Vimos nas últimas semanas uma massa de gente nas ruas. Misturadas, politizadas, acríticas, diferentes e uma coisa só. Protestos marcadamente “ordeiros”. Influenciados pela mídia que os concebeu como vandalismo e depois como atos de cidadania. Espontaneamente conduzidos, pautados por política e indicativo de alguma coisa que (não) ousamos a determinar. Da pauta consistente ao esvaziamento do pensamento democrático, o movimento sofreu rápidas transformações, tomou corpo e começa a definhar.
Articuladas conscientemente pelo MPL, as manifestações pela redução das tarifas do transporte público tomaram proporções impensadas para atos políticos organizados nos últimos dez anos. Da pauta exclusiva outras apareceram. De toda a ordem, de toda a natureza. Do fascismo ao socialismo. Da mais retrógrada à mais avançada. Infelizmente, nem toda a população está tomada de politização consciente, mas tê-la nas ruas é sinal de que há uma lacuna na disputa de ideias e não temos o direito de deixá-la por fazer.
Penso que nesses últimos anos o Brasil melhorou. Ter mais gente na universidade, ter mais gente na classe média, ter pessoas com mais acesso às coisas é bastante importante. Quando se quer dois, um é a metade e isso é estar em movimento, sair do lugar. Poderia descrever quanto a minha própria vida mudou, comparar por exemplo como uma jovem filha de professora acessa à universidade em 2013 e o conjunto de possibilidade que ela tem em medida das que eu tive em 2002. Tudo isso é excelente, mas a história não é estanque e o que queremos é ainda muito mais. Se quer tem nome, diz a poetiza.
O fato de havermos avançado não pode ser motivo para pensarmos que já chegamos ao fim. Ainda há miséria, ainda há a exploração do homem pelo homem. A história nos impele a caminhar. Cabe a nós conduzi-la para frente e para o avanço. E isso só será possível com ação consciente, constituída a partir do debate de ideias para além do momentâneo.
Se há erro em nossa atuação nos últimos anos, ele se materializa em nossa dificuldade de, em paralelo às imprescindíveis análises conjunturais, imprimirmos claramente nossa concepção. As ações imediatas só se justificam dentro de perspectiva perene, em que pautamos o avanço desse para um outro modelo de sociedade, discussão da qual não podemos nos furtar. O relatório, os comparativos e os debates imediatos são fundamentais para consolidarmos um posicionamento político, mas é no debate de ideias, de concepções, que garantimos o entendimento do porque seguir esse ou aquele caminho. Se tem um sinal que esse povo nas ruas nos dá é que quer saber para onde ir, que procura uma perspectiva que justifique essa ou aquela ação. E cabe a nós, que pretendemos chegar a determinado lugar, mostrar esse caminho. Com humildade, mas muita efervescência.
Nesse ponto, vejo que duas coisas são muito importantes. A primeira é paciência, a hegemonia do pensamento fragmentado está fortemente constituída entre nós. Nossas práticas a refletem, afinal não contemos o mundo, estamos contidos nele. Portanto, nosso pensamento ainda está em defensiva e nós mesmos, na prática, não o reproduzimos, atuamos conforme as características do pensamento hegemônico. Veja como é difícil travar a luta de ideias. Muitas vezes nossas ações nos contradizem.
Convencimento fraterno é a segunda necessidade. Como já disse este texto, não nos basta apresentar relatórios e comparativos da realidade brasileira se queremos ganhar corações e mentes. É preciso politizar, é preciso apresentar o fundo das relações. E são coisas que se fazem transversalmente. Convencimento, da figura e do fundo. Com humildade. Coragem, luta, obstinação caminham com ela. Humildade não é sinônimo de subserviência, é capacidade de diálogo
Essa gente bonita na rua traz para a cena um pouco de tudo, como a janela aberta por onde entra o ar puro e uma leva grande de insetos. O fascismo e o atraso das palavras devem ser combatidos, mas é preponderante atuar sobre a realidade escancarada, sem rejeitá-la. A mim, as pessoas nas ruas são reflexos de que o povo quer mais. A pergunta que se impõe: o que diremos nós a ele?