El Salvador de Bukele vive uma crise democrática. Entrevista exclusiva com Lourdes Argueta

"O papel de Nayib é servir à agenda imperialista, executando o que é necessário no país e promovendo, por meio de seu exemplo e proximidade com outros líderes do continente, o cumprimento dos ditames da Casa Branca." Lourdes Argueta

Redação (texto e tradução)

Arte de capa: Tali Feld Gleiser

O governo de Nayib Armando Bukele Ortez, presidente de El Salvador em segundo mandato consecutivo é visto como um exemplo a ser seguido pelos governos neoliberais da América Latina. Com a ilusão de derrotas a violência das “maras” (grupos de tráfico de drogas, dentre outros delitos) e o apoio total da mídia hegemônica, Bukele vai aumentando seu poder autócrata, não só em benefício próprio e das oligarquias locais, como dos interesses de Washington.

A implementação do “modelo Bukele” se espalhou a outros países, como o Equador de Daniel Noboa e a repressão de Javier Milei, conduzida pela ex montonera, Patrícia Bullrich. Escondidas pela mídia as vítimas de Bukele são as vítimas históricas, os pobres e os povos originários. Também, a própria juventude que, intoxicada pelas redes sociais, o apoia.

Do outro lado está a histórica Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional -FMLN, que vem dois tropeços eleitorais e de erros de condução interna muito decisivos. Para saber como se observa desde dentro de El Salvador, a atual conjuntura, Raul Fitipaldi, dialogou com Lourdes Argueta, Diretora Executiva do Centro de Estudos Schafik Hándal.

A seguir, o diálogo:

Bukele expulso do FMLN

R.F. Lourdes Nayib Bukele é resultado de erros cometidos por governos anteriores ou é um fenômeno típico da ascensão do fascismo global? Ou ambos?

L.A. Em primeiro lugar, é necessário separar o que era a administração governamental da
gestão dos conflitos internos do partido (Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional), porque foi das fileiras do partido que saiu Nayib Bukele, quando concorreu a um segundo mandato como prefeito da capital, sob a bandeira da FMLN.

Embora os governos da FMLN não fossem perfeitos, não se pode deixar de lado que todo o seu acionar foi para atender às demandas históricas do pessoas. Isso explica por que são os governos com maior investimento social no orçamento geral da nação e, também, todo o ataque sistemático dos representantes do poder econômico do país, e o cerco às diversas instituições do Estado, que a direita manteve em consequência da correlação de forças parlamentar.

Muitos dos programas sociais foram reduzidos ou cancelados no atual governo. O erro que podemos atribuir aos governos da FMLN é não terem comunicado tudo o que estava sendo feito, devido a uma política de austeridade decretada pela casa presidencial, deixando frágil a defesa de tudo o que foi conquistado, diante de um poderoso investimento econômico do oposição.

Imagem: GDA via AP Images

No meio deste contexto, uma situação interna mal gerida levou à expulsão de Nayib Bukele do partido, o que o liberou para se inscrever em qualquer partido e concorrer a qualquer cargo público, quando a sanção deveria ter sido uma suspensão de direitos, o que o inabilitaria internamente para concorrer a cargos públicos e para a lei contra o transfuguismo, e teria sido desqualificado de se registrar para um cargo público em outro partido político.

Um segundo momento é, de fato, a categorização de Nayib Bukele e seu projeto, como uma representação do movimento ou agrupamento de líderes latino-americanos alinhados com a posição ultraconservadora que expressa uma visão política, econômica, cultural e promotores dos postulados do fundamentalismo religioso, através dos quais alcançam manipular a população e legitimar seu controle hegemônico, características da neofascismo que está tomando conta do continente.

A democracia em crise

R.F. Como você avaliaria a qualidade da democracia em El Salvador?

L.A. Em El Salvador, com a assinatura dos Acordos de Paz, desmantelou-se uma ditadura para construir as bases de uma democracia mínima, que ao menos respeitasse os direitos humanos e permitisse a liberdade de expressão e organização, mas sempre foi uma democracia frágil, porque é característica de um esquema de democracia representativa, meramente formal segundo a concepção do Estado de Direito Burguês. Em parte, isso explica o processo de reversão de algumas das medidas que haviam sido tomadas para superar o antigo modelo autoritário do país.

