Educação, uma das principais funções públicas do Estado. Por Paulo Lindesay

Sem educação, não há professores(as), sem professores não há profissionais qualificados.

Imagem: Le Monde Diplomatique

Por Paulo Lindesay.

Educação pública é uma das principais funções do Estado brasileiro. Sem educação, não temos como formar todos os demais profissionais. Mas, infelizmente, a maior parte dos governos de plantão negligenciou os investimentos públicos com Educação, ao longo de décadas, nas três esferas de governo (Federal, Estadual e Municipal).

No artigo 205 da Constituição federal, está garantido que a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Os constituintes preocupados com essa situação garantiram, no artigo 212 da Constituição Federal, que a União deveria aplicar anualmente nunca menos de dezoito por cento (18%) de receita de impostos, proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento (25%), no mínimo, dessas receitas.

Historicamente, a principal reivindicação dos setores da Educação sempre foi que os governos municipais, estaduais e federais, juntos, investissem pelo menos 10% do PIB na Educação. Mas quando analisamos os números oficiais dos governos, constatamos o quanto os investimentos nesta área estão muito distantes da reivindicação histórica.

Ao analisarmos os dados oficiais do Tesouro Nacional entre 1980 e 1999, observamos que o orçamento primário da União, nesse período, era composto por dezesseis (16) funções públicas. Dentre elas, a Educação e Cultura dividiam o mesmo orçamento. A partir de 2000, o governo FHC desmembrou as 16 funções públicas primárias em 27 funções, quebrando a série histórica anterior. No governo do Fernando, o orçamento primário passou a ser composto por 27 funções primárias, iniciando uma nova série histórica.

Em apenas 288 meses, entre 2000 e 2024, nos dados oficiais do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento – SIOP1 eu destaco o orçamento da Educação em valores corrente: Projeto de Lei (LOA), valor liquidado e valor pago. Além de apontar a previsão de orçamento da Educação na PLOA/2025 – R$ 177 bilhões. Até a presente data, o governo federal executou pouco mais de R$ 9,8 bilhões com a Educação. Qual será o valor pago efetivamente ao final de 2025 do total de R$ 177 bilhões?

Como podemos observar no gráfico abaixo, ao longo dos mais de 23 anos, a União liquidou cerca de R$ 1,560 trilhão, mas executou apenas R$ 1,501 trilhão, em valores correntes, apesar das autorizações aprovadas pelo Congresso Nacional, contidas nas Leis Orçamentárias Anuais – LOAs, entre 2000 e 2024. Com uma simples operação matemática, subtraindo o valor liquidado do valor pago, a União deixou de investir na Educação, nesse período, cerca de R$ 59 bilhões.

Realizando outra subtração entre os valores nominais contidos nas Leis Orçamentárias Anuais entre 2000 e 2024 (R$ 1,859 trilhão) e os valores nominais pagos (R$ 1,501 trilhão). Os governos federais poderiam executar cerca de R$ 357 bilhões a mais, mas não executaram. Isso representaria 6 vezes a diferença entre os valores liquidados (R$ 1,560 trilhão) e valores pagos. (R$ 1,501 trilhão) = R$ 59 bilhões, não investido no projeto educacional do brasileiro. Essa é uma engenharia aplicada pelo grande capital financeiro rentista em capturar o orçamento público em favor dos donos do poder. Aprovam nas LOAs, mas não executam a totalidade dos orçamentos das 27 funções primárias. Tudo para garantir a sustentabilidade da Dívida Pública Federal.  Aquela sustentabilidade contida na Emenda Constitucional n0 95/2016 e no Novo Arcabouço Fiscal, aprovado na Lei Complementar n0 200/2023.

Em 2008, foi aprovada a medida provisória n0 450, convertida na lei n0 11.943/2009. No seu artigo 13, garante que o excesso de arrecadação e o superávit das fontes de recursos existentes no Tesouro Nacional poderão ser destinados à amortização da dívida pública federal. Portanto, os recursos não executados na Educação pública e outras funções primárias, provavelmente, foram destinados ao pagamento da dívida pública federal. Mais uma das engenharias aplicadas pelos donos do poder para garantir lucros crescentes e vitalícios ao grande capital financeiro e às grandes corporações. Tudo a partir da captura do fundo público federal, usando o sistema da dívida e a sua principal ferramenta, a dívida pública.

Ao deflacionar pelo IPCA/IBGE acumulado, os valores do orçamento da Educação, no intervalo entre janeiro de 2000 e dezembro de 2024, podemos observar no gráfico e tabela abaixo, quase todos os valores deflacionados entre 2014 e 2024 são menores que o valor deflacionado de 2014 (R$ 150,5 bilhões), apesar dos 10 anos que os separam, e o crescimento populacional no Brasil. O valor nominal do orçamento da Educação de 2024 (R$ 136 bilhões) é o maior da série histórica, mas quando deflacionamos pelo IPCA acumulado de 2024 (4,83%), o valor deflacionado (R$ 143 bilhões) é menor que o valor deflacionado de 2014 (R$ 150,5 bilhões). Um verdadeiro escárnio com a Educação Pública Federal.

