Introdução
A garantia legal de recursos para a educação é fruto de longas e intensas lutas dos profissionais da educação, que remontam ao período imperial de nossa história. A primeira fonte de financiamento para a educação pública brasileira é datada de 1772, com a criação do subsídio literário, que era um tributo incidente sobre “[…] as vendas de carne nos açougues e de cachaça nos alambiques” (BRASIL, 2006, p.24). Em 1834, por meio de Ato Adicional, atribuiu-se às províncias a responsabilidade pela educação primária (ou elementar) e estipulou-se que seu financiamento deveria advir de “recursos da receita geral, de loterias e de rifas.” (CURY, 2018, p. 1.221).
Somente na Constituição de 1934 – um século após o Ato Adicional de 1834 – vinculou-se um percentual mínimo de recursos a serem aplicados na manutenção e no desenvolvimento dos sistemas educativos. À União e aos municípios, atribuiu-se a responsabilidade de destinar nunca menos de 10%; e aos Estados e Distrito Federal, nunca menos de 20% da renda resultante dos impostos (art. 156). O artigo 157 determinava, ainda, a criação de “fundos de educação”, a serem investidos exclusivamente em “obras educativas”, sendo parte destinada aos “alunos necessitados, mediante fornecimento gratuito de material escolar, bolsas de estudo, assistência alimentar, dentária e médica, e para vilegiaturas”.
Todavia, essa é uma história marcada por várias interrupções, sobretudo nos períodos ditatoriais, e o investimento vinculado obrigatório mínimo para todos os entes federados só se ampliou na Constituição Federal de 1988 (Pinto, 2018), que estabeleceu os percentuais de 18% para a União e de 25% para os estados e municípios sobre a receita de impostos.
Outras importantes conquistas para o financiamento da educação básica pública foram as criações do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) (1), que vigorou de 1997 a 2006, substituído pelo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação) (2) , que vigorará até 31 de dezembro de 2020.
O Fundeb é a principal fonte de financiamento da educação básica e inclui todas as modalidades e etapas de ensino regular (creche, pré-escola, ensino fundamental e ensino médio); ensino indígena e quilombola; Ensino de Jovens e Adultos (EJA); educação especial; e vagas em creches conveniadas do poder público municipal. As receitas destinadas ou vinculadas ao Fundeb advêm de impostos e transferências dos estados e municípios e, quando não atingido o valor mínimo nacional, de complementação da União.
Assim, a equalização de recursos realizada pelo Fundeb tornou-se elemento fundamental para a organização e financiamento das redes de ensino estaduais e municipais. Além disso, há um repasse de no mínimo 60% dos recursos anuais para os profissionais do magistério, conforme previsão constitucional – o que tornou possível a ampliação do atendimento, contratação e valorização salarial (ainda que insuficiente) dos docentes (DIEESE, 2014).
O possível encerramento da vigência do Fundeb coloca em discussão os rumos do financiamento da educação básica pública brasileira e a valorização dos profissionais que nela atuam. Há várias PECs (Propostas de Emendas Constitucionais) em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal sobre o novo Fundeb. Contudo, aquela que tem obtido maior apoio – não necessariamente integral – de diversas entidades públicas e de movimentos sociais que lidam com a temática da educação básica, inclusive com forte apelo por parte das entidades sindicais de trabalhadores da educação, é a PEC 15/2015, de autoria da deputada federal Raquel Muniz, do PSD-MG, com relatoria da deputada federal Dorinha Rezende, do DEM-TO.
Como se trata de questão fundamental para o futuro da educação básica pública no Brasil, é imperativa a mobilização em defesa da permanência do modelo de financiamento da educação por meio de um novo Fundeb, que seja permanente e que avance em relação ao atual.
Com o intuito de fornecer subsídios para o necessário debate que se coloca, a presente nota técnica dedica-se à análise dos impactos financeiros de um eventual fim do Fundeb sobre os municípios brasileiros.
Composição das receitas do Fundeb
A lei no 11.494/2007, que criou o Fundeb, estabelece que a receita do fundo é formada por 20% dos impostos oriundos das três esferas de governo (Federal, Estadual e Municipal). A Tabela 1, a seguir, exibe a composição da cesta de impostos, cuja participação aumentou progressivamente desde a instituição do Fundo.
Outras importantes conquistas para o financiamento da educação básica pública foram as criações do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) (1), que vigorou de 1997 a 2006, substituído pelo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação) (2) , que vigorará até 31 de dezembro de 2020.
