Por Odete Cristina.
Ao contrário do que grande parte da mídia e o governo Bolsonaro afirmam – na tentativa de esconder o fracasso completo da política capitalista de congelamento dos gastos em necessidades básicas como saúde e educação – os impactos da chegada e expansão do Coronavírus no Brasil não contam com um sistema de saúde altamente preparado. O desmonte do SUS e os enormes ataques na área da saúde, que se aprofundaram após o golpe institucional e a chegada de Bolsonaro ao poder, constituem importantes agravantes nos efeitos da epidemia para a classe trabalhadora e toda população pobre.
A verdade é que o Estado capitalista, as empresas farmacêuticas e os empresários do sistema privado de saúde prepararam as condições para uma catástrofe sanitária contra o povo trabalhador, em nome de seus lucros e privilégios. Não podemos permitir que paguemos pela crise do coronavírus com nossos empregos, com nossas vidas e a de nossa famílias!
Nesse artigo, buscamos traçar um panorama dos efeitos da Emenda Constitucional 95/2016, a PEC do Teto dos Gastos, para demonstrar como uma resposta de fundo frente a pandemia do Coronavírus, exige a abolição da PEC do Teto dos Gastos e o investimento imediato na área da Saúde.
Um panorama da PEC do Teto de Gastos e seus efeitos sobre o sistema público de saúde
Segundo informações do Conselho Nacional de Saúde (CNS), a Emenda Constitucional 95/2016, aprovada em meio ao golpe institucional, instituindo um teto de investimentos nas áreas da saúde e educação para o período de 2018 a 2036, vai gerar um prejuízo no orçamento do Sistema Único de Saúde (SUS) de mais de R$ 400 bilhões de reais até 2036. Seus efeitos já são sentidos no dia a dia da vida da classe trabalhadora, que sofre com as péssimas condições no atendimento médico público, que muitas vezes leva a necessidade de recorrer ao atendimento privado, e tendem a ser ainda mais intensificado frente a crise do Coronavírus, declarado pela OMS como uma pandemia.
A EC 95, também conhecida como PEC dos Teto dos Gastos, foi uma das primeiras grandes políticas de ataques contra os trabalhadores, aprovadas por Michel Temer após o golpe institucional em 2016. Não por acaso, sua aprovação se deu em meio há uma forte repressão contra a onda de ocupações em escolas e universidades contrárias a essa medida. Essa emenda instituiu um novo Regime Fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União até o ano de 2036 estabelecendo limites para as despesas primárias do Estado brasileiro. As despesas primárias são aquelas associadas às aposentadorias, pensões, custeio das ações do poder público e obras de infraestrutura. Além delas, o orçamento do governo incluiu as despesas financeiras, aquelas vinculadas ao pagamento de encargos financeiros da dívida (juros e amortizações).
Todas as políticas de ataques contra os trabalhadores e a população, como a EC 55, a reforma da previdência e trabalhista, são justificadas pela necessidade de honrar os compromissos com a fraudulenta dívida pública, um mecanismo de saque e exploração, muito utilizado pelos capitalistas para aumentar seus lucros, ainda mais diante de um contexto de crise econômica como a que estamos vivendo. Não é por acaso, que a escolha do governo sempre é cortar das despesas primárias, ou seja, daqueles recursos que estão mais diretamente ligados ao atendimento de necessidades básicas da população. Trata-se de uma receita usada em todo o mundo: diante da crise, os governos capitalistas sempre vão tirar da classe trabalhadora e da população pobre, para garantir que os grandes empresários sigam lucrando.
Com a aprovação da PEC dos Teto de Gastos, a partir de 2018 o cálculo base para o estabelecimento do limite nos gastos com as despesas primárias seria realizado a partir do valor aplicado no ano anterior, 2017, com a correção do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA. A Emenda exclui dessa regra as despesas financeiras, aquelas diretamente associadas aos mecanismos como a Desvinculação de Receitas da União (DRU) que retira recursos da Seguridade Social Brasileira. Como exemplifica o economista Bruno Moretti:
“Os efeitos da EC 95 sobre o financiamento federal do SUS são ainda mais fortes quando se observa o piso de aplicação de saúde. O mínimo para 2019 é definido pelo limite de 2018, atualizado por um IPCA de 4,39%, o que resulta em R$ 117,3 bilhões. Portanto, as dotações de saúde (R$ 117,5 bilhões) propostas para 2019 estão praticamente no piso. Diante das restrições impostas pelo teto de gastos, as despesas de saúde já estão comprimidas no mínimo. O propalado efeito mágico da EC 95 – convertendo restrição orçamentária em alocação crescente de despesas nas áreas com maior demanda – não se verificou. […] Portanto, a EC 95 produz diretamente uma perda de R$ 9,5 bilhões para o SUS em 2019, tendo em vista as dotações constantes do PLOA.”
Trata-se de uma medida que destrói diariamente a infraestrutura sanitária, que estaria dirigida à população trabalhadora e pobre, concedendo lucros enormes para o sistema privado de saúde, que se beneficia do estado decadente do sistema público. O resultado é que apenas 10% dos municípios brasileiros tem leitos de UTI, necessários para atendimento de pacientes do coronavírus, enquanto os banqueiros e farmacêuticos nadam em dinheiro. Uma verdadeira conspiração capitalista contra as vidas de milhões de pessoas.