SÉRIE HISTÓRICA DO ORÇAMENTO DA EDUCAÇÃO

VALOR CORRENTE E DEFACIONADO – R$ MILHÕES

2000 E 2024

ANO

FUNÇÃO

PAGO VALOR CORRENTE

PAGO VALOR DEFLACIONADO

IPCA ACUMULADO

2000

Educação

8.975.145.306

40.116.847.487

346,98%

2001

Educação

10.457.803.100

44.108.674.886

321,78%

2002

Educação

12.344.522.461

48.355.877.711

291,72%

2003

Educação

12.819.444.790

44.624.649.585

248,10%

2004

Educação

13.270.236.141

42.263.168.580

218,48%

2005

Educação

14.021.828.523

41.502.840.206

195,99%

2006

Educação

17.078.449.347

47.828.953.848

180,05%

2007

Educação

19.994.640.505

54.290.336.668

171,52%

2008

Educação

23.755.503.060

61.749.419.566

159,94%

2009

Educação

30.749.363.229

75.474.047.692

145,45%

2010

Educação

40.798.812.142

96.001.102.076

135,30%

2011

Educação

47.054.642.169

104.544.113.446

122,18%

2012

Educação

57.225.881.791

119.378.556.365

108,61%

2013

Educação

65.890.214.722

129.870.552.243

97,10%

2014

Educação

80.903.901.145

150.563.415.556

86,10%

2015

Educação

88.600.739.992

154.958.435.589

74,90%

2016

Educação

95.184.512.947

150.418.887.818

58,03%

2017

Educação

101.815.707.372

151.379.364.322

48,68%

2018

Educação

95.589.490.221

138.053.228.403

44,42%

2019

Educação

94.474.263.880

131.516.526.587

39,21%

2020

Educação

88.075.831.717

117.547.566.957

33,46%

2021

Educação

96.055.905.717

122.656.940.818

27,69%

2022

Educação

109.777.765.094

127.364.693.866

16,02%

2023

Educação

129.461.795.955

141.988.060.434

9,68%

2024

Educação

136.994.296.730

143.612.760.739

4,83%

Comparando os valores nominais da série histórica da Educação, entre 2000 e 2024, com o PIB Nominal2. Podemos comprovar que os investimentos da União com a educação pública pelos governos de plantão, nos últimos 24 anos, nunca passaram de 1,55% do PIB nominal. Mesmo somando os valores investidos pelos Estados e Municípios, fica muito distante da reivindicação histórica do setor da Educação (10% do PIB). Precisaremos intensificar as nossas lutas, envolvendo cada vez mais a população brasileira no debate pela melhoria da qualidade do projeto educacional do país.

SÉRIE HISTÓRICA DO ORÇAMENTO DA EDUCAÇÃO EM RELAÇÃO AO PIB

VALOR CORRENTE – R$ MILHÕES

2000 E 2024

ANO

FUNÇÃO

PAGO VALOR CORRENTE

PIB NOMINAL

VALOR % EDUCAÇÃO X PIB

2000

Educação

8.975

1.199.092

0,75%

2001

Educação

10.457

1.315.756

0,79%

2002

Educação

12.344

1.488.787

0,83%

2003

Educação

12.819

1.717.950

0,75%

2004

Educação

13.270

1.957.751

0,68%

2005

Educação

14.021

2.170.585

0,65%

2006

Educação

17.078

2.409.450

0,71%

2007

Educação

19.994

2.720.263

0,74%

2008

Educação

23.755

3.109.803

0,76%

2009

Educação

30.749

3.333.039

0,92%

2010

Educação

40.798

3.885.847

1,05%

2011

Educação

47.054

4.376.382

1,08%

2012

Educação

57.225

4.814.760

1,19%

2013

Educação

65.890

5.331.619

1,24%

2014

Educação

80.903

5.778.953

1,40%

2015

Educação

88.600

5.995.787

1,48%

2016

Educação

95.184

6.269.328

1,52%

2017

Educação

101.815

6.585.479

1,55%

2018

Educação

95.589

7.004.141

1,36%

2019

Educação

94.474

7.389.131

1,28%

2020

Educação

88.075

7.609.597

1,16%

2021

Educação

96.055

9.012.142

1,07%

2022

Educação

109.777

10.079.677

1,09%

2023

Educação

129.461

10.943.345

1,18%

2024

Educação

136.994

11.810.101

1,16%

Comparando os valores nominais da Despesa Geral da União com os orçamentos da Educação, usando como base os dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento – SIOP, no mesmo período. A tabela e o gráfico não deixam nenhuma dúvida quanto à falta de investimentos na educação pública nos últimos 24 anos no Brasil. Nesse período, o investimento com a Educação Federal nunca passou de 4,10% da Despesa Geral da União. Não é fake news, mas dados oficiais do governo federal. Não precisa acreditar na minha palavra, consulte os dados primários oficiais, cujos links estão no texto. Nos últimos 5 anos, entre 2020 e 2024, a situação da Educação Pública vem se deteriorando. A média anual foi de 2,72% da Despesa Geral da União. Com trajetória de queda livre.