O Fundeb é a principal fonte de financiamento da educação básica e inclui todas as modalidades e etapas de ensino regular (creche, pré-escola, ensino fundamental e ensino médio); ensino indígena e quilombola; Ensino de Jovens e Adultos (EJA); educação especial; e vagas em creches conveniadas do poder público municipal. As receitas destinadas ou vinculadas ao Fundeb advêm de impostos e transferências dos estados e municípios e, quando não atingido o valor mínimo nacional, de complementação da União.
Assim, a equalização de recursos realizada pelo Fundeb tornou-se elemento fundamental para a organização e financiamento das redes de ensino estaduais e municipais. Além disso, há um repasse de no mínimo 60% dos recursos anuais para os profissionais do magistério, conforme previsão constitucional – o que tornou possível a ampliação do atendimento, contratação e valorização salarial (ainda que insuficiente) dos docentes (DIEESE, 2014).
O possível encerramento da vigência do Fundeb coloca em discussão os rumos do financiamento da educação básica pública brasileira e a valorização dos profissionais que nela atuam. Há várias PECs (Propostas de Emendas Constitucionais) em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal sobre o novo Fundeb. Contudo, aquela que tem obtido maior apoio – não necessariamente integral – de diversas entidades públicas e de movimentos sociais que lidam com a temática da educação básica, inclusive com forte apelo por parte das entidades sindicais de trabalhadores da educação, é a PEC 15/2015, de autoria da deputada federal Raquel Muniz, do PSD-MG, com relatoria da deputada federal Dorinha Rezende, do DEM-TO.
Como se trata de questão fundamental para o futuro da educação básica pública no Brasil, é imperativa a mobilização em defesa da permanência do modelo de financiamento da educação por meio de um novo Fundeb, que seja permanente e que avance em relação ao atual.
Com o intuito de fornecer subsídios para o necessário debate que se coloca, a presente nota técnica dedica-se à análise dos impactos financeiros de um eventual fim do Fundeb sobre os municípios brasileiros.
Composição das receitas do Fundeb
A lei no 11.494/2007, que criou o Fundeb, estabelece que a receita do fundo é formada por 20% dos impostos oriundos das três esferas de governo (Federal, Estadual e Municipal). A Tabela 1, a seguir, exibe a composição da cesta de impostos, cuja participação aumentou progressivamente desde a instituição do Fundo.
As informações apresentadas na Tabela 7 a seguir revelam que o encerramento do Fundeb teria impacto negativo em 71% dos municípios (3.701) brasileiros, chegando a atingir, na região Norte, a totalidade dos municípios do Amazonas, Amapá, Pará e Roraima; e, no Nordeste, do Maranhão (Tabela 7).
De outro lado, Minas Gerais, que apesar de ser a UF com o maior número de municípios, seria o estado em que, proporcionalmente, menos localidades seriam afetadas: 42% dos municípios mineiros (313) perderiam investimento na educação básica.
No entanto, 78% dos estudantes da rede municipal pública mineira estão nessas localidades, ou seja, praticamente mais de três quartos dos alunos das escolas municipais do estado seriam prejudicados. A segunda UF com menos municípios afetados seria o Rio Grande do Sul, onde aproximadamente 46% perderiam investimento na educação básica, o que comprometeria quase 90% das matrículas da rede municipal pública de ensino desses municípios. Em seguida, está o Paraná, com 48% dos municípios daquele estado perdendo recursos e 83% dos estudantes em escolas municipais do estado, afetados.
Considerações finais
As informações aqui analisadas evidenciam que o fim do Fundeb, sem outra garantia de modelo de financiamento permanente, solidário e transparente, seria desastroso para a manutenção da rede pública municipal, para a valorização dos profissionais da educação e para o alcance da qualidade na educação básica brasileira. Do ponto de vista de uma política de abrangência nacional e de caráter redistributivo, o fim do Fundeb é extremamente prejudicial a todos os municípios.
Ressalta-se ainda que, dos cerca de R$ 160 bilhões aplicados em educação pelos municípios de todo o Brasil em 2018, R$ 89 bilhões, ou seja, 56%, foram de recursos do Fundeb. Está em jogo, portanto, a garantia de mais da metade do (pouco) que se investe em educação hoje nas redes municipais.