Um corte desse nível já impacta fortemente o funcionamento normal do SUS, diante da crise do coronavírus a tendência é que a demanda pelo atendimento se amplie em uma escala muito superior, fazendo cair por terra os discursos do governo Bolsonaro e da mídia burguesa que buscam esconder os verdadeiros efeitos dos ataques na saúde pública e da própria PEC do Teto de Gastos.
Ao mesmo tempo, as medidas anunciadas pelo ministro da saúde se mostram pífias e incapazes de responder de fato as necessidades da população, do plano anunciado em janeiro, para a contratação de mais de mil vagas na UTI, somente 10% foi efetivado. Enquanto isso, o Estado vai debatendo se frente a uma escalada da epidemia no Brasil irão adotar medidas absurdamente repressivas como as políticas de isolamento, proibição de aglomerações, entre outras medidas cujos efeitos são mais sentidos pela classe trabalhadora.
As políticas repressivas do governo Italiano mostraram sua total ineficácia com o aumento exponencial no número de pessoas infectadas, mas também com os bárbaros relatos das condições em que a população ficou submetida, diante da imposição de se manter as fábricas abertas, os trabalhadores italianos se rebelaram e organizam greves espontâneas, defendendo “nossas vidas antes dos seus lucros”.
A classe trabalhadora é a mais atingida pelos cortes e pela epidemia
Os impactos mais duros do coronavírus não estão expressos nas quedas da bolsas de valores ou nos dados frios do rebaixamento das perspectivas para o crescimento econômico mundial. Os impactos mais profundos da expansão desse vírus serão sentidos pela classe trabalhadora, que diante das necessidades econômicas para garantir sua sobrevivência vai ser a mais afetada pelas consequências do coronavírus, conforme explica o economista Jack Rasmus, nesse excelente artigo.
Para se enfrentar com a doença e suas consequências, não basta somente liberar uma verba emergencial para a investimento em saúde, como o governo declarou que irá fazer diante da crise. É preciso acabar com o congelamento dos gastos na saúde pública, mediante o não pagamento da dívida pública e a taxação das fortunas das empresas farmacêuticas que lucram com essa crise.
Isso deve estar ligado com propostas sensíveis a todos os trabalhadores, como proibição de demissão e proibição de desconto de salário aos pacientes afastados do trabalho, ou no caso de pais que tiveram filhos afastados ou com escolas fechadas e que precisam do suporte da família. Além do caso dos trabalhadores precarizados dos aplicativos, em que tais empresas, Uber, Ifood, Rappi etc., que lucram milhões explorando o trabalho 24h dessas pessoas, garantam a remuneração pelos dias de afastamento.
Diante das propostas de fechamento de escolas (como ocorre em Brasília, e outros Estados) ou de adiantamento das férias letivas, exigimos licenças remuneradas a todas as famílias trabalhadoras que tem menores a seu encargo. Da mesma maneira, os trabalhadores terceirizados das universidades que decidam fechar aulas (como a Unicamp) precisam ter todos os direitos garantidos, com licença remunerada, e nenhuma demissão. O governo deve garantir créditos às famílias trabalhadoras para os cuidados dos filhos.
Ao contrário da lógica da medicina capitalista, o combate a doenças e epidemias como essas não pode se reduzir a buscar minimizar os sintomas depois que a doença já se espalhou e a população padece com suas consequências, o combate às consequências do coronavirus precisa em primeiro lugar passar por uma plano de saúde que garanta medidas de prevenção para o conjunto da população.
É justamente nesse âmbito que as políticas de desmonte do SUS e o congelamento dos gastos, mais afetaram a capacidade do sistema público de saúde atender as demandas da população. O desmonte do SUS é anterior à EC 95 e toda política golpista de ataque, mesmo os governos do PT implementaram cortes e ataques que levaram a precarização do sistema de saúde público favorecendo os interesses das grandes empresas privadas. Hoje o Brasil conta com um sistema público de saúde universal, mas não consegue materializar essa proposta em termos financeiros, gerando uma grande contradição entre a demanda por serviços e ações em saúde por parte da população e o montante de recursos públicos destinados ao SUS, o que foi enormemente agravado com as políticas levadas adiante desde o golpe institucional.
Para conseguir responder de fundo as necessidades da classe trabalhadora frente a essa pandemia, é necessário defender que sejam utilizados recursos do sistema privado de saúde para a contratação de médicos, especialistas, formandos universitários , e que se amplie de fato o investimento governamental na saúde. A construção dos centros de referência emergenciais e a implementação das medidas preventivas para criar resistência biológica na população poderia se dar por meio de impostos às grandes fortunas e aos lucros das empresas farmacêuticas. Colocando todo conhecimento produzido nas universidades e a pesquisa, ambas duramente afetadas pelo congelamento de verbas, a serviço de aprofundar o conhecimento sobre o vírus e seus impactos, e por essa via pensar as medidas de prevenção que precisam ser adotadas.
O exemplo dos trabalhadores italianos serve como uma inspiração para que possamos nos organizar antes que o governo use o medo em relação ao coronavírus para justificar suas políticas repressivas e autoritárias contra a classe trabalhadora e a população.defendendo juntamente com essas medidas imediatas emergenciais, a anulação da EC 55/2016, a revogação dos cortes na saúde e educação, e a necessidade de um sistema único de saúde que seja 100% estatal, sob controle dos trabalhadores em parceria com a população.