Portanto, está bem claro que o projeto educacional do Estado brasileiro nunca fez parte do projeto de desenvolvimento da Nação. Para piorar, além da desidratação das funções públicas primárias, incluindo a Educação, agora a PEC 206/20193, proposta do general Peternelli do PSL/SP, que tramita na CCJ, na sua ementa dá nova redação ao art. 206, inciso IV, e acrescenta § 3º ao art. 207, ambos da Constituição Federal, para dispor sobre a cobrança de mensalidade pelas universidades públicas.

Na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), o parecer do Relator, Dep. Kim Kataguiri (UNIÃO-SP), foi aprovado, aceitando sua admissibilidade. Portanto, precisamos ficar vigilantes com a tramitação dessa matéria. Se aprovada essa PEC, as vagas em universidades públicas, que já são limitadas. Ficaram ainda mais limitadas, porque uma grande parte das vagas públicas poderá ser destinada aos estudantes que podem pagar seus estudos nessas universidades federais e estaduais.

Segundo o INEP, o número de matrículas seguiu a tendência de crescimento dos últimos anos e chegou a mais de 9,9 milhões – um aumento de 5,6% entre 2022 e 2023: o maior desde 2014. As instituições privadas concentraram a maioria dos matriculados: 79,3% (7.907.652) – um crescimento de 7,3%, no mesmo período. Já as instituições públicas registraram 20,7% (2.069.130) das matrículas, uma ligeira queda de 0,4%, no mesmo intervalo. Portanto, o que está ruim, pode piorar, se não houver mais investimentos na educação pública do Brasil.

Ao analisarmos os dados oficiais do governo federal, vemos que as 27 funções públicas primárias estão sendo desidratadas para garantir a sustentabilidade da dívida pública. A previsão para PLOA/2025 ao pagamento da dívida pública foi de R$ 2,529 trilhões, de uma previsão de despesa Geral da União de 5,699 trilhões ou cerca de 44,37% das despesas da União. Em relação à previsão da LOA/2024 (R$ 2,479 trilhões), houve um crescimento de mais de R$ 50 bilhões. Até a presente data, em valores consolidados, foi executado um pagamento em favor do serviço da dívida pública federal cerca de R$ 620 bilhões, mesmo não havendo aprovação da LOA/2025, o grande capital financeiro rentista não deixa de receber o acordado. Não podemos nos esquecer de que a previsão inicial ao pagamento a serviço da dívida pública federal foi de R$ 2,529 trilhões. O governo está de joelhos perante a vontade dos donos do poder.

O orçamento da Educação aprovado na LOA/2024 foi cerca de R$ 161,8 bilhões. Já o valor liquidado foi cerca de R$ 144 bilhões. Mas efetivamente o governo federal executou cerca de R$ 136 bilhões. Como podemos observar, com uma simples operação matemática, de subtração entre o valor liquidado e o valor pago, vamos constatar o governo federal deixou de executar cerca de R$ 8 bilhões. Onde foi para esse dinheiro?

Provavelmente, esse valor foi direcionado ao pagamento da amortização da dívida pública. Mas isso não aconteceu apenas no governo Lula. Todos os governos sentados no Palácio do Planalto, ao longo de décadas, aplicaram a mesma engenharia em favor do grande capital financeiro rentista.

Em apenas 48 meses, entre 2019 e 2022, no desgoverno de Bolsonaro, liquidou do orçamento da Educação cerca de R$ 405 bilhões. Mas executou efetivamente desses orçamentos, conforme os dados oficiais do SIOP, foi cerca de R$ 388 bilhões. Com uma simples operação matemática, podemos comprovar que o desgoverno Bolsonaro deixou de executar com o orçamento da Educação aproximadamente R$ 17 bilhões. Mas o discurso da grande mídia e dos asseclas de plantão sempre foi a falta de recursos públicos para investimento na Educação. Os números mostram outro cenário. Os números não mentem!

Portanto, a luta da Educação precisa fazer parte da nossa agenda de lutas de todas as lideranças sindicais, dos servidores (as) públicos das três esferas de governo, dos movimentos sociais e toda população brasileira. Precisamos aumentar a resistência contra o desmonte do Estado Social brasileiro, não podemos permitir esse escárnio com o projeto educacional brasileiro. Precisamos ir as ruas para essa defesa.

3 https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1839016&filename=PEC%20206/2019

Paulo Lindesay, Coordenador da Auditoria Cidadã/Núcleo RJ e Diretor da Assibge-SN em captura de tela.

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