E aí, doutor? Tudo bem?

Por Cesar Valente.

Foto: Reprodução.

DONC16-doctorsTenho convivido com médicos, como cliente, há quase 60 anos. Mesmo tendo a felicidade de ser saudável, acho que posso dizer que já vi muita coisa. Fiz uma espécie de “residência” médica quando acompanhei as enfermidades dos meus pais. E percorri, com eles, ao longo de décadas, um número respeitável de consultórios médicos, ouvindo e vendo, bem de perto, como atuavam e qual o efeito que isso causava.

Não posso deixar de meter minha colher enferrujada nesse angu de caroço que está sendo preparado agora, com as alterações propostas pelo governo para os estágios dos médicos em formação e as medidas para enfrentar a falta de médicos em um grande número municípios.

O MÉDICO, ESSE DESCONHECIDO

Existem médicos no cinema e na TV e existem médicos na vida real. De tanto ver esses personagens de ficção ou de “reality show”, muita gente acha que vai encontrar, na vida real, alguma coisa parecida.

Por mais que os autores de livros, séries e filmes digam que se inspiraram em médicos que encontraram em algum momento de suas vidas, sempre turbinam os personagens com algumas doses irreais de perfeição ou imperfeição, porque se trata de entretenimento.

Ao entrar no consultório, seja num posto de saúde, seja numa emergência de hospital, seja na clínica particular, vamos encontrar uma pessoa que tem tantos ou mais defeitos que nós e que teve um dia tão ou mais estressante que o nosso.

E, principalmente, estamos diante de um profissional cujo treinamento pode ter sido uma bosta. E que está tentando compensar as deficiências do ensino com alguma dose de autodidatismo. Literalmente, treinando em cada cliente. Com tanto medo quanto qualquer um de nós, de alguma coisa dar errado.

Assim como podemos estar diante de um excelente aluno que teve a sorte de ter bons professores e que completou seus estudos com competência e capricho.

A idade e o tempo de exercício profissional não querem dizer muita coisa. Já encontrei médicos sessentões que deu vontade de mandar à merda. Desatualizados, prepotentes, incompetentes, estúpidos. Burros. E encontrei jovens bem jovens com uma paciência milenar, grande capacidade de comunicação e enorme respeito pela vida alheia. E vice-versa, claro.

O MÉDICO DISTANTE

Do ponto de vista do cliente, a principal mudança, de uns anos pra cá, foi que a gente foi impedido, pelo sistema de planos de saúde de ter “o seu médico”.

Deixamos de ser clientes fiéis de um mesmo médico, que nos conhecia, conhecia nossa família, conhecia nossas doenças reais e imaginárias, para passar a ser cliente avulso do médico que tem hora disponível.

Não se vai mais sempre ao mesmo médico pela simples razão que ele nunca tem hora para atender pelo plano. Particular, atende amanhã, a peso de ouro. Pelo plano, para o qual pagamos uma mensalidade salgadíssima, só daqui a três meses. Porque ganha pouco, diz.

Do ponto de vista dos empregadores de médicos (municípios, que gerenciam as verbas do SUS), a dificuldade é semelhante: o médico não quer ir para cidades que não tenham todo o aparato que sua especialidade exige para um diagnóstico.

Dá impressão que ninguém mais sabe tratar um doente sem antes revirá-lo do avesso, de preferência com tomografias em alta resolução de corpo inteiro e exames detalhados até do DNA dos antepassados.

O NOVO MÉDICO

Se o governo me perguntasse (não, não dá pra ser num plebiscito) eu diria que é preciso tomar algumas providências relativamente simples:

1. Reforçar, durante o curso, as habilidades de comunicação (e não falo só da letra com que escrevem as receitas) e de interação com seres humanos.

2. Reforçar os estímulos para uma sólida formação em clínica geral, antecipando-a à especialização. O ser humano é uma coisa inteira, não uma colagem de pedaços que possam ser tratados isoladamente.

3. Fazer, sim, uma espécie de serviço civil obrigatório para quem estudou em escola pública e se formou às nossas custas. Mas só depois de formados.

4. Verificar, nos demais países, que escolas são mais qualificadas, para estabelecer convênios que facilitem o reconhecimento de diplomas. Não somos uma ilha. Somos um país continental que precisa de médicos. E de médicos corajosos, capazes de encarar desafios.

5. Pensar em formas inteligentes de romper o circulo vicioso (“não tem médico porque não tem estrutura, não tem estrutura porque não tem médico”). Sem cair nas armadilhas corporativistas e/ou das indústrias de equipamento e/ou farmacêuticas. Só.

Fonte: De olho no capital.

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