Documento confidencial do exército sobre Elis Regina

Por Aluízio Palmar.

Elis Regina era uma grande pedra no sapato da ditadura. Este aspecto na história da Elis foi lembrado num trecho do “Falso Brilhante”, quando ela fica “presa” a uma barra e ajoelhada (como que sendo torturada) e canta “Agnus Sei” de maneira incisiva: “ah, como é difícil tornar-se herói / só quem tentou sabe como dói / vencer satã só com orações…” Satã era a ditadura. Vencê-la só com orações (representando as canções, livros, peças da época) não era tão fácil como poderiam imaginar aqueles que pegaram em armas e partiram para a clandestinidade.

O documento do Ministério do Exército, datado de 01.12.1971, com o assunto: Elis Regina, consiste em duas folhas de informações sobre a cantora e duas folhas anexas, na verdade, uma carta escrita à mão pela Elis, em que afirma não ter ligações com grupos de oposição política.

Esta carta decorre de uma entrevista concedida na Holanda onde teria afirmado que o Brasil, em 1969, era “governado por gorilas”. A Embaixada brasileira teria emitido uma cópia desta declaração ao SNI, o que levou Elis a um interrogatório quando de seu retorno ao Brasil. De acordo com a própria Elis, em depoimento a Regina Echeverria , em razão deste caso ela teria sido obrigada a cantar nas Olimpíadas do Exército de 1972, o que de fato fez.

O documento mostra um pouco da perseguição absurda que os artistas sofriam na época, como se fossem criminosos.

“tá na moda negar, nego tudo”… (Elis)

Documento Confidendial do Exército sobre Elis Regina

Esta é a transcrição na íntegra de um documento do CIE (Centro de Informações do Exército) sobre a Elis:

“Ministério do Exército

Gabinete do Ministro

Documento Confidencial do Exército

Informação nº (ilegível)/S-103.2.CIE

Assunto: Cantora Elis Regina

Origem: CIE (Centro de Informações do Exército)

Difusão: SNI/AC, DPF/DF, S/102-CIE

Difusão Anterior: –

Referência: Cópia da declaração da epigrafada

1. O CIE recebeu de um repórter credenciado na imprensa Guanabarina uma entrevista concedida pela cantora nacional Elis Regina à revista holandesa “Tros-Nederland”, edição de 23 de maio, sem a indicação de ano, sob o título “A Primavera Impetuosa de Elis Regina”.

2. Procedidos os levantamentos necessários, constatou-se que:

– a cantora esteve na Holanda no início de 1969, ocasião em que concedeu entrevista coletiva à imprensa, em ambiente formal e seguindo as normas desse tipo de relacionamento;

– viajou para a Itália e Inglaterra no princípio de 1971, não tendo feito declarações à imprensa;

– no Brasil, jamais concedeu entrevista a qualquer órgão de imprensa estrangeiro;

– nos anos de 1966-1967 atuou ao lado de alguns cantores de esquerda considerados subversivos após as agitações de 1968, destacando-se, entre eles, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Geraldo Vandré e Edu Lobo. Faziam parte do “Grupo Paulo Machado de Carvalho”, da TV Record, Canal 7, de São Paulo e da Rádio Jovem Pan. Na época, anos de 1966/67, esse grupo foi considerado de orientação filo-comunista;

– é muito afeita a gravar músicas de protesto, inclusive ligadas ao movimento do Poder Negro norte-americano, apesar de não demonstrar ligação com o mesmo;

– possui contrato firmado com a rede Globo de Televisão a terminar em 30/06/72 e com a gravadora PHILIPS com término em dezembro de 1973;

– atravessa, no momento, uma fase bastante difícil na sua vida particular

– o marido, o compositor e produtor de TV, Ronaldo Bôscoli, doente, necessitando de tratamento psiquiátrico; seu genitor tornou-se inimigo do marido, chegando ao ponto de ameaçar a vida do genro; certa imprensa, chamada “marrom”, tem noticiado calúnias sobre o seu comportamento, além de difundir assuntos de sua vida privada;

– mostra-se retraída, não participando de grupos, mesmo em festas ou reuniões sociais;

– cumpre seus contratos e compromissos corretamente, aceitando programas não remunerados, quando para fins filantrópicos, ou solicitados por órgãos públicos.

