E agora? Vamos de combi. Por Carlos Weinman.

Imagem: Pixabay.

Por Carlos Weinman, para Descato. info.

O dia começou chuvoso, Inaiê foi a primeira a acordar. Ela ficou por um breve momento olhando pela janela a chuva torrencial, pensou que não seria possível começar a viagem, estava ansiosa em procurar os seus irmãos, diferente de Ulisses, que não demonstrava esperança. Para surpresa de Inaiê, Roberto bateu na porta do hotel, onde estavam hospedados, era um quarto simples, pois não tinham muito dinheiro. Inaiê percebeu que Roberto estava ofegante, com um sorriso sobre sua face e por isso perguntou:

O que foi Roberto? O que aconteceu?

Roberto respondeu:

Vocês contaram que sua família estava no Sul do Brasil, estamos muito longe deles, no Norte do país, andando levaremos muitos dias, quem sabe anos, não temos dinheiro para pagar um ônibus até lá e ainda não sabemos onde estão de fato. Entretanto, precisamos ver o lugar onde moravam, para começar a nossa investigação. Por esse motivo, ontem fui conversar com um amigo que tem uma combi antiga, ano 1977, talvez ela possa servir como transporte para viajar.

Inaiê entusiasmada foi chamar seu Irmão Ulisses e os três foram até a casa do amigo de Roberto. O entusiasmo de Inaiê era tão grande que animou Ulisses. Quando chegaram na casa de Dionísio, o amigo de Roberto, viram um veículo caindo aos pedaços, faziam muitos anos que não rodava. Dionísio mencionou que ela não saía do chão, os impostos estavam todos pagos, caso conseguissem concertar seria deles, pois queria tirar aquele veículo do pátio da casa. Inaiê se frustrou, por um instante, mas para surpresa de todos, Ulisses falou:

Deixe comigo, sou mecânico, pode demorar alguns dias, vamos deixar esse veículo em condições para trafegar.

Inaiê ficou muito alegre. No entanto, Roberto disse:

Temos a mão de obra. Entretanto, peças e pneus têm custos, o que faremos?

Por um minuto o único som foi a chuva forte que não cessava, parecia ter um sentido estético das almas dos três em condição de lamento, desânimo, o que foi interrompido com a fala de Dionísio:

Hoje é o dia de sorte de vocês! Acredito que tenho tudo para o concerto da combi na minha antiga oficina. Estou precisando de pessoas para ajudar na limpeza do lugar, no conserto de alguns veículos, o que os três poderão auxiliar. Para o descanso, tem um pequeno galpão, nos fundos da minha casa, a comida fica por minha conta, como pagamento dos serviços cedo as peças necessárias e a pintura, o que vocês me dizem?

Os três amigos foram tomados por um sentimento de euforia e concordaram imediatamente com a proposta de Dionísio. A rotina dos dias seguintes era dura, os dois irmãos e Roberto acordavam cedo e depois do expediente trabalhavam na combi, que Ulisses apelidou carinhosamente de ferrugem dos esperançosos, pois o que mais havia no veículo eram partes estragadas, que tinham sofrido com ação do tempo.

A jornada diária parecia ser longa, mas os dias de trabalho terminaram, foram feitos todos os reparos necessários na combi. Além disso, os três conseguiram ganhar dinheiro suficiente para chegar até o Sul, já haviam se passado três meses de trabalho árduo. Os três amigos foram dormir cedo, para na manhã seguinte seguir sua jornada, agradeceram a Dionísio, que desejou boa sorte.

Na manhã seguinte, antes do sol nascer, os irmãos e Roberto acordaram entusiasmados, colocaram seus pertences na ferrugem dos esperançosos. Ulisses entrou na combi e lembrou dos escritos do Homero, poeta grego, que na obra Odisseia descreveu os anseios dos soldados cansados da guerra, pelo desejo de paz, de encontrar e abraçar seus familiares. No entanto, um dos personagens de Homero, com o nome de Ulisses, havia comprado uma briga com deus Poseidon e por castigo os afastava dos entes queridos, do aconchego de seus lares, permaneceram por mais de vinte anos longe de suas famílias, o desejo do retorno só aumentou, até que a deusa Atena interviu para o retorno dos combatentes, mas as suas casas ainda estavam desorganizadas, muitos ambiciosos queriam o reino e não estavam preocupados com  suas vidas. Aliás, já contavam esses como mortos, o que importava era o poder, o que significava ter pequenas fortunas, não consideravam a luta dos soldados pela sua cidade-nação. O personagem Ulisses, do poeta Homero, teve a ajuda da deusa Atena para retomar o seu lugar de direito e abraçar seus filhos e sua esposa Penélope.  Após a divagação de Ulisses, o irmão de Inaiê, Roberto falou:

– Não seriam os deuses gregos apenas a lembrança da vontade humana em superar as suas fraquezas, suas limitações? Os gregos tinham o termo Théo para designar aquilo que era divino, poderia significar uma força capaz de dar movimento, de gerar algo que os humanos por si só não poderiam. Do mesmo modo, a esperança parece ser uma força interior e divina capaz de realizar grandes feitos. Enquanto Atena poderia ser vista como deusa da guerra e da estratégia, que era necessária para conquistar, ter a força interior, a vontade e o pensamento para superar as condições adversas daquele contexto, para encontrar seus familiares. Essa busca, esse retorno, parece muito com a história de vocês Inaiê e Ulisses.

Após a fala de Roberto, Inaiê fez a seguinte comparação:

O Ulisses das aventuras do poeta grego tinha para retornar à Grécia um navio, quem sabe em um conto moderno, ele teria a nossa ferrugem, a combi que teve que ser reformada, concertada para o encontro dos nossos irmãos.

Logo após a comparação, os três começaram a rir, Ulisses ligou a combi e gritou:

– Poseidon não se atreva, temos a deusa Atena, com sua inteligência e com nossa vontade chegaremos ao Sul do Brasil para encontrar nossos irmãos.

O retorno de combi começou, a vida de três amigos em uma aventura épica para encontrar familiares, análoga a Odisseia de Homero, pode ser comparada com o desejo humano de encontrar a humanidade perdida, por vezes esquecida, em geral escondida pelo estranhamento. Destarte, os sentimentos de solidariedade, de amor de um amigo e dois irmãos colocaram para funcionar um veículo sucateado, ao mesmo tempo, tornaram-se o principal combustível da viagem.

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Carlos Weinman

Carlos Weinman é graduado em Filosofia pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (2000) com direito ao magistério em sociologia e mestrado em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (2003), pós-graduado Lato Sensu em Gestão da Comunicação pela universidade do Oeste de Santa Catarina. Atualmente é professor da Universidade do Oeste de Santa Catarina. Tem experiência na área de Filosofia e Sociologia com ênfase em Ética, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, política, cidadania, ética, moralidade, religião e direito, moralidade e liberdade.

A opinião do autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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