Ademais, a interrupção do Fundo comprometeria o desenvolvimento do ensino básico público, principalmente nos municípios mais pobres, que são exatamente aqueles mais dependentes de repasses e com menos capacidade de geração de receita própria. Há que se apontar, ainda, que seria mais dificultoso o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) em cada localidade, comprometendo-se o avanço de indicadores educacionais fundamentais para toda a sociedade.
A Constituição divide as responsabilidades da educação, de modo que União, Estados e Municípios organizem de forma colaborativa seus sistemas de ensino. Nessa divisão de tarefas, a competência prioritária dos municípios é o ensino fundamental e a educação infantil. Dessa forma, trata-se, também, do enfraquecimento das bases nos primeiros anos da educação das crianças brasileiras, o que pode comprometer toda a trajetória formativa nos anos posteriores.
Além disso, é preciso lembrar que do Fundeb depende a remuneração dos professores, ou seja, o pagamento do Piso Nacional. A eventual descontinuidade do Fundo significa, entre outros graves problemas, que estados e municípios deixarão de pagar o piso.
O financiamento da educação básica pública brasileira é uma questão estratégica para o desenvolvimento da atual e das futuras gerações e, portanto, do Brasil. Nessa perspectiva, é imperativo que todos aqueles(as) que têm compromisso com o futuro da educação se mobilizem em defesa da criação de um novo Fundeb permanente, que corrija as lacunas identificadas e avance em relação ao que vigora até 2020.
Finalmente, cabe destacar que o debate sobre o novo Fundeb está em curso, por intermédio das diversas PECs em tramitação no Congresso Nacional. Contudo, a PEC 15/2015 é a que tem mobilizado, e aparentemente é a que contempla aspectos mais condizentes com um Fundeb que evolua em relação ao atual. Espera-se, evidentemente, que a reflexão e o debate sobre essa proposta incorporem um conjunto de emendas supressivas e inclusivas apresentadas ao texto original, que a aperfeiçoem e a tornam mais eficaz.
1-Instituído pela EC (Emenda Constitucional) número 14/96, e posteriormente, regulamentado pela lei número 9.424/96, passou a vigorar a partir de janeiro de 1998.
2 – Em junho de 2005, o Ministério da Educação (MEC) enviou ao Congresso Nacional a PEC número 415/15 para a criação do Fundeb, que foi aprovado e regulamentado pela lei 11.494/2007 de 20 de junho de 2007.
3 – Em 2018, o governo de Minas Gerais reteve R$ 5.109.733.498,37 de ICMS, IPVA e ITCD que comporiam o fundo contábil do Fundeb mineiro, o que prejudicou todos os municípios do estado, por receberam menos recursos do Fundeb do que deveriam. A inclusão dos dados de Minas Gerais do ano de 2018 nesta Nota Técnica refletiria, portanto, uma situação atípica e comprometeria a análise, o que levou à opção pela utilização dos dados referentes a 2017.
4 – Os demais não foram contemplados em função da não publicação do Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO) ou, se publicado, sem informações suficientes para a análise.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Escolar e o financiamento da educação no Brasil. Brasília, DF: MEC, 2006. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Consescol/cad%207.pdf>. Acesso em: 24 maio 2017.
CURY, Carlos Roberto Jamil. Financiamento da educação brasileira: do subsídio literário ao Fundeb. Educação & Realidade, Porto Alegre, v.43, n.4, p. 1217-1252, out./dez. 2018. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/edreal/v43n4/2175-6236-edreal-43-04-1217.pdf>. Acesso em: 22 jul. 2019.
DIEESE. Transformações recentes no perfil do docente das escolas estaduais e municipais de educação básica. São Paulo: DIEESE, out. 2014. (Nota Técnica, 141)
DIEESE. Subseção Sindute-MG. Compreendendo o Fundeb: Fundo da Educação Básica Pública: manual prático de orientações. Belo Horizonte, out. 2008.
MENEZES, J. S. S. A vinculação constitucional de recursos para a educação: os (des)caminhos do ordenamento constitucional-legal. Revista HISTEDBR On-line, v. 30, p. 149-163, 2008.
PINTO, José Marcelino de Rezende. O financiamento da educação na Constituição Federal de 1988: 30 anos de mobilização social. Educ. Soc., Campinas, v. 39, n. 145, p.846-869, dez. 2018. . Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302018000400846&lng=pt&nrm=iso>. Acessos em: 22 out. 2019. Epub 14-Nov-2018. http://dx.doi.org/10.1590/es0101-73302018203235>.