3) Em 22/11/71, foi convidada a prestar esclarecimentos no Centro de Relações Públicas do Exército (CRPE), por solicitação do CIE, quando caracterizou sua posição de artista isolada e desligada de qualquer vínculo político-ideológico, tendo, inclusive, negado terminantemente ter recebido, durante a entrevista concedida na Holanda, qualquer pergunta sobre Cuba ou outro assunto político e mesmo relacionado com o Brasil e o seu povo.

Nessa oportunidade, escreveu de próprio punho a declaração, tendo gravado, em imagem e som, o seu depoimento, cuja tape se acha arquivado neste Centro.

Rio de Janeiro, 22 de novembro de 1971.

Declaro que li a tradução de uma entrevista publicada na revista holandesa “Tros-Nederland”, edição de 23 de maio, atribuída à minha pessoa, contendo considerações a respeito do Brasil, de seu regime e de seu povo.

Realmente, estive neste país (Holanda) e fui entrevista coletivamente pela imprensa de Amsterdã. Porém, não me foram feitas perguntas sobre qualquer assunto político relacionadas com o Brasil. As perguntas se limitaram a assuntos de música, tendo sido (ilegível) o movimento de bossa nova, a participação de Ronaldo, meu marido, no mesmo movimento, importância de Tom Jobim e Vinícius e validade do trabalho de Sérgio Mendes como músico brasileiro no exterior.

Também me perguntaram das razões da ausência de Caetano Veloso e Gilberto Gil no MIDEM de 1969. Me neguei a responder, a despeito da insistência de um repórter.

Nego terminantemente ter feito as declarações publicadas naquela revista. Nego, apesar de sugerida, que tenha feito uma entrevista em particular a qualquer jornalista.

Com referência à minha participação em grupos de artistas em movimentos de conotação política ou de contestação, quero esclarecer que a mesma se restringia a apresentações do programa “O Fino da Bossa”, TV Record, São Paulo.

Nunca participei de qualquer movimento (ilegível) ou coisas do gênero de cunho subversivo. Além do mais, em minha vida pessoal, não tenho relacionamento com artistas ou intelectuais, alem de encontros ocasionais em restaurantes ou teatros, pois não gosto particularmente do que comumente se chama “patota”. É um ponto de vista firmado meu, do qual não (ilegível).

Quanto à minha religião, declaro que sou espírita kardecista, logo não tenho porque fazer as ditas declarações de “Tor-Nederland”.

Queria deixar registrado que, de algum tempo para cá, não presto declarações a órgãos de imprensa, a não ser por escrito, ficando comigo as cópias das entrevistas.

Assim sendo, ponho-me à disposição para esclarecer futuros equívocos, tomando por base essas cópias autenticadas.

Elis Regina Bôscoli,

Rio, 22/11/71.

Av. Niemeyer, 550 – casa 7

Fone: 399-1313

CLIQUE NOS LINQUES ABAIXO PARA LER OS DOCUMENTOS NO FORMATO PDF

http://pt.scribd.com/doc/105044207

http://pt.scribd.com/doc/105044205

Fonte: http://www.documentosrevelados.com.br/

1 COMENTÁRIO

  1. Gosto da Elis, mas dizer que foi uma pedra no sapato da ditadura é superestimar sua importância e peso na ditadura militar… Assim, como já vi as bravatas do Chico Buarque dizendo a mesma coisa de si. Desculpe, mas é risível. Se participaram ativamente de uma cultura de negação ao que estava acontecendo? Participaram. Mas, individualmente, não fizeram/não puderam fazer muito para serem “uma pedra no sapato”…

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