
Pedro França/Agência Senado
Por Paulo Lindesay*
Para entendermos se regimes de recuperação ou programa de pagamento de dívidas dos Estados resolvem a situação financeira dos entes federados. Precisamos analisar a situação histórica, que levou os Estados mais ricos da federação (SP, RJ, MG, RS) à situação de penúria e falta de investimentos nas políticas públicas, infraestrutura e reestruturação das carreiras públicas. Consequentemente, os mais prejudicados são a população mais carente.
Em 1995, no governo de Marcelo Alencar, o Estado do Rio de Janeiro passava por uma situação financeira muito complicada. O governador não conseguiu pagar o décimo terceiro salário dos servidores públicos estaduais. A saída encontrada pelo governador foi solicitar um empréstimo junto à Caixa Econômica Federal, no valor de 180 milhões de reais. A Caixa Econômica Federal concedeu o empréstimo, no contrato 121.1476, dividido em duas linhas de créditos: A primeira linha para pagar o décimo terceiro atrasado de 1995, no valor de 120 milhões, e a segunda, no valor de R$ 60 milhões, para financiamento da demissão voluntária (PDV). A liberação do empréstimo não foi gratuita, o banco público federal carregou contra o Estado do Rio de Janeiro 44 condicionantes.
Isso significou a privatização de quase a totalidade do parque estatal estadual. Inclusive, a venda do banco BANERJ para o banco ITAÚ. Além de comprometer parte da receita corrente líquida com o pagamento da dívida, impôs perdas de todos os direitos e benefícios que os servidores públicos federais tinham perdido no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), etc.
O estoque da dívida bruta do Governo Geral (DBGG), em fevereiro de 2025, alcançou cerca de R$ 9,045 trilhões. Desse total, cerca de R$ 754 bilhões são dívidas dos governos estaduais. Segundo o Tesouro Nacional, mais de 96% das dívidas estaduais são referentes a cinco unidades da Federação: São Paulo (R$ 287,5 bilhões), Rio de Janeiro (R$ 171,8 bilhões), Minas Gerais (R$ 157,7 bilhões), Rio Grande do Sul (R$ 99,6 bilhões) e Goiás (R$ 18,4 bilhões).
O plano Real foi implementado no governo de Itamar Franco em 1994, pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, criando uma moeda chamada real, em junho de 1995.
Entre janeiro de 1994 e dezembro de 1994, a inflação média foi de 587%. Com o real entrando em circulação, houve uma queda brusca da inflação. Em janeiro de 1995, a inflação caiu a 1,70%. Inflação controlada artificialmente, mas o setor bancário em crise. Mais de 60% das receitas dos bancos eram oriundas da especulação. Levando o setor bancário a entrar em crise financeira.
Com a crise bancária, o governo Fernando Henrique Cardoso foi obrigado a instituir o Proer, ou Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional, em novembro de 1995, para salvar bancos privados, e o Proes (Programa de Incentivos à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária), para salvar bancos públicos.
Se a situação está difícil para os bancos, imagine para os Estados brasileiros. A maioria dos Estados precisava de ajuda do governo federal. O então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, aprovou e sancionou a lei n0 9496/1997. Lei que refinanciou as dívidas dos Estados, uma dívida “nula” no valor aproximadamente R$ 112 bilhões. Até a presente data, foram pagos mais de R$ 400 bilhões, e restam a pagar inacreditáveis R$ 616 bilhões. Considerando todas as dívidas dos governos estaduais, o saldo a pagar ultrapassa R$ 754 bilhões.
Não há esforço fiscal nos Estados que possa suportar essa situação. Mas não é só isso. Além do que tomou dos Estados, os Governos Federais se recusaram a lhes pagar entre 1999 e 2018, em valores correntes, algo como R$ 637 bilhões por conta da chamada Lei Kandir, como compensação financeira das transferências obrigatórias da União aos Estados. Que foram obrigados a deixar de recolher em ICMS sobre produtos primários e semielaborados de exportação, que receberam imunidade tributária. Restituído pela imposição de 1996 pela lei complementar n0 87, a chamada Lei Kandir, se deflacionados alcançam a casa de R$ 1 trilhão. Eliminariam a crise fiscal, caso fossem quitadas. No caso do Rio de Janeiro a perda de receitas de ICMS ultrapassa a R$ 50 bilhões.
