Por Raquel Wandelli.
“Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a primavera inteira”.
Se os verdadeiros heróis da juventude latino-americana não fossem sequestrados pela propaganda imperialista, Ernesto Che Guevara seria hoje estudado em todas as escolas brasileiras. Em países como o Brasil, dominados pelo autoritarismo e pela exploração dos trabalhadores, a juventude é ainda privada da história desse extraordinário líder que não se contentou em sonhar com um mundo melhor: saiu pelo mundo para construí-lo. Ainda assim, em cada parte deste continente onde palpita um coração com sede de justiça, sua imagem resiste como emblema do espírito revolucionário da juventude.
O jovem médico abriu mão do conforto material e de uma carreira garantida para lutar pela libertação dos países pobres que conheceu antes de se formar, numa viagem de motocicleta, percorrendo 10 mil quilômetros do Brasil ao Peru. Ao lado do amigo Alberto Granado, o garoto Che testemunhou as desigualdades que martirizavam os camponeses pobres explorados pelos ricos na América do Sul. Ao retornar à Argentina transformado por dentro, decidiu colocar a medicina a serviço dos que resistem, e aplicar sua energia e inteligência para vencer a escravidão que em plena modernidade assolava os países colonizados.
Nascido em Rosário, na Argentina, em junho de 1928, no seio de uma família rica que acabou falindo, Che se internacionalizou como o maior libertário do século XX no combate às ditaduras militares que massacraram a América Latina. A história do militante revolucionário começou na pequena Ilha de Cuba, mantida pelo sanguinário Fulgêncio Batista como um prostíbulo dos Estados Unidos. De 1957 a 1959, a convite de Fidel Castro, liderou na Sierra Maestra um movimento vitorioso na derrubada do ditador, ao lado de um grupo de jovens insurgentes igualmente valorosos.
Sua curta e intensa passagem pelo planeta representa tudo de mais raro e de mais belo que nomeia a juventude, traduzido nessa célebre frase: “Se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros”. Protagonista de um aguçado senso humanitário, Che Guevara escreveu com o próprio sangue o capítulo mais importante das lutas de resistência da América Latina, eternamente saqueada. Sua coragem, sentimento de justiça e de amor pelas gentes mais humildes continua inspirando e alimentando a sede de transformação que caracteriza o melhor da juventude. “Ser jovem e não ser revolucionário é uma contradição genética”, disse o comandante Che Guevara.
Amante da poesia, estudioso de filosofia, Che nunca deixou de alimentar o espírito enquanto agia em nome da descolonização dos povos. “O conhecimento nos torna responsáveis”, disse em uma célebre declaração. Pesquisador curioso da história, da sociologia, da literatura, nunca deixou de ler nem de escrever, mesmo nos curtos intervalos de sua jornada extenuante pela serra caribenha ou pelas selvas bolivianas. Suas cartas trazem reflexões valiosas sobre a humanidade, teorias econômicas e políticas, além de lições estratégicas sobre a luta socialista. Nos últimos meses de vida, já doente, ferido e perseguido, deixou seus diários de guerrilha, que reúnem um conjunto precioso de relatos sobre o cotidiano de combate ao governo mercenário na Bolívia. Esse revolucionário que morreu sem negociar sua alma de menino, cometeu a delicadeza de, durante os raros intervalos de guerra, anotar num caderno os poemas mais inspiradores para a luta de um povo.
Mesmo depois de consolidada a revolução cubana, estendeu suas campanhas pela libertação aos países colonizados da África. E quando poderia ter uma vida estabilizada como presidente do Banco Central de Cuba, olhou mais uma vez para o horizonte e ouviu o chamado de outros povos. Numa carta comovente, pediu seu afastamento, alegando que sua missão no país estava encerrada, pois deveria prosseguir sua luta pela internacionalização do socialismo. Acreditava que os trabalhadores, operários e campesinos estariam livres da exploração quando a revolução chegasse a todos os países. Partiu para a selva da Bolivia, onde sofreu uma emboscada do Exército da Bolívia, a mando do Serviço Secreto Central de Inteligência Americana (CIA). Executado já rendido, teve a fotografia do seu cadáver estampada por toda a parte como forma de intimidar outros revolucionários.
Antes de ser executado, no dia 9 de outubro de 1967, em La Higuera, nas selvas da Bolívia, Che encarou seu assassino: “Vá em frente, covarde, você vai matar apenas um homem”. De fato, não foi preciso muitos anos para que o mártir se tornasse uma lenda e suas ideias se imortalizassem mundo afora. A fotografia do comandante, com o olhar dos que acreditam, estampa as camisetas não como um ícone de moda, mas como a esperança na coragem e no caráter dos que não se deixam corromper por dinheiro ou poder. Todos os que tiveram o privilégio de testemunhar sua existência, se admiram da força que sua figura emanava, uma mistura de ternura e firmeza libertária, melhor traduzida por ele mesmo: “Deixe-me dizer-lhe, correndo o risco de parecer ridículo, que o verdadeiro revolucionário é guiado por grandes sentimentos de amor”.
A propaganda capitalista comete um crime contra a humanidade ao sabotar o acesso da juventude ao legado deixado por Che. Ao mesmo tempo em que sequestra os mártires contemporâneos, tenta preencher as lacunas da história com falsos heróis, verdadeiros sanguinários, traidores da pátria que saquearam nossas riquezas e dizimaram nossos povos desde a falácia do “descobrimento”. Mas o agir pensante de Che continuará mobilizando os jovens deste continente que nos fazem merecer a morte desse mártir pela tão sonhada soberania: “Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a primavera inteira”.
SEMANA CHE GUEVARA
Uma intensa programação marca os 50 anos do desaparecimento de Che Guevara, promovida pela Associação Cultural José Martí e Instituto Arco Íris, em Florianópolis. As atividades inici
aram no dia 4 de outubro, quando houve a Festa de lançamento da semana na Travessa Cultural, com exposição fotográfica, poesia, debates, cancioneiro da revolução com o grupo de música latino-americana Colibri e Cine Debate “Eu vi”. Prosseguem nesta semana com programas de televisão alternativa, exibição de filmes sobre Che e a revolução cubana e Banca Feirinha. No dia 9 de outubro, data em que Che foi executado na Bolívia, acontece um grande ato político-cultural no Terminal de Integração do Centro, quando exemplares do jornal “Che Vive! 50 anos”, serão distribuídos à população. O Jornalistas Livres passa, a partir de hoje, a publicar um texto do jornal por dia, em homenagem ao grande líder da resistência e da ternura que continua inspirando as atuais gerações.
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Fonte: Jornalistas Livres, enviado pela autora.