E se Transparência Internacional não fosse corrupta? Por Jair de Souza

Creio ser importante ressaltar que nem sempre um férreo apego à honestidade é indicativo de coisa boa

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Por Jair de Souza.

O ministro do STF Dias Toffoli acaba de determinar que seja feita uma investigação em relação à sucursal brasileira da ONG multinacional sediada na Alemanha conhecida pelo nome de Transparência Internacional (TI). O objetivo neste caso é esclarecer suspeitas de que a citada organização tenha se beneficiado de maneira ilegal e escandalosa de recursos financeiros derivados de multas aplicadas à Petrobrás e a outras grandes empresas de nosso país que a TI contribuiu para destruir ou inviabilizar.

Muita gente está se sentindo chocada com a possibilidade muito realista de que uma entidade que se autoproclama como símbolo do combate à corrupção esteja de fato envolvida em tão descaradas tramoias visando surrupiar dinheiro público. Neste sentido, renomados juristas brasileiros já expressaram sua indignação diante de indícios que apontam para a prática de desvios de vultosas somas de recursos que deveriam ser colocados a serviço da nação para benefício próprio desta ONG e de seus dirigentes. É isto o que podemos depreender das recentes manifestações dos juristas Lênio Streck e Pedro Serrano, entre outros.

Porém, ainda que eu possa parecer estar nadando contra a corrente, queria deixar claro que não considero que seria o fato de Transparência Internacional estar metida em casos de corrupção rasteira o que faria dela uma instituição nefasta e altamente perniciosa para o conjunto do povo brasileiro. Neste caso, a comprovação da atuação fora dos parâmetros da honestidade serviria tão somente como um adicional ao mau-caratismo pessoal dos integrantes de sua direção, sem afetar a essência do papel da organização.

Creio ser importante ressaltar que nem sempre um férreo apego à honestidade é indicativo de coisa boa. Para ilustrar este ponto, tomemos da história o exemplo maior de monstruosidade humana simbolizado pela figura de Adolf Hitler. O que muitas de suas vítimas no tempo do nazismo se lamentavam é que ele era tido como uma pessoa incorruptível, como alguém que agia em função daquilo que julgava ser correto, e não em troca de alguma benesse pessoal.

Sim, Hitler procurava exterminar do mundo a todos os que ele considerava como povos inferiores, não por almejar enriquecer-se pessoalmente com isto. Para o Führer, o que deveria prevalecer em última instância eram os objetivos maiores nos quais ele acreditava. Em consequência, o honesto apego de Hitler a sua causa significava, em termos práticos, uma maior desgraça para a humanidade.

Voltando ao caso que nos concerne neste instante, convém observar que muito mais relevantes do que a prática de corrupção aberta são os propósitos maiores que norteiam a atuação de Transparência Internacional, assim como as de seus parceiros de jornada no Brasil. Quanto a isto, nos seguintes parágrafos, vamos procurar expor o que julgo ser o núcleo da questão.

Os representantes desta ONG e seus sócios operacionais em nosso país (quase toda a mídia corporativa, Sergio Moro, Deltan Dallagnol e os demais membros da Lava-Jato, entre outros) não agiam por conta própria, exclusivamente motivados pelo desejo de se tornarem ricos em pouco tempo. Logicamente, sabemos que muitas das pessoas involucradas no lavajatismo se caracterizam por sua desmedida ganância e egoísmo. Mas, tão somente isto não seria capaz de lhes dar o potencial destrutivo que vieram a ter.

O que precisa ser levado em conta em primeiro lugar são os propósitos centrais que justificam a existência de um projeto. E aqui, a atuação simbiótica entre a TI, a nossa mídia corporativa e os integrantes da Operação Lava-Jato não deixa muita margem para dúvidas: o objetivo principal sempre foi destruir as bases econômicas que viabilizariam ao Brasil o alcance de uma autonomia a nível internacional que o livrasse das amarras dos grandes centros hegemônicos do capitalismo.

Sendo assim, é com base nesta sua meta estratégica que o papel de Transparência Internacional e os de seus aliados devem ser analisados. Quanto a isto, TI desempenhou uma função vital para a consumação do plano. Sem sua decisiva contribuição na geração de um clima de descrédito em nossas instituições, teria sido quase que impossível para a grande mídia pró-imperialista levar adiante sua campanha de descrédito contra os dirigentes políticos que resistiam a acatar as diretrizes emanadas do centro hegemônico do capitalismo, o que, por sua vez, dificultaria as ações arrasadoras dos “muchachos” da Lava-Jato. Portanto, nada teria sido mais benéfico para nosso povo se os operadores da TI, da mídia corporativa e da Lava-Jato não tivessem se interessado em desviar um centavo sequer dos recursos públicos para suas próprias contas. A nação teria sido igualmente espoliada.

Muito provavelmente, os condutores do processo imperialista nos Estados Unidos e nos outros sub-centros até prefeririam que aqueles que estavam tocando as ações em seu favor por aqui não se apropriassem de nada de maneira sorrateira. A meta maior seria atingida sem custos adicionais, ou seja, sobraria mais para os que realmente comandavam o processo e não se abriria espaço para contestações de cunho moralista. Mas, como sabem que é difícil encontrar gente dotada de alto nível de moralidade disposta a servir as causas do imperialismo sem exigir algo em troca, esses desvios são o preço inevitável a pagar.

Por isso, nossa condenação às atividades de Transparência Internacional, dos agentes da Lava-Jato e dos comandantes da mídia corporativa não pode se limitar ao fato de que eles tenham feito algum desvio indevido de recursos públicos. Ainda que nenhum deles tivesse se apropriado de um só centavo para si mesmo, a malignidade de sua atuação está caracterizada em todo seu projeto, que significou um crime contra os interesses de nossa nação.

Eles deveriam, sim, ser responsabilizados pelas milhares de pessoas que passaram a ter de sobreviver ao relento em nossas ruas; deveriam ser condenados pelos mais de setecentos mil brasileiros que perderam a vida durante a pandemia devido ao descaso criminoso dos governantes aos quais eles facilitaram a chegada ao poder; deveriam ser penalizados pelos milhões de novos desempregados que a quebra das empresas que eles provocaram fez surgir.

O peso de sua condenação por coisas assim deveria extrapolar em muito àquele pelos atos de corrupção rasteira que eles provavelmente também praticaram.

Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.

A opinião do/a/s autor/a/s não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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