Em relatório divulgado nesta semana pela CIA (agência de inteligência dos Estados Unidos), o governo estadunidense imaginava que a União Soviética poderia ocupar o Nordeste do Brasil, de onde lançariam a “ofensiva final” contra os EUA, durante a Guerra Fria.
Intitulado “O fortalecimento econômico-militar do Brasil: fator de importância central para a segurança dos EUA e do mundo democrático”, o documento de 33 páginas destaca o papel que o Nordeste poderia ter em um eventual confronto entre os Estados Unidos e a União Soviética na Guerra Fria.
Segundo reportagem de João Fellet, da BBC Brasil, a região é descrita no relatório como sujeita a conflitos sociais e um “potencial centro de agitação e disseminação de ideais comunistas”, mas considerada crucial para a defesa do Atlântico-Sul e dos Estados Unidos em caso de um ataque russo a partir da África.
Segundo a CIA, o Nordeste era tão importante para a segurança dos EUA quanto o Canadá e o Canal do Panamá, a conexão marítima entre o Atlântico e o Pacífico. A agência cita o general francês Lionel Max-Chassin, para quem uma hipotética ofensiva soviética contra os EUA incluiria ataques a partir do Ártico e da “faixa costeira entre Natal e a Bahia”.
Se recebesse o apoio militar devido, diz a CIA, o Brasil poderia assumir integralmente a defesa do Nordeste, do Atlântico-Sul e até participar de batalhas contra os soviéticos na Europa.
“Com uma população de cerca de 53 milhões de habitantes, o Brasil está em posição de mobilizar, num tempo razoável, entre 20 e 25 divisões de infantaria (de 400 e 500 mil homens), sem afetar muito sua economia interna”, calculava o órgão.
Leia a íntegra da matéria abaixo.
Por João Fellet.
Após ocupar o Leste Europeu, os soviéticos agora avançam pelo Hemisfério Sul. As tropas comunistas invadem a Austrália, ocupam a África e de lá partem para a conquista do território de onde lançarão a ofensiva final contra os Estados Unidos: o Nordeste do Brasil.
O cenário hipotético é narrado em um relatório da CIA (agência de inteligência dos EUA) divulgado nesta semana, entre cerca de 800 mil documentos que vieram à tona após uma longo processo movido por defensores do livre acesso à informação.
Intitulado “O fortalecimento econômico-militar do Brasil: fator de importância central para a segurança dos EUA e do mundo democrático”, o documento de 33 páginas destaca o papel que o Nordeste poderia ter em um eventual confronto entre os Estados Unidos e a União Soviética na Guerra Fria.
Separada da costa africana por apenas 3 mil quilômetros, a região é descrita no relatório como sujeita a conflitos sociais e um “potencial centro de agitação e disseminação de ideais comunistas”, mas considerada crucial para a defesa do Atlântico-Sul e dos Estados Unidos em caso de um ataque russo a partir da África.
Segundo a CIA, o Nordeste era tão importante para a segurança dos EUA quanto o Canadá e o Canal do Panamá, a conexão marítima entre o Atlântico e o Pacífico. A agência cita o general francês Lionel Max-Chassin, para quem uma hipotética ofensiva soviética contra os EUA incluiria ataques a partir do Ártico e da “faixa costeira entre Natal e a Bahia”.
“Um segundo movimento, precedendo a invasão final, pode se voltar à conquista da zona de Cuba e do México, no sul, e da Terra Nova e Labrador, no norte. Só na última etapa uma ofensiva generalizada seria lançada contra o coração da força naval”, diz o general.
Não é possível identificar a data do relatório, divulgado apenas parcialmente. Porém, eventos citados no texto indicam que ele foi elaborado na década de 1950, quando as duas potências se armavam para um possível conflito.
A Guerra Fria, como o período ficou conhecido, só se encerrou com o colapso da União Soviética, nos anos 1990.
Contrapropaganda e modernização
O documento defendia duas linhas de ação para aproximar Brasil e Estados Unidos e impedir a infiltração comunista em terras brasileiras.
No campo ideológico, a CIA sugeria a criação de um órgão de contrapropaganda para combater a influência soviética e a “eliminação ou neutralização” de grupos comunistas presentes em “todo o país e em diferentes esferas do governo”.
Na economia, defendia sanar os problemas que impediam o desenvolvimento do Brasil e que poderiam facilitar a disseminação do comunismo no país, como o “atraso cultural”, a pobreza e a “politização das massas por agentes comunistas”.
Entre as ações que a agência considerava essenciais estavam modernizar a agricultura brasileira, difundir a energia hidrelétrica e ampliar a produção de combustíveis fósseis.
Se recebesse o apoio militar devido, diz a CIA, o Brasil poderia assumir integralmente a defesa do Nordeste, do Atlântico-Sul e até participar de batalhas contra os soviéticos na Europa.
“Com uma população de cerca de 53 milhões de habitantes, o Brasil está em posição de mobilizar, num tempo razoável, entre 20 e 25 divisões de infantaria (de 400 e 500 mil homens), sem afetar muito sua economia interna”, calculava o órgão.
Se, porém, os dois países não se aproximassem voluntariamente, o relatório diz que “isso obviamente levaria a uma intervenção dos EUA no território brasileiro em caso de um conflito com a Rússia”.
Intervenções e Segunda Guerra
Os Estados Unidos passam a considerar o Brasil e a América Latina como parte de sua zona de segurança com a Doutrina Monroe, de 1823, que buscava restringir a ação de potências europeias nas Américas.
Outro passo foi dado em 1904 com o Corolário Roosevelt e a política do “Big Stick” (grande porrete, em português), com os quais os EUA passaram a justificar intervenções militares para preservar seus interesses na região.
Poupado de interferências mais agudas como as experimentadas por alguns vizinhos, o Brasil estreitou os laços com os Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) ao se unir aos Aliados contra Alemanha, Itália e Japão.
Soldados brasileiros são enviados à Itália, e o Brasil passa a abastecer a indústria bélica dos EUA com borracha e outras matérias-primas. No início dos anos 1940, Natal se torna a mais movimentada base aérea dos EUA no exterior, ponto de apoio para operações na Ásia, África e Europa.
A parceria deixou uma impressão tão boa nos EUA que, anos após o fim da guerra, a CIA defendeu repeti-la diante da ameaça soviética.
No fim do relatório, a agência afirma que Brasil e EUA “devem representar os últimos bastiões da liberdade, reafirmando a tradição histórica de aliados leais e sinceros”.
“Acreditamos na sobrevivência das forças espirituais, do poder da fé e da doutrina cristã, e é por essa razão que nos devotamos a esta nova cruzada, que irá, certamente, confirmar uma vez mais o triunfo das forças da cultura e da civilização sobre as forças materialistas [soviéticas]”, conclui o documento.
—
Fonte: Pragmatismo Político.