Uma empregada doméstica de 68 anos foi resgatada em situação análoga à escravidão após uma denúncia anônima recebida por procuradores do Trabalho de Minas Gerais, na cidade de Rubim, no Vale do Jequitinhonha, no nordeste mineiro, a região mais pobre do estado.
Além de não pagar o salário da doméstica durante oito anos, a empregadora, de 50 anos, ainda usava o dinheiro da pensão que a trabalhadora recebia pela morte do marido e chegou a fazer três empréstimos consignados em seu nome, totalizando R$ 9 mil.
O resgate da trabalhadora foi realizado na última segunda-feira (10), numa operação conjunta do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, composto por representantes do Ministério do Trabalho (MTE), do Ministério Público do Trabalho (MPT), da Defensoria Pública da União (DPU) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
“A trabalhadora é uma pessoa idosa, analfabeta, não sabia a quem recorrer. Era conhecida da família e quando o marido morreu, ficou desamparada, e a empregadora encaminhou os documentos para receber o benefício da pensão”, afirma a procuradora do Trabalho, Juliane Mombelli, do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro (MPT-RJ) e integrante do Grupo Móvel.
Segundo a procuradora do Trabalho, durante a ação, a empregadora alegou que não repassava o benefício porque ela tinha uma dívida no estabelecimento comercial de sua propriedade. E isso, segundo Juliane, caracteriza servidão por dívida.
“Tem a questão da submissão psicológica: mora aqui, contribui com serviço e comprando mantimentos”, explica.
A vítima, que morava em um quarto separado da casa com um filho maior de idade, cuidava de todos os afazeres domésticos, além de cuidar dos dois filhos e uma neta da empregadora.
“A patroa alegou que fazia um bem para ela, porque ela não tinha onde morar. Isso é fruto de desinformação, de achar que trabalho doméstico não é trabalho e não precisa ser remunerado. Não se pode admitir a troca de serviço por moradia e alimentação”, afirma a procuradora.
Punição
Um auto de infração foi lavrado e determinado o pagamento das verbas trabalhistas no valor de R$ 72 mil pelos últimos cinco anos não pagos. O MPT irá apresentar à empregadora uma proposta de Termo de Ajuste de Conduta (TAC) para pagamentos por danos morais à doméstica. Também será emitido um guia de seguro-desemprego para a vítima. O MPT ainda fará as contas do valor que a empregadora reteve da pensão da doméstica.
Sobre os empréstimos feitos de maneira fraudulenta, o defensor público da União, Pedro Paulo Chiazini, que integra o Grupo Móvel, explica que a DPU fará um requerimento administrativo junto ao INSS para a suspensão dos empréstimos e cobrará que a empregadora pague o que deve à doméstica. Se não cumprir, a defensoria irá propor uma reclamação trabalhista.
“A empregadora praticou crime previsto no estatuto do idoso de retenção do cartão de benefício. Vamos apresentar uma notícia crime ao Ministério Público de Minas”, disse Chiazini.
Região tem histórico de trabalhos análogos à escravidão
O defensor público conta, ainda, que há cerca de um mês, em visita à região, foi constatado indícios de trabalho escravo tanto em residências nas cidades quanto nas fazendas.
“A denúncia do MPT permitiu o flagrante. É um hábito ainda vivo na cultura deles. O empregador manter como agregados pessoas em vulnerabilidade social, isso remonta à República Velha, é um retrocesso que persiste”.
*Com informações do MPT-RJ