Em pouco tempo, foram aprovadas legislações para garantir maior concentração de poder e enfraquecer o papel das instituições estatais. Nesse sentido, longe de avançar para um modelo de democracia participativa com o povo como protagonista, El Salvador regrediu a etapas que se pensava superadas, expressão também da crise desse modelo de democracia, que tenta moldá-lo de acordo com os interesses políticos, econômicos e culturais daqueles que se consideram donos do mundo, mas completamente alheios aos interesses e aspirações da grande maioria.

Bukele dá discurso rodeado de militares fortemente armados. Imagem: F24

Agenda imperialista de Bukele

R.F. Qual papel os Estados Unidos atribuem a Nayib Bukele na América Central?

L.A. Tanto o presidente dos EUA quanto alguns de seus funcionários atribuem a Nayib Bukele uma liderança que dá exemplo na América Latina, referindo-se a ele como um aliado fundamental.

Bukele partiticpou junto a Trump e Milei na CPAC, a maior conferência conservadora anual do mundo.

Sabemos que um dos objetivos da nova administração dos EUA é recuperar um alto nível de influência sobre os governos latino-americanos, alinhando-os com seus propósitos e visão. Seu maior desafio é enfraquecer ou eliminar a presença da China no continente.

Nesse sentido, serão necessários líderes que executem a linha estratégica para atingir essas projeções de controle e domínio do que sempre viram como seu quintal. O papel de Nayib é servir à agenda imperialista, executando o que é necessário no país e promovendo, por meio de seu exemplo e proximidade com outros líderes do continente, o cumprimento dos ditames da Casa Branca.

O carcereiro Bukele

R.F. El Salvador pode se tornar uma prisão internacional para migrantes?

L.A. Não,  não pode. É uma decisão completamente ilegal, uma violação dos direitos humanos e uma violação do direito internacional.

Não há regulamentação legal que conceda ao governo o poder de prender estrangeiros que não cometeram nenhum crime no país. Trata-se de uma privação de liberdade de migrantes e pela qual, na segunda-feira, 24 de março deste ano, um escritório de advocacia do país entrou com um pedido de habeas corpus perante a Suprema Corte de Justiça em nome de 30 venezuelanos detidos, mas com efeito estendido a todos os afetados pelo vazio jurídico dessas detenções, já que mais de cem detidos não têm antecedentes criminais nem na Venezuela nem nos Estados Unidos.

Migrantes venezuelanos maltratados pelo governo de Bukele.

Deve-se salientar que a forma como foram tratados é uma afronta à dignidade humana, conforme reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Portanto, esperamos que a decisão do Tribunal Constitucional seja baseada no quadro legal nacional e nos tratados internacionais ratificados por El Salvador.

A reorganização da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional

R.F. Qual é a situação atual da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional e qual é seu papel na atual situação salvadorenha?

Foto: (Elena Polio/Creative Commons) 2013

L. A. A posição atual do partido é o fortalecimento das estruturas territoriais, com ênfase na organização de Comitês de Base, ao mesmo tempo em que apoia a luta popular expressa em diferentes ações pacíficas de rua, contra a violação sistemática dos direitos humanos, a perseguição, o estado de exceção prolongado, a corrupção, a alteração do sistema penal salvadorenho, o desfinanciamento ou eliminação de programas sociais e de desenvolvimento territorial, e um grande número de reformas legislativas que afetam a população, como a eliminação da proibição da mineração metálica no país.

O partido denuncia e informa sistematicamente a população sobre o que a mídia a serviço do governo esconde ou sonega, utilizando uma buzina menor em comparação aos meios de comunicação disponíveis ao governo.

Lourdes Argueta é Diretora Executiva do Centro de Estudos Schafik Hándal e Secretaría Nacional de Relações Internacionais e Salvadorenhos no Exterior, (SRI).

Raul Fitipaldi, é jornalista e apresentador, cofundador do Portal Desacato e da Cooperativa Comunicacional Sul.

 

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