de Dâmocles das sanções e tarifas.

Os Estados Unidos são o principal parceiro comercial da nação andina, mas não são exceção ao crescente poder de atração exercido pela China em toda a região. Tanto é assim que o Equador é um dos países que já assinaram memorandos de entendimento para participar da Iniciativa da Faixa e a Rota, além da assinatura e posterior ratificação de um acordo de livre comércio com o gigante asiático, que entrará em vigor em maio deste ano, se não houver nenhuma mudança de rumo.

No entanto, a recente abertura do mega porto de Chancay, no Peru, compete e diminui a importância relativa do porto de águas profundas de Posorja, no Equador, desviando parte do tráfego de e para a Ásia-Pacífico. No entanto, os problemas crônicos de financiamento e dívida, bem como o declínio das receitas do petróleo no Equador, reforçam o poder de sedução dos orientais.

Apesar do notável avanço dos investimentos chineses em mineração, petróleo, comunicações e varejo, os compromissos de Noboa com os Estados Unidos, bem como a política de Trump do “grande garrote”, podem limitar um pouco a implantação da China no país. Esses laços de cooperação podem se tornar tensos sob a forte pressão exercida pelo governo Trump e pelo Departamento de Estado, especialmente se considerarmos como pano de fundo o que aconteceu no Panamá no domingo, onde o presidente José Raúl Mulino acaba de anunciar que o país do istmo não renovará sua participação na “nova rota da seda”, depois de receber a visita nada amigável de Marco Rubio.

Assim como Mulino, Noboa tentará se aproximar do novo governo a qualquer custo. Nesse sentido, seu governo foi um dos primeiros a receber o ex-candidato presidencial Edmundo González, fugitivo da justiça venezuelana, mas que foi homenageado com honras dignas de um chefe de Estado no Palácio Carondelet. A deportação dos primeiros grupos de migrantes equatorianos, algemados e em aviões militares, foi recebida com um silêncio ensurdecedor por parte do presidente. Ao contrário de seus pares na Colômbia, México ou Honduras, Noboa não intercedeu para garantir as condições da deportação ou que os direitos fundamentais fossem respeitados. O próprio Ministério das Relações Exteriores do Equador estima que 500.000 migrantes irregulares provavelmente serão deportados.

Os mesmos sinais de alinhamento e obediência podem ser encontrados no campo da segurança e da defesa. É por isso que Noboa enviou à Assembleia Nacional uma proposta de reforma constitucional para permitir o estabelecimento de bases militares no Equador, algo proibido desde a entrada em vigor da Constituição de Montecristi em 2008, o que resultou, por exemplo, na retirada da famosa base estadunidense localizada no porto de Manta no ano seguinte.

Em suma, os campeões periféricos do trumpismo estão disputando sua primeira grande batalha eleitoral na região no Equador. Será que Noboa conseguirá negociar, em troca de apoio político e financeiro, uma contenção cuidadosa e comedida dos interesses da China no país? Será que os interesses comerciais de sua família e de outros setores da elite empresarial permitirão que ele o faça? Será que o Equador aprofundará seu alinhamento automático e a militarização de populações e territórios? Será que o jovem presidente equatoriano conseguirá revalidar seu mandato contra um correísmo que está à frente em quase todas as pesquisas? E sua ratificação na chefia do executivo permitirá que ele deixe de ser um mero subordinado ideológico e passe a ser um verdadeiro homólogo do inefável presidente dos EUA?

Tradução: TFG, para Desacato.info.

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