“Terra de Nazaré” teve sua pré-estreia no Assentamento Maceió em Itapipoca
A pré-estreia do documentário “Terra de Nazaré”, na comunidade Apiques, no assentamento Maceió, em Itapipoca (CE), foi um momento de união, luta e amor, em homenagem à poetisa e agricultora Nazaré Flor.
A exibição do documentário que retrata a vida da poetisa mobilizou as 12 comunidades do assentamento. Eram mulheres, homens, crianças, amigos e familiares dela que tinham olhos e ouvidos atentos ao filme que trazia Nazaré viva em imagens inéditas de 2005, mescladas a imagens atuais de suas companheiras de luta, que formam o grupo de mulheres do assentamento. Nazaré foi semente e dá flores e frutos até hoje.
“Terra de Nazaré” é dirigido por Shaynna Pidori, paulista que, depois de formada em jornalismo e ciências sociais, quis fugir de São Paulo e encontrou, nas mulheres do Nordeste, histórias a serem contadas. Em 2005, eram poucas as coisas que falavam sobre mulheres. Shayna juntou-se à sua companheira da faculdade de jornalismo, Priscila Neri, e saíram ”buscando um realismo mágico”, no sertão nordestino.
Sete mulheres
À época, a dupla não tinha dinheiro. “A gente reuniu todos os esforços que tínhamos, o dinheiro guardado, o que as pessoas doavam pra gente, pra fazer essa viagem.” E foram em busca de Organizações Não Governamentais (ONGs), para que elas as ajudassem, em troca de algum material de comunicação. “A gente entrou em contato falando que a gente podia fazer boletins, vídeos, em troca de eles ajudarem com uma infra, um transporte, hospedagem. E foi isso que aconteceu: a gente chegou e em nenhum momento tivemos alguma porta fechada. Tivemos dificuldades, mas de apoio, todas as portas abertas. Aonde a gente ia falava do projeto, as pessoas confiavam na gente, faziam de tudo pra ajudar, pra dar uma carona.”
Foram seis meses de aventuras pelo sertão nordestino. Dois deles pesquisando o que iriam fazer, lapidando as ideias. Decidiram contar a história de sete mulheres “que tenham a história de vida muito forte com a terra e que cada uma representasse uma coisa. A gente queria sair dessa imagem da seca, do chão rachado, das mulheres parindo sem ter onde parir”. Para isso, decidiram buscar mulheres que desempenhassem diversas funções: parteira, poeta, tocadora de pife, líder indígena, pescadora, ativista política e aprendiz de pedreira.
A vida, no entanto, separou as amigas e o prazo de cinco anos que haviam pensado para concluir o filme transformou-se em dez. Shaynna foi para o México e Priscila para aos Estados Unidos. “Em cinco anos muda muita coisa, muda o formato, muda a realidade de um país. O retrato que a gente fez dessas mulheres em 2005 não era o mesmo de 2010, já era totalmente diferente”, conta Shaynna que foi à Paraíba em 2011 fazer um documentário e viu uma outra Paraíba. “Então ele foi perdendo o timing de ser montado.”
A diretora conta que falava para a amiga que terminaria, mas Priscila relutava, dizia que terminariam juntas. Mas as agendas não deixaram e Priscila acabou cedendo as imagens ara que Shaynna terminasse o filme que começaram juntas.
O ano era 2013 e Shaynna decidiu que faria uma mulher por vez: “eu achava que tinha que ter uma volta. E como já tinha passado muito tempo, era muito difícil montar o filme só daquela época, precisava ter uma comparação de o que aconteceu”. Como a primeira mulher a falecer foi Nazeré, ela seria a primeira. “A gente tinha um compromisso”, conta. “A Nazaré, ela amou o projeto, ela tinha essa necessidade, de se expressar, de se mostrar em outro veículo a arte dela, ela já tinha publicado um livro.” Nasceu em 2013, a ideia de “Terra de Nazaré”, que apenas seria concretizada seis anos depois.
Terra de Nazaré
Shaynna conta, ainda, que colocou a exibição de pré-estreia na comunidade pela necessidade de retornar essa história à família e aos amigos da poetisa. Mas que a exibição tomou proporções diferentes das pensadas inicialmente, a comunidade foi se envolvendo e a exibição transformou-se em uma homenagem à Nazaré Flor, que contou com apresentações de grupos artísticos de jovens do assentamento.
Cícera Nunes, primeira mulher presidenta da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Fetape), é amiga de Nazaré, estava ao lado da agricultura na fundação do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste e saiu do sertão de Pernambuco, em Serra Talhada para prestigiar a exibição do filme sobre sua amiga. Ao ser questionada sobre o que a motivou sair de Serra Talhada em direção ao assentamento Maceió, conta: “o que me fez vir foi Nazaré, a luta dela”. Completa: “ela me inspira”.
Para a agricultora, Nazaré Flor representa liberdade. “Ela pra mim representa isso, é como se fosse cada uma de nós que quer libertação, cada mulher que tá sem nada, na miséria”, completa.
A também amiga de Nazaré, a agricultora Deca, recitou uma poesia emocionada sobre a vida de Nazaré. Falou da saudade da amiga, companheira de luta, mas também do legado que deixou. “A Nazaré foi embora / Nos deixou muita saudade / Para adultos e criança, / Pra gente de toda idade / Para as mulheres do campo / E para o povo da cidade”, recitou.
A obra sobre Nazaré se baseia no poema “Maceió, ontem e hoje”, onde Nazaré recita a história do assentamento, a terra de Nazaré, e sua participação nessa luta. E através das filmagens realizadas em 2005, de Nazaré, temos a impressão de que ela conversa com suas amigas, com sua família, com o assentamento. Temos uma bela conversa dela, que virou semente e que seus frutos são colhidos até hoje com a organização e fortalecimento do grupo de mulheres, mesmo depois de sua morte.
O documentário “Terra de Nazaré” foi contemplado no edital Rumos Itaú Cultural 2017-2018 e conta com a parceria do Centro de Estudos do Trabalho e Assessoria ao Trabalhador (Cetra).