A dívida do Estado do Rio de Janeiro com a União (no âmbito da Lei n0 9.496/1997) possui diversos e graves indícios de ilegalidades e ilegitimidades, que devem ser investigados por meio de uma profunda auditoria, com a participação da sociedade civil. Precisamos exigir o cumprimento do artigo 36 dos Atos de Disposições Constitucionais Transitórias do Estado do Rio de Janeiro. Entre 1999 e fevereiro de 2024, o Estado do Rio de Janeiro pagou à União mais de R$ 30 bilhões de serviço da dívida (Juros + Amortizações), em valor corrente. Deflacionando os valores pagos, anos após anos, no intervalo entre 1999 e fevereiro de 2025, sem considerar os anos sem pagamento, o Estado do Rio de Janeiro pagou mais de R$ 148 bilhões. Mesmo assim, o estoque da dívida pública explodiu, passando de R$ 13,5 bilhões para R$ 96 bilhões, em valores correntes, no mesmo período. Os números não batem e, de pronto, se constata que a questionável dívida originalmente refinanciada já foi paga mais de duas vezes e ainda assim seu estoque se multiplicou mais 10 vezes!
https://portal.fazenda.rj.gov.br/tesouro/relatorios/divida-publica/
Consultando o site da Transparência RJ, o saldo da dívida financeira do Estado do Rio de Janeiro, em fevereiro de 2024, alcançou o saldo de aproximadamente R$ 217 bilhões. Desse total, cerca de R$ 176 bilhões ou 81,10% é dívida com a União. Divididos da seguinte forma: Lei 9496/1997 = R$ 96 bilhões + Regime de Recuperação Fiscal = R$ 80 bilhões. Sem especificar detalhadamente qual a origem dos valores inseridos que resultaram nas “dívidas” que se encontram dentro desse “Plano”. Enquanto a receita corrente liquida do ERJ, em fevereiro de 2025 foi pouco mais R$ 92,7 bilhões. Será que o Propag. É uma real saída as dívidas dos Estados?
A situação financeira do Estado do Rio de Janeiro tornou-se insustentável. A solução apresentada pelo governo Temer foi a aprovação da Lei Complementar n0 159/2017. O tão decantado Regime de Recuperação Fiscal. Essa lei institui o Regime de Recuperação Fiscal dos Estados e do Distrito Federal e altera as Leis Complementares no 101, de 4 de maio de 2000, e n0 156, de 28 de dezembro de 2016. Consolidando o saldo da lei n0 9496/1997 e outras. A definição de consolidar no meio econômico é perpétua uma dívida.
Em setembro de 2017, o então governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, assinou a adesão ao RRF. O Estado do Rio de Janeiro foi o único Estado brasileiro a aderir ao regime. O RRF é composto por três programas: Lei 9496/1997, Bacen/Banerj e Honra de Aval. O valor inicial apartado foi de R$ 9,4 bilhões. Houve a suspensão do pagamento da dívida, mas os valores dos três programas foram corrigidos de acordo com os devidos contratos.
Em agosto de 2020, três anos depois, acabou o prazo do programa. O valor acumulado chegou a
R$ 61,5 bilhões. Saldo esse incorporado à dívida financeira do Estado do Rio de Janeiro. Mas não foi o fim do regime de recuperação fiscal. Após questionamento de Claúdio Castro, o TCU autorizou a continuidade do RRF. Você acha que regime de recuperação fiscal ou implosão fiscal?
Sem solução para a situação financeira do Estado. Além do aumento da dívida, o primeiro RRF aprovou várias vedações ao Estado durante a vigência do Regime de Recuperação Fiscal: a admissão ou a contratação de pessoal, a qualquer título, alteração de estrutura de carreira, a criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa etc. Além de criar uma figura biônica, não eleita, o Conselho do RRF, composto por três membros: um dos órgãos de fiscalização, um do Ministério da Economia e um do Estado. Esse conselho tinha acesso à senha do sistema financeiro do estado, passando a exercer um papel político acima do governador e dos deputados (as) estaduais.
Em janeiro de 2021, o governado Cláudio Castro surfou na onda do novo Regime de Recuperação Fiscal, aprovado pela Lei Complementar n0 178/2021. Mais uma vez, Cláudio Castro alardeou como salvação das finanças do Estado, pura mentira. No caso do Rio de Janeiro, o saldo inicial apartado, em setembro de 2017, foi de R$ 9,4 bilhões. Os valores consolidados, até fevereiro de 2025, em apenas 90 meses, alcançaram a cifra de R$ 80 bilhões. Alguém em sã consciência pode afirmar que o Regime de Recuperação Fiscal foi uma boa saída para as finanças do Estado do Rio de Janeiro?
Agora surge uma outra saída milagrosa, proposta pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. O PLP 121/2024, convertido na Lei Complementar no 212/2025. Institui o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag.), destinado a promover a revisão dos termos das dívidas dos Estados e do Distrito Federal com a União. Com prazo de 30 anos. O atual saldo devedor dos Estados brasileiros com a União gira em torno de R$ 754 bilhões. Inclusive o discurso de Pacheco, diz que é a grande oportunidade para o equilíbrio financeiro dos Estados endividados. Será verdade?
O que não nos falam. Os saldos devedores relativos aos débitos junto à União a que se refere o § 10 serão consolidados com os acréscimos legais relativos a multas de ofício, juros moratórios e compensatórios e demais encargos, conforme previsto na legislação vigente à época dos fatos geradores que lhes deram origem. Nesse caso, apesar de os juros cobrados variarem entre 0 e 4%, estamos falando de uma dívida consolidada. Para ficar mais claro a armadilha, vou usar o Estado do Rio de Janeiro como exemplo para esclarecer a armadilha do programa.
Com a sanção da lei n0 9496/1997, no governo de FHC, o Rio de Janeiro, em 1999, refinanciou R$ 15,2 bilhões. Pagou à vista cerca de R$ 2,1 bilhões. Restando um saldo a refinanciar de aproximadamente R$ 13,5 bilhões. Em quase 25 anos, do total refinanciado, pagou mais de R$ 30 bilhões. Mais que o dobro do valor inicial. O saldo consolidado em fevereiro de 2025 alcançou a cifra de R$ 96 bilhões. Considerando a dívida consolidada do Regime de Recuperação Fiscal, no valor de R$ 80 bilhões.
No caso do Rio de Janeiro, a proposta de Pacheco, com juros que poderá variar entre 0% e 4%, recai sobre o saldo consolidado da dívida com a União, no valor de mais R$ 176 bilhões. Uma dívida de mais 13 vezes o valor inicial. Sem considerar as entregas obrigatórias do Estado do Rio de Janeiro:
- transferência, para a União, de participações societárias em empresas de propriedade do Estado;
- transferência de bens móveis ou imóveis do Estado para a União;
- cessão de créditos líquidos e certos do Estado para o setor privado;
- transferência de créditos do Estado junto à União, reconhecidos por ambas as partes;
- cessão, para a União, dos recebíveis originados de créditos inscritos na dívida ativa da fazenda estadual;
- confessados e considerados recuperáveis;
- cessão de outros ativos que, em comum acordo entre as partes, possam ser utilizados para pagamento das dívidas;
- transferência para a União da receita proveniente da venda dos ativos;
- cessão, para a União, dos recebíveis originados da compensação financeira advinda da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica ou de recursos minerais em seus respectivos territórios, plataformas continentais, mar territorial ou zona econômica exclusiva etc.
Os argumentos sedutores de redução da taxa de juros entre 0% e 4% serão aplicados às dívidas consolidadas com a União. Mas existe uma escala de redução que varia de 0% a 4%, desde que cumpridas as condicionantes. Não será automático. Terão direito a juros de 1% os Estados que realizarem a redução em, no mínimo, 20% (vinte por cento) da dívida apurada e consolidada. Com endividamento gigantesco, será muito difícil cumprir essa condição.
Se o Estado conseguir reduzir o pagamento com a dívida pública consolidada, poderá, com recursos próprios, investir na realização anual de investimentos no próprio Estado em educação profissional técnica de nível médio, nas universidades estaduais, em infraestrutura para universalização do ensino infantil e educação em tempo integral, e em ações de infraestrutura de saneamento, habitação, adaptação às mudanças climáticas, transportes ou segurança pública. Desde que, cumpra regulamento fixará metas anuais de desempenho da educação profissional técnica de nível médio para os Estados optantes pelo Propag.
Será instituído Fundo de Equalização Federativa, em favor dos Estados, com o objetivo de criar condições estruturais de incremento de produtividade, enfrentamento das mudanças climáticas e melhoria da infraestrutura, segurança pública e educação, notadamente a relacionada à formação profissional da população. O Fundo terá natureza privada e patrimônio próprio separado do patrimônio dos cotistas e da instituição administradora e será sujeito a direitos e obrigações próprios. Mas para ter acesso será necessário o cumprimento de metas estabelecidas na Lei complementar. Não existe almoço grátis!
Alguns governadores, de oposição, estão propagando na grande mídia que os vetos do governo Lulas, desfiguraram o programa. Mas analisando os números e os dados oficiais e as condicionantes, você, cidadão fluminense, ainda acha que o PROPAG é a solução para a dívida do Rio de Janeiro e dos demais Estados brasileiros?

Descubra mais sobre Desacato
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.