Estados Unidos pretende reutilizar uma ilha estratégica do Brasil. Por Gustavo Veiga.

 Se trata de Fernando de Noronha, declarada Patrimônio Mundial pela UNESCO. Washington construiu uma base aérea lá durante a Segunda Guerra Mundial. Ele quer usá-lo novamente, citando seus investimentos anteriores, questões geopolíticas e direitos adquiridos. Um site de defesa brasileiro relatou isso

A ilha de Fernando de Noronha, administrada pelo estado de Pernambuco, no Brasil, é alvo de uma investigação liderada pelos EUA

Por Gustavo Veiga.

Os Estados Unidos continuam sua estratégia, mais explícita ou velada, de externalizar quais territórios soberanos eles querem tomar, usar em arrendamento ou usá-los para supostos direitos derivados de seu histórico de expansão. Isso ficou provado desde a declaração de sua própria independência. Suas ambições anexionistas foram implementadas sob diferentes fórmulas. Por meio de aquisição (como aconteceu com Alasca, Flórida, Louisiana), invasão (México), tomada de possessões que eram espanholas após vencer uma guerra no início do século XX (Cuba, Filipinas, Guam e Porto Rico), ou sob o pretexto de ter construído infraestrutura no passado, como Donald Trump agora argumenta.

Às bravatas do presidente sobre o Canadá, a Groenlândia e o Canal do Panamá até agora neste ano, acaba de se somar a ideia de obter o usufruto de uma porção estratégica do Brasil: a paradisíaca ilha de Fernando de Noronha. A notícia foi divulgada na semana passada em um site de notícias de defesa, que descreveu a ideia como uma iniciativa de “uso irrestrito” com base em um suposto “direito histórico de retorno operacional” para os investimentos que os EUA fizeram em seu aeroporto durante a Segunda Guerra Mundial, que agora esperam recuperar.

A proposta, segundo o site Defesa.net (Defensa.net), envolve também o estratégico aeroporto de Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte. A informação, que não foi confirmada oficialmente, menciona que “o governo dos Estados Unidos, por meio de diplomatas ligados ao Partido Republicano, vem negociando informalmente com interlocutores brasileiros” a transferência da ilha e da base aérea naquele estado nordestino.

A proposta bizarra dos EUA seria baseada em três elementos principais, conforme observado pelo site de assuntos de defesa. O primeiro argumento “é de natureza histórico-operacional, devido às contribuições financeiras, fornecimento de equipamentos, obras de engenharia e construção de pistas fornecidas pelos Estados Unidos”.

O segundo, segundo o Defensa.net, é o “direito funcional de retorno”, baseado na ideia de que “os ativos militares financiados pelos Estados Unidos em países parceiros — especialmente em contextos de ameaça global ou competição estratégica — poderiam ser ‘reativados’ com base em acordos tácitos ou no princípio da reciprocidade hemisférica”.

O veículo acrescenta que um terceiro elemento utilizado pelos Estados Unidos “refere-se a precedentes contratuais e legislativos. O extinto Acordo de Assistência Militar entre o Brasil e os Estados Unidos (1952), embora formalmente rescindido, continua a ser frequentemente citado em documentos técnicos e análises da RAND Corporation, do CSIS e da Heritage Foundation como referência à tradição de interoperabilidade hemisférica”.

Sob um pretexto semelhante, Trump incutiu a crença de que o controle técnico e operacional do Canal do Panamá deveria retornar a Washington. E para isso pressionou o governo do presidente José Raúl Mulino, que respondeu: “O Canal é e continuará sendo do Panamá”. O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, visitou o país em fevereiro e alertou as autoridades de que “tomaria as medidas necessárias” se elas não reduzissem imediatamente a suposta influência da China sobre o Canal. Essa é a questão que obceca o governo republicano.

Segundo outra publicação brasileira, o ICL Notícias, citando o Defesa.net, “representantes da missão diplomática dos Estados Unidos no Brasil discutiram, em reuniões privadas, a proposta de retomada das operações nas instalações de Fernando de Noronha e Natal, sob a justificativa do ‘direito funcional de reutilização estratégica’”. E acrescenta que o Itamaraty “não se pronunciou sobre o assunto”.

O relatório também observa que em Noronha e Natal, “as duas bases permitiram aos Estados Unidos estabelecer um arco de contenção no Atlântico que complementaria sua rede existente de bases e pontos de apoio, como a Ilha de Ascensão, São Tomé e as instalações em Dacar”.

A análise destaca a importância estratégica da região para os EUA no controle do Atlântico entre o Brasil e a África. Ele cita como exemplo as diferentes distâncias entre a base de Natal, no continente sul-americano, e a ilha declarada Patrimônio Mundial pela UNESCO em 2001. São 360 quilômetros, contra 1.540 quilômetros da Ilha de Ascensão até a costa do Golfo da Guiné. O governo Trump economizaria milhões de dólares se conseguisse o que quer.

Mas a operação que o Defesa.Net e o ICL Noticias já informaram tem uma dificuldade muito grande de ser superada por enquanto. A Constituição Federal de 1988, que sucedeu o fim da última ditadura brasileira, proíbe expressamente, em seu artigo 49, inciso I, “a transferência de instalações militares a forças estrangeiras sem prévia autorização do Congresso Nacional e formalização em decreto legislativo”.

Fernando de Noronha, localizado no estado de Pernambuco – mesmo estado onde o presidente Lula nasceu na cidade de Garanhuns – é um arquipélago vulcânico de 26 quilômetros quadrados, formado por 21 ilhas e ilhotas. Durante a Segunda Guerra Mundial, em 1944, o Brasil entregou a gestão do aeroporto naquele pedaço de terra à Marinha dos Estados Unidos. Mas quando o conflito terminou, ele o recuperou.

Sua localização é estratégica em termos de vigilância oceânica, onde “radares de superfície marítimos e equipamentos ELINT/SIGINT, destinados ao monitoramento de rotas navais e aéreas”, podem ser implantados, de acordo com o site que publicou a iniciativa norte-americana. Também tem capacidade para operar aeronaves de vigilância marítima e UAVs, Veículos Aéreos Não Tripulados de média altitude e longo alcance, como o MQ-9 Reaper ou o SeaGuardian.

A base de Natal tem capacidades militares semelhantes. Ele oferece condições ideais para reabastecimento em voo, evacuação médica, mobilização rápida de forças de resposta e suporte a missões aéreas na costa oeste da África, no Caribe ou na costa norte da América do Sul, relata o ICL Noticias.

Tudo indica que não se trata apenas de uma questão de segurança hemisférica para os Estados Unidos. O governo Trump pode ser afetado pelo controle de Fernando de Noronha para fins de espionagem na região. A base do problema foi resumida em uma manchete do influente The Economist publicada em 4 de julho de 2024: “A presença da China na América Latina se expandiu dramaticamente”. O comércio bilateral aumentou de US$ 18 bilhões em 2002 para US$ 480 bilhões em 2023. A China é agora o maior parceiro comercial da América do Sul.

Gustavo Veiga é jornalista argentino